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DER cobre Dunas de Sabiaguaba com palhas e ameaça ecossistema da região, diz Conselho Gestor

Para conter o avanço da areia sobre a rodovia, o órgão "envelopou" as dunas com palhas de coqueiro. A intervenção é questionada por ambientalistas devido à degradação da fauna e da flora. Um abraço coletivo em protesto está marcado para este sábado, às 16 horas
08:24 | Set. 30, 2017
Autor Amanda Araújo
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Tipo Notícia

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A colocação de palhas de coqueiro nas Dunas de Sabiaguaba, há cerca de 15 dias, preocupa os moradores e ambientalistas. Ação do Departamento Estadual de Rodovias (DER) para conter o avanço de areia até o asfalto da CE-010 degrada o ecossistema e a reserva aquífera da Duna móvel, segundo o Conselho Gestor das Unidades de Conservação da Sabiaguaba (CGS). Um abraço coletivo para protestar contra a intervenção será realizado na tarde deste sábado, 30, a partir das 16 horas.

A chegada das palhas foi relatada ao CSG pela comunidade, em especial os praticantes de sandboard, como Netinho Mendes, 22. "Chegaram uns caras meio estranhos filmando com um drone. O dono de uma barraca de praia perguntou e ele disse que estava vendo quantos metros quadrados tinha (a área). Diziam que só iam colocar as palhas em um pedacinho", afirma.

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As palhas já cobrem praticamente toda a extensão da Duna móvel na altura do número 1337 da rua Sabiaguaba. O trecho onde Netinho dá aulas de sandboard também ficou coberto até a "limpeza" realizada pelos esportistas. Ainda sim, pedaços cortados saltam por entre os grãos de areia. "A Duna é o único meio de lazer e de turismo que nós temos. A molecada chega para jogar bola, chega gente para ver o pôr do sol, que é o melhor pôr do sol de Fortaleza", diz.

O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do CGS, Jeovah Meireles, lista danos a curto e médio prazo. "O impacto imediato, vamos dizer assim, foi a desconfiguração das complexas formas do campo de Dunas. As Dunas já estão migrando sobre a área onde foram fixadas as palhas de coqueiro, potencializando a erosão das áreas descobertas", explica.

Com a fixação das palhas, começam a surgir elementos iniciais de uma cobertura vegetal induzida por esse processo artificial de controle da migração dos campos de Dunas móveis. “Interfere na dinâmica do aquífero, porque altera a morfologia do campo de Dunas. Se altera a morfologia, o aquífero acompanha as formas do campo de Dunas eternamente. A água não fica plana dentro desse grande corpo de areia, e isso vai fazer com que ocorram fluxo diferenciados que muitas vezes alteram as relações com os outros sistemas ambientais que tem um vínculo direto com o lençol freático – que são as nascentes, a disponibilidade de água para as lagoas”, frisa Jeovah.

Pescador e liderança da comunidade Boca da Barra, próxima às Dunas de Sabiaguaba, Roniele Silva, 29, conta que a mobilização neste sábado tem o objetivo de reverter a situação o mais rápido possível. "Ali é um parque ambiental para as Dunas e para a comunidade. Precisa se manter a mata nativa. Não é só uma paisagem, tem uma representação simbólica da história da gente", argumenta.

Proteção
Por meio dos decretos nº 11986 e 11987 de 2006, foram criados o Parque Natural Municipal das Dunas (PNMD) e a Área de Proteção Ambiental (APA) da Sabiaguaba, que têm como gestor a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). Pela lei federal n° 9.985/2000, quando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi instituído, podem ser realizadas ali apenas atividades de lazer, educação ambiental, ecoturismo e pesquisa científica, destaca o geógrafo Jeovah Meireles em seu artigo publicado no O POVO.

Em 2010, foi elaborado Plano de Manejo das Unidades de Conservação da Sabiaguaba, cuja execução é acompanhada pelo Conselho Gestor da Sabiaguaba (CGS). A Prefeitura Municipal de Fortaleza informa, eu seu próprio site, que cabe ao Conselho "manifestar-se quando houver obra que cause impacto no entorno e auxiliar na captação e otimização dos recursos para o desenvolvimento sustentável das áreas protegidas".

Para Jeovah, essa intervenção foi feita "à tabula rasa", não levando em consideração nenhuma das prerrogativas do Plano de Manejo. “Formou-se todo um conjunto de articulação para entrarmos em contato com a Seuma. Estamos preparando um estudo que possa orientar às instituições, Ministério Público Estadual e Federal, para exigir minimamente esse conjunto de leis que tornaram essa área não edificante”, aponta.
Rodovia

Por quase dois anos, a CE-010 esteve com asfalto irregular, substituído por pavimentação intertravada após pressão Conselho Gestor da Sabiaguaba (CGS). Os bloquetes eram a solução para permitir a passagem da fauna, mas a própria estrada é questionada por não estar adequada ao turismo ecológico do parque.

Isso por que a região de Dunas da Sabiaguaba é um refúgio de grande quantidade de mamíferos, répteis, aves e insetos. "A estrada é irregular, a fragmentação é um dos maiores impactos de redução da biodiversidade que existe em área verde. Isso é muito sério, reduz riqueza das espécies", afirma o estudante de Biologia da UFC, Gabriel Aguiar, que desenvolve levantamento de animais no Parque do Cocó.

A alternativa viável para mitigar os impactos da rodovia aos animais seria um corredor ecológico, segundo Gabriel. "O corredor ecológico ameniza esse problemas, pode ser uma ponte que passa por cima, por baixo, tem vários tipos implementados em vários locais. Na Universidade Federal da Paraíba tem uma população muito grande de preguiças. Construíram vias árbores por cima das árvores, escadinhas de cordas que as preguiças atravessam sem serem atropeladas. Esse exemplo é extremamente barato. Ali (CE-010) existem animais que andam no chão, raposa, guaxinim, tatu, tamanduá, lagarto. Era necessário algo como um viaduto (ecológico)", exemplifica.

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Especulação imobiliária
A supressão completa das Dunas de Sabiaguaba também é um risco a longo prazo, de acordo com o geógrafo Jeovah Meireles, membro do Conselho Gestor da Sabiaguaba (CGS) e professor da UFC. “Este grande sistema, que tem essa sequência enorme de funções ecológicas para a cidade, pode ser completamente impermeabilizado, completamente tomado pela especulação imobiliária. Consequentemente, aumentam as ilhas de calor, a perda de biodiversidade, altera a qualidade e quantidade de água do lençol freático, extingue uma paisagem raríssima na cidade. Fortaleza só tem esse campo de Dunas móveis e, além do mais, existem mais de 12 sítios arqueológicos ali”, diz ele.

O Parque Natural, como descrito no Plano de Manejo, possui áreas que não podem sequer serem visitadas com frequência. O local é uma representação da fauna, da flora e dos recursos hídricos naturais, algo como um ‘banco genético’, compara Jeovah. “Se você extingue esse campo de dunas, altera sua dinâmica, você está rasgando, tocando fogo numa biblioteca natural que ainda necessita de bastante pesquisa científica”, completa ele.

Órgãos públicos

O POVO Online procurou o DER na tarde dessa quarta-feira, 27, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta sobre a regularidade da ação ou previsão de retirada das palhas.

Procurada pelo O POVO Online, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) informou em nota que "não houve nenhuma autorização do órgão referente à intervenção promovida pelo DER nas Dunas da estrada da Sabiaguaba, tendo em vista que o órgão responsável pelo licenciamento da obra é a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace)".

A Semace esclareceu que a intervenção é " assunto afeito ao Município de Fortaleza". "Uma possível denúncia, que venha a provocar a avaliação da 'intervenção' e eventuais autuações, deve ser encaminhada Agência de Fiscalização do Município", completa a nota.

Já a assessoria de comunicação da Agefis informou que enviará agentes de fiscalização ao local.

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