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Vidro nas fachadas é uma boa opção para edificações em Fortaleza?

Especialistas analisam a polêmica, com bases técnicas e históricas, além de bons e maus exemplares de edifícios envidraçados no Brasil e no Mundo
13:45 | Dez. 17, 2018
Autor Lucas Braga
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Lucas Braga Repórter do O POVO Online
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Tipo Notícia
Por requinte ou quentura, o vidro diverge entre as preferências de arquitetos. Em Fortaleza, com temperaturas quase sempre altas e forte incidência da luz solar, o projeto onde se pretende aplicar o vidro precisa ser muito bem estudado. Afinal, vidros não são todos a mesma coisa.  

E quem diz isso é o veterano Delberg Ponce de Leon, do escritório Delberg Arquitetos Associados. É dele e de Fausto Nilo o projeto de um dos primeiros prédios com fachada predominante de vidro no Ceará, o Edifício Ébano, na rua Costa Barros. Desde a metade dos anos 1980, a cortina de vidro escuro com pilares amarelos contrastantes se destaca na via. 
 
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Na época, o Nordeste estava produzindo vidro fumê, película que funciona como uma das aliadas para controle da entrada de luz. E, como didatiza Delberg, os elementos devem ser funcionais.
 
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Ou seja, em cada uma das quatro ou cinco fachadas, deve ser estudada a aplicação, considerando densidade de luz, passagem de raios ultravioleta, redução de calor. Assim, espessuras, tratamentos, películas e colorações vão ter aplicações distintas. “Pode ter um vidro diferente em cada uma das fachadas, até. As combinações são infinitas”, completa Delberg. 
 
A arquiteta Laura Rios concorda. Para ela, o vidro pode ser benéfico, quando bem utilizado. “Não é errado usar o vidro, mas sim usá-lo em situação onde ele recebe insolação. Tem que haver critério. Normalmente, escolhe-se usar na fachada principal, a que é mais vista. Aí, resolve-se o excesso de luz com insulfilmes e o excesso de calor com ar-condicionado, que são duas coisas extremamente caras. Paga-se um preço por essa escolha estética”, critica. 
  
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“Gasta-se muito dinheiro com energia para balancear aquilo que a própria arquitetura pode produzir como conveniência”, ratifica Fausto Nilo, convidando ao estudo das histórias e práticas regionais para o aproveitamento desses recursos (calor e luz). “O que a arquitetura descobriu? Precisamos evitar o calor irradiado do teto, das fachadas e laterais, seja fazendo um teto mais alto ou justapondo elementos. Mas quando os códigos de obra - que vigoram até hoje e não têm nada a ver com nossa climatologia - mudaram, isso foi perturbado”. 
 
Por que tem mais vidro?
Tendência internacional. Inspirações em projetos do exterior aplicaram o vidro em grande escala, por aqui. Os três arquitetos consultados são uníssonos:

“A carga toda fica no significado tecnológico de usar vidro e aço, por exemplo, como Amsterdã usa” ~ Fausto 

“É essa arquitetura globalizada, de outras grandes metrópoles. Cultura de colonizados. A gente importa isso sem considerar nossas questões climáticas” ~ Laura

“É o encanto que dá esta alta aceitação social. Quando o vidro inglês começou a chegar no Rio de Janeiro, começou a intervir até na legislação urbanística das cidades. Lembra daquelas venezianas de madeira? Foram trocadas por janelas de vidro” ~ Delberg

História
Ponce de Leon faz breve rememoração da história do vidro, surgido na China. Ele reforça que a produção de vidro plano de alta qualidade até hoje é segredo industrial “bem guardado” por poucos fabricantes, no mundo: "monopólios controlam esta tecnologia. A hegemonia do vidro aumenta com as tendências de arquitetura transparente e refletiva”, lembra. 

Visto como resistente e seguro, o vidro tem participação em projetos excêntricos na construção civil, sendo utilizado inclusive na sustentação: casas, pontes, piscinas, dentre outros. Blindados, fumês, painéis-sanduíche de vidro temperado são subaplicações ainda mais funcionais. 

O arquiteto também rememora a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, construção singular, importante para a história da arquitetura nacional e internacional. O edifício, que desde a década de 1990 abriga o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, foi construído entre 1950 e 1952 e serviu como residência para o casal por quatro décadas. Foi o primeiro imóvel erguido no distrito do Morumbi, em São Paulo, que começara a ser urbanizado na época.
 
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No ano passado, o prédio recebeu investimentos para conservação arquitetônica. Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP em São Carlos, Renato Anelli explicou a relevância da obra peculiar, ao Jornal da USP. “A casa tem sua importância histórica reconhecida nos três níveis. Ela é tombada no nível municipal, estadual e está no processo de finalização do tombamento em nível federal. É um bem que dispensa maiores reconhecimentos. Tem uma relevância no tipo de construção, não só pela importância do casal Bardi”, dialogou o urbanista.

[FOTO6] [FOTO7]Saiba Mais: Considerada um dos ícones da arquitetura modernista, Lina Bo Bardi também projetou o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Sesc Pompeia, ambos na capital paulista. Leia mais aqui.

Voltando a Fortaleza, na mesma época da construção da residência dos Bardi, início da década de 1950, era erguido o Edifício Sulamérica, na Praça do Ferreira, em Fortaleza. Como lembra Ponce de Leon, foi uma inovação ter esquadrias de vidro e toldos reguladores da entrada de luz.
 
Mas, e sem vidro?
É, nem sempre o vidro precisa ser presente. João Filgueiras Lima (Lelé) ficou para a história da arquitetura brasileira com os projetos dos hospitais da rede Sarah. Em Fortaleza, a aplicação de soluções bioclimáticas não foi diferente. A unidade de reabilitação é beneficiada pela ventilação cruzada e iluminação natural: aproveitamento dos ventos do sudeste; galerias de ventilação, no subsolo, voltadas para captar os ventos dominantes; e sheds de sucção do ar quente. 

Ou seja, pouco vidro e redução máxima das necessidades de refrigeração interna. “É uma arquitetura moderna, atemporal, com cara regional e atende essas demandas daqui”, avalia Laura Rios, co-idealizadora do Estar Urbano, ateliê de arquitetura e urbanismo tático. 
 
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Além do Ébano, Fausto Nilo não tem muitos exemplares envidraçados na carreira. “Sempre fui arquiteto que tive muito esforço pessoal para compreensão da luz, do vento…”. Exemplo é o Dragão do Mar, com seus 14 mil m² construídos: pouco vidro, muito uso da luz natural e baixo consumo energético. Assim, em só 25% dele, aproximadamente, é usado ar-condicionado: museus, cinema, teatro e pequenos escritórios. “Pode ir circular nesse B-R-O-bró duas horas da tarde. Lhe prometo que não vai ter desconforto”, ri-se Fausto. 
 
Urbanismo e legislação 
Questionamos à Secretaria do Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma) se há alguma política de controle ou intervenção, quando o projeto atrapalha o urbanismo, é inadequado, ou acaba causando prejuízos aos componentes urbanos. 
 
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Em nota, a pasta respondeu que “cabe ao arquiteto do empreendimento se atentar para especificação dos materiais a serem utilizados. Caso o profissional descumpra normas e gere impacto negativo ao contratante ou à cidade, cabe ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) implantar medidas cabíveis de punição”.
 

É possível cadastrar denúncia anônima no site do CAU, com possibilidade de anexar imagens e documentos, se necessário. A reclamação deve estar associada à área de atuação da autarquia, que tem a função de “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo” (§ 1º do art. 24 da Lei nº 12.378/2010).

Clique aqui para conferir as legislações vigentes com as determinações para todas as construções no município de Fortaleza: 

Arranha-céus internacionais onde o vidro predomina:
New York Times Building, Nova York
Projeto de Renzo Piano
 
Desde a fachada, o vidro simboliza a transparência, elemento componente da imagem desejada pela empresa jornalística: a filosofia de comportamento perante o externo. Assim, o material é predominante no arranha-céu de 220 metros. 
 
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20 Fenchurch Street, Londres
Projeto de Rafael Viñoly
 
[FOTO15]O gigante de 160 metros ganhou o apelido de “Walkie-Talkie” por causa da silhueta diferente. Concluído em 2014, ficou mais conhecido pela perigosa falha de projeto: o vidro da fachada côncava se transformou em refletor do calor do sol. Desta forma, antes mesmo de inaugurado, em 2013, foi responsável por “derreter” um carro de luxo (Jaguar XJ). Garantiu a fama.

Shard Tower, Londres
Projeto de Renzo Piano
 
O Shard é coberto por 11 mil placas de vidro. Construído com dinheiro do governo do Catar, foi inaugurado em 2012 como o prédio mais alto da Europa ocidental. Abriga escritórios, restaurantes, hotel e apartamentos exclusivos. O “Caco-de-vidro” (shard, em inglês) dividiu opiniões. Críticos ouvidos pela BBC afirmaram que o prédio polui a paisagem londrina ou “parece uma obra extraterrestre”. 
 
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Fontes complementares:
 - “A hegemonia do edifício habitacional na verticalização de Fortaleza”, de Márcia Gadelha Cavalcante (UFC) e Paulo Hermano Mota Barroso (Unifor), trabalho apresentado no Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Porto Alegre, 2016) 
 - Institucional - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil 
 - “USP participa de conservação da Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi”, conteúdo do Jornal da Universidade de São Paulo. 


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