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Areia invade ruas e casas no Serviluz; não há projeto para conter avanço

Comer e ficar de olho aberto é desafio com a quantidade de areia trazida pelos ventos. Moradores também relatam que crianças sofrem com problemas de pele. Prefeitura diz que ainda realiza estudo para minimizar a erosão eólica
11:22 | Out. 16, 2017
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[FOTO1]Dona Nazaré de Sousa, 65 anos, e o pequeno Vinicius, 2 anos, têm, além da diferença de idade, a dedicação de retirar, em vão, a areia que se amontoa na frente de suas casas no bairro Serviluz. Ao longo dos anos, o transporte eólico de sedimentos avança sobre as casas que ficam próximas à praia do Titanzinho. Moradores reclamam que, entre junho e dezembro, os ventos sopram mais forte e o aperreio aumenta.

[FOTO2]“A gente tira de tarde, quando é de manhã já amanhece tudo cheio”, diz a idosa entre as passadas rápidas da vassoura. Vinicius já se acostumou a brincar com a pá, por ver com frequência o pai, o pescador Valdir Vieira de Paula, 54 anos, recolher a terra fina.

A área onde a comunidade se instalou é uma zona de transpasse, onde, no passado, havia formação de grandes dunas. Segundo Alexandre Carvalho, especialista em Dinâmica Costeira, correntes de deriva litorânea, vindas de leste para oeste, trazem sedimentos que se acumulam, principalmente, na região do espigão do Titanzinho. A faixa de praia, então, aumenta, deixando mais areia disponível para o transporte eólico. Com aumento da velocidade dos ventos, o processo é intensificado.

Segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, a temporada dos ventos fortes no litoral do Estado tem auge, geralmente, nos meses de agosto e setembro. Em Fortaleza, no período citado, os ventos têm médias de 14 km/h e 16,3 km/h, respectivamente. O fim do período chuvoso e o deslocamento do Sistema de Alta Pressão Atmosférica do Oceano Atlântico Sul são alguns fatores que influenciam na elevação da intensidade das rajadas que chegam ao Ceará.

A avenida Pontamar, que liga o Serviluz à Praia do Futuro, é a mais afetada pela areia. Entregue em janeiro deste ano, a via passou por obra de requalificação após sete anos de espera da comunidade. A idealização do projeto surgiu em 2010, à época da segunda gestão de Luizianne Lins (PT-CE), como saída à polêmica instalação de um estaleiro no Titanzinho. 
 
[SAIBAMAIS] Após os atrasos, a reforma foi concluída no segundo mandato do prefeito Roberto Cláudio (PDT-CE) com asfalto, ciclofaixa, calçadão e uma mureta de contenção que não tem conseguido impedir o avanço da areia. Durante a inauguração, a avenida apresentava pontos de alagamento devido à chuva.

Na pequena casa de Zuila do Nascimento, uma lona perpassa o telhado como se fosse uma capa contra os grãos invasores. “Tem que comprar lona cara para botar na casa porque a gente não tem condição de forrar com PVC ou tijolo”, lembra Zuila. A dona de casa mora no bairro desde os seis anos de idade e até hoje, com 47, não se entende com a presença indesejada, porém certa, daquela que já virou vilã. “Não tem como se acostumar a comer com areia, acordar com os olhos cheios de areia”, reclama.

As marcas dos incômodos também aparecem na pele, sobretudo das crianças, com manchas e feridas. Segundo os pais, são decorrentes da areia. Outro inconveniente é quando os montes de terra na Pontamar fecham as ruas que com ela fazem esquina. Carros não transitam e moradores precisam procurar outras rotas pros seus percursos.

[FOTO4]Zuila diz que um trator retira a areia do asfalto e devolve à praia. Para ela, trabalho ineficiente. Por volta de uma hora, enquanto a reportagem esteve no local, a areia retirada do inicio da avenida já estava de volta à via.
 
A Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) respondeu que realiza, semanalmente, a retirada da areia da pista, que é devolvida para a duna, por se tratar de uma Área de Proteção Permanente (APP). 
 
Sobre uma alternativa para o local, Alexandre responde que poderia haver a contenção da duna através de fixação com vegetação, com estudo detalhado para isso. “O que poderia ocorrer é formar vegetação que ia conter mais a areia da praia ou, pelo menos, formar uma duna frontal que ia segurar parte desse material”, afirma o professor. Ele também lembra que o processo de fixação de uma duna deve ter autorização com base na legislação ambiental.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinf) informou por meio de nota que realiza um estudo para minimizar a erosão eólica da faixa de areia daquela região com a instalação também de vegetação apropriada. Não foram informados detalhes do estudo.

[FOTO3]Os olhos vermelhos e irritados pela areia não escondem o amor da nativa, “praiana legítima”, como se define Zuila, pelo pedaço de chão onde fincou raízes. “Eu amo esse lugar. Já tive oportunidade de me mudar, mas aqui é tudo. Eu moro num paraíso. Se está desempregado, você vai nessa praia e pesca um peixe. Você chega ali, vende o peixe e tem o dinheiro da farinha. Não tem como sair daqui”, ensina.
 
 

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