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Catadores dizem ser prejudicados por projeto de Ecopontos; Prefeitura defende modelo

Categoria reivindica inclusão socioprodutiva desde o ano passado. Prefeitura diz que por contrato o material é repassado à Ecofor Ambiental, que instalou e mantém os Ecopontos, além de arcar com os descontos na conta de energia e bônus no Bilhete Único
15:15 | Ago. 04, 2017
Autor Amanda Araújo
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Tipo Notícia

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A implantação dos Ecopontos, parte do Programa de Ações para Gestão de Resíduos Sólidos da Prefeitura de Fortaleza, virou "concorrência" para os catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis. A categoria cobra inclusão, seja com divisão de materiais, seja com uso do espaço para coleta, triagem e processamento. Atualmente, o material reciclável levado pela população aos postos de coleta em troca desconto na conta de energia ou bônus para Bilhete Único é repassado pelo poder público municipal à Ecofor, empresa do que presta serviço de limpeza urbana em Fortaleza.

Ainda que organizados, justamente com o objetivo de tornar a lida com o lixo menos degradante, catadores não ganham mais do que R$ 400 por mês, em Fortaleza. A média per capita é calcula com base em 269 profissionais de 15 associações ou grupos em processo de formalização, de acordo com a Cáritas Regional Ceará. O rendimento orçado pela entidade não considera os catadores de rua e individuais, que podem receber menos.

 

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Alex Marques, coordenador do plano de negócios do Projeto Cataforte, ressalta a importância da atuação dos catadores. Ele explica que a parte organizada da categoria foim responsável por coletar, triar, processar e comercializars mais de um milhão de quilos de resíduos, em 2016. Aproximadamente 66% das entidades não têm sede para realizar o trabalho, conforme Alex.

[SAIBAMAIS]"Nosso objetivo é que a Prefeitura cumpra o que é determinado pela política de resíduos sólidos, integrando a inclusão socioprodutiva dos catadores".

O trabalho braçal de "puxar carroça", recolher e triar material – sem equipamento de segurança – começa às 8 horas nas ruas do bairro Vila União, para os 11 catadores da Associação Maravilha – batizada assim em homenagem à comunidade homônima, próxima ao Lagamar, erguida numa área de risco.

A presidente da entidade, Maria de Fátima Albuquerque, 63, conta que a quantidade de material recolhida diminuiu drasticamente. "Nós não temos nada contra os Ecopontos, mas é que a gente queria que trabalhassem junto com as associações. O que está entrando hoje é material de baixo valor, quase não dá para pagar o cereal para comer", afirma Fátima, conhecida como “Ronaldinha”.

Segundo Alex, a implantação dos Ecopontos consolida a privatização dos recicláveis. “São projetos contratados pela concessionária de limpeza urbana, conseguiram comercializar (os resíduos) com até 300% de lucro, porque dá um valor simbólico para as pessoas", argumenta Alex.

Caso os materiais dos Ecopontos fossem destinados às associações, a Cáritas estima um aumento de 30% na renda mensal dos catadores. "O que a Cáritas vem fazendo é trabalhar com políticas públicas postas. A nossa proposta é simples, o catador que mora vizinho (ao Ecoponto) poderá desenvolver esse trabalho, colaborando com o bem-estar da cidade", frisa.
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Em julho passado, os nove catadores da Associação Maravilha que estiveram em atividade, de manhã até o fim da tarde, com intervalo apenas para o almoço, ganharam apenas R$ 211,12. Francisca Verônica Cruz, 50, também catadora da associação, conta que algumas empresas chegam a ligar oferecendo material, mas eles não conseguem buscar. "O negócio é que é longe, não temos carro, nem um caminhão velho para carregar. De primeiro, o pessoal guardava material para gente. Hoje, doa para os Ecopontos", mensura.

O cobre e alumínio, materiais que mais valem para os catadores, não estão sendo encontrados nas andanças pelo bairro Vila União. O quilo desses materiais pode chegar a ser comercializado por R$ 10 e R$ 2,50, respectivamente. Já o valor do quilo do papelão e do plástico, únicos materiais colhidos ultimamente, chega a custar R$ 0,20 e 0,85, aponta Verônica.

“Ronaldinha” pede um olhar mais carinhoso da sociedade em relação ao trabalho de catação, observando a importância dos profissionais tanto para a limpeza da cidade, como para a melhoria das pessoas em situação de vulnerabilidade social. “Trabalho doente (com hérnia), puxo carroça à força porque eu preciso, é disso que tiro meu sustento. Nós somos seres humanos, não é para catador está no meio da rua puxando uma carroça feito animal”, completa.

Em 30 de setembro de 2016, catadores de materiais recicláveis fecharam a avenida Eduardo Girão, no bairro de Fátima. Na época, eles já denunciavam a redução da oferta de materiais com a implantação de Ecopontos.

Segundo o coordenador do plano de negócios do projeto Cataforte, Alex Marques, a paralisação fez com que a categoria "fosse bem recebida", mas a negociação ainda não avançou, mesmo após reunião com o prefeito Roberto Cláudio. "Este ano, seguimos a estratégia de se reunir com todos os órgãos. Conversam, mas não dialogam, não chegam a um consenso sobre a inclusão socioprodutiva", diz.

Prefeitura
O POVO Online enviou perguntas à Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), que respondeu por meio de assessoria de imprensa. A secretaria diz que a instalação e manutenção dos Ecopontos é feita pela Ecofor Ambiental - concessionária responsável pela limpeza urbana. A gestão municipal também não tem ônus em relação aos descontos na conta de energia e bônus no Bilhete Único, que são creditados pela Ecofor Ambiental.

Segundo a secretaria, os resíduos recicláveis coletados nos Ecopontos são repassados pela Ecofor Ambiental ao mercado. “A relação entre a Prefeitura de Fortaleza e a Ecofor Ambiental é contratual, desde 2003, e a coleta seletiva faz parte deste contrato. A concessionária tem funcionado nesse modelo, como instrumento de capital de giro, seja para atender a demanda dos usuários do sistema, como em relação aos agentes de comercialização de resíduos, que, em alguns casos, possuem objetivos sociais", justifica.

Em relação à tentativa de negociação exposta pelos catadores, a secretaria confirma que o prefeito recebeu grupo, mas diz que não foi procurada.

"É muito importante registrar que o prefeito recebeu um grupo da Cáritas, que apoia um determinado grupo de catadores, e agendou uma reunião técnica na Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP) para tratar tecnicamente sobre uma possível demanda desse grupo. No entanto, até hoje eles não procuraram a SCSP. Nesse contexto, é importante destacar também que a inclusão dos catadores sempre foi contemplada no modelo adotado das franquias sociais, cujo aspecto socioambiental é compatível ao princípio da sustentabilidade. Esse conceito transforma a cultura assistencialista adotada em gestões anteriores em incentivo a práticas sustentáveis dessas importantes unidades produtivas", continua.

A SCSP cita modelo de franquias sociais, a exemplo da Sociedade Comunitária de Reciclagem de Lixo do Pirambu (Socrelp), que foi inserida no Programa Recicla Fortaleza, porque "gera resultados positivos, conforme demonstrado em sua contabilidade, principalmente, em função de sua cultura organizacional". "Por essa razão, a Socrelp foi inserida no Programa Recicla Fortaleza, atendendo a demanda da população e realizando a troca de recicláveis por descontos na conta de energia e créditos do Bilhete Único. Dentro dos mesmos moldes, a SCSP está tratando de implantar outras associações de catadores que já procuraram a gestão municipal e concordam com o modelo em funcionamento", responde.

Em um ano e três meses de funcionamento, de acordo com a SCSP, foi gerada bonificação de R$ 233.380,56 - valor distribuído na conta de energia e no Bilhete Único para 13.764 usuários cadastrados até agora no sistema.

Atualmente, Fortaleza conta com 28 Ecopontos disponíveis, que receberam mais de 7 mil toneladas de materiais, entre 28 de novembro de 2015, quando foi entregue o primeiro equipamento bairro de Fátima, até 31 de julho de 2017. As pequenas proporções de entulho somaram cerca de 5,3 mil toneladas, e os materiais recicláveis (plástico, vidro, metal, papel e papelão) somaram 1,7 mil toneladas, além de 13,8 toneladas de óleo. A quantia detalhada de cada um dos materiais não foi informada.

Caso essa quantia fosse apenas de papelão, um dos produtos de menor valor para os catadores, que o vendem a R$ 0,20 o quilo, teriam sido arrecadados aproximadamente R$ 340 mil.

Galpão
O galpão utilizado pela Associação Maravilha, de acordo com os catadores, ainda está sob risco de desabar. A Cáritas protocolou ação pedindo reforma à Regional IV no dia 15 de setembro de 2016, pelo Ministério Público, mas ainda aguarda resposta efetiva.

A Prefeitura informou, por meio da assessoria de imprensa da Regional IV, que tem diálogo constante com os catadores de resíduos sólidos e reconhece a importância do trabalho realizado pela categoria. "Representantes da Associação Maravilha, no bairro Vila União, procuraram a Secretaria Regional IV solicitando a reforma do galpão onde está localizada a sede da Associação.

A Secretaria elaborou um projeto e orçou a reforma em R$ 49 mil, tão logo o recurso seja liberado as obras serão iniciadas", respondeu.

 

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