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Juventude que ocupa espaços públicos em Fortaleza denuncia ações policiais

No Bom Jardim e Jangurussu, festas de reggae reúnem jovens dos bairros. Organizadores denunciam ação desproporcional da Polícia durante eventos
21:04 | Set. 19, 2016
Autor Sara Oliveira
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Sara Oliveira Editora-adjunta do Portal O POVO Online
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Tipo Notícia
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O Cuca Roots acontece às terças-feiras no anfiteatro que fica nas proximidades do Centro de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca) Jangurussu. Jovens do bairro organizam uma festa, das 18h30 às 22 horas, com reggae. Com a alegação de haver tráfico e uso de drogas, a Polícia, de acordo com a organização do evento, já foi ao local, ameaçou, abordou e acabou com um dos dias de festa.
 
“Com um público de mil pessoas, eles não prenderam ninguém. Abordaram os meninos com fuzil e cacetetes. Essa repressão acontece há tempos, mas antes não havia tanta exposição dos próprios policiais. O que estamos vendo é uma repressão ao que é produzido pela juventude”, afirma a articuladora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Lívia Thaís Morais, 21, que promove o Cuca Roots.
 
O evento, de acordo com Lívia, começou a ser realizado em um contexto de brigas territoriais, que limitavam a locomoção das pessoas dentro do Jangurussu e bairros adjacentes. “As brigas eram de esquina para esquina e mesmo assim conseguimos atingir um público de vários lugares. Hoje vem gente de Caucaia, Maracanaú, Icaraí…”, conta. Para Lívia, a justificativa da Polícia sobre as drogas exibe uma fragilidade do próprio Estado: “se o problema é sempre esse, porque não coloca em prática a política de redução de danos?”.
[SAIBAMAIS]
 
Reggae no Bom Jardim
 
No Grande Bom Jardim também tem reggae, gente dançando colado e letras de música que falam de amor e paz. Uma das praças do bairro Santa Cecília é o palco para o encontro de jovens, uma vez por mês. A partir de outubro, o Bonja Roots terá o apoio financeiro do Governo do Estado, através do recém-reinaugurado Centro de Cultura do Bom Jardim. “Criamos o encontro com a perspectiva de trabalhar junto da juventude e mudar o pensamento das pessoas sobre a praça. O reggae pode ser um instrumento muito forte de transformação social”, destaca Wilbert Santos do Nascimento, 18, artista, que trabalha na ONG Pequeno Nazareno.
 
No Bonja Roots, de acordo com Wilbert, também houve abordagem agressiva feita pela Polícia. A festa também acabou. “O interessante é que haviam duas representantes do Ceará Pacífico, que estavam pesquisando sobre como as abordagens policiais são feitas”, lembra. Foi há aproximadamente um mês. Wilbert conta que os policiais chegaram por volta das 21h30 e cercaram a praça, com muitas viaturas. “Eles atiraram, mesmo sem princípio de violência ou tumulto”, frisa.
 
O jovem conta que a repressão a eventos realizados em locais públicos pela juventude é uma realidade ouvida por colegas que moram em outros bairros, como Pirambu, Vila Velha e Mondubim. “A ideia é conhecer jovens que fazem esses eventos em vários bairros para tentar pacificar e diminuir o uso de drogas”, diz.
 
Ocupação contra estigmatização
 
“A ocupação desses espaços, a visibilização por outra ótica, que não a policialesca, é importante para oferecer um contraponto. Vai de encontro às perspectivas que historicamente estigmatizam essa juventude e esses territórios”, avalia o professor da área de psicologia social do departamento de Psicologia da UFC, João Paulo Barros. Ele ressalta a criminalização de alguns territórios de Fortaleza e seus habitantes. “A repressão que está sendo veiculada hoje, em áreas mais nobres, ocorre cotidianamente em outros locais da periferia”, complementa.
 
Sobre a atuação da Polícia contra o uso de drogas e a existência do tráfico, João Paulo pondera que o proibicionismo e a guerra às drogas acontece há décadas e tem sido “instrumento de criminalização da pobreza, muito mais do que uma forma de minimizar o uso problemático da droga”. “Quanto mais militarizada é a lógica da Polícia, mais a cultura da violência é promovida. E essa prática atinge principalmente os públicos tido como ‘anormais’, como pobres, negros, população LGBT e moradores de periferia", analisa.
 
Órgãos de segurança
 
Questionadas sobre a atuação dos agentes de segurança em eventos em locais públicos, a Guarda Municipal de Fortaleza e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) responderam através de notas. As perguntas tratavam ainda sobre a orientação dada aos agentes e a importância em mediar conflitos nestes locais. Seguem notas:
 
“A Policia Militar do Ceará esclarece que sempre que acionada pela população através da CIOPS ou pessoalmente por populares para alguma ocorrência procura agir conforme as leis que amparam o serviço da atividade policial. No atendimento de ocorrência não existe distinção de qualquer natureza, seja pública ou privada. O que norteia a legalidade  da ação da Policia são procedimentos de acordo com a legislação vigente. A polícia militar de acordo com a Constituição tem entre suas missões o policiamento ostensivo/preventivo e quando acionada para alguma ocorrência o policiamento repressivo usando os meios necessários para conter aqueles que estão a margem da lei”. Tenente Coronel da Polícia Militar, Andrade Mendonça
 
“Dentro da capacitação para o ingresso na Guarda Municipal, os servidores recebem formação acerca do uso diferenciado do força de acordo com orientacões da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Esse vai desde a postura correta durante a presença em espaços públicos, passando por técnicas de verbalização e, de acordo com a ação do infrator, são empregados os equipamentos disponíveis pela instituição.Ressalta-se que os guardas municipais também passam por capacitação sobre mediação de conflitos e gerenciamento de crise”. Guarda Municipal de Fortaleza

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