Vozes e lugares do sertão ao litoral: conheça os vencedores do II Prêmio Literário Demócrito Rocha
Após o sucesso da primeira edição, o II Prêmio Literário Demócrito Rocha divulga as obras vencedoras deste ano
A relação do cearense com sua terra e a valorização da cultura popular permeiam os 30 trabalhos selecionados para disputar a premiação, dentre os quais três foram escolhidos em diferentes categorias para serem publicados em formato digital e em audiolivro, garantindo maior alcance e acessibilidade.
De acordo com o curador do Prêmio Demócrito Rocha, o jornalista e escritor Mailson Furtado, as obras celebram o ser cearense e a construção mútua da dualidade entre lugar e indivíduo. “Afinal, as pessoas fomentam a territorialidade ou seria o inverso?”, provoca.
Raízes da Terra, de Rayane Lopes
Contemplada na categoria ensaio social com o livro-reportagem “Raízes da Terra: narrativas de luta e resistência do povo anacé”, a jornalista Rayane Lopes destaca o reconhecimento trazido pela premiação. “É uma grande felicidade ver esse trabalho sendo reconhecido e essas narrativas alcançando um público maior”, comemora.
Rayane nasceu em Juazeiro, na Bahia, e foi criada em Fortaleza. Seu livro surgiu a partir do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e trata da luta do povo indígena anacé pelo reconhecimento de sua identidade e de seu território, localizado no entorno do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), em Caucaia.
Para ela, o jornalismo deve assumir o papel de amplificar as vozes de grupos minoritários, investigando e denunciando os impactos causados pelo desenvolvimento que ignora suas existências. Por isso, “Raízes da Terra” é escrito da perspectiva dos anacés, a partir de visitas e entrevistas que a autora realizou na comunidade. “Foi gratificante ver como eles ficaram felizes ao ver aquela história contada. Muitos deles me disseram que leram tudo em um dia, e isso é muito emocionante para mim como escritora e jornalista”.
Rayane também ressalta a importância de obras que perpetuem a cultura e a memória dos povos originários, pois “a relação deles com a terra é de mutualismo. Eles tiram da terra, mas também dão para ela. Quando a gente lê, entende a importância deles para o meio ambiente, pois são eles que preservam grande parte das nossas matas”, explica.
Peixes indóceis em mar revolto, de Igor Moreira Sousa
O professor de sociologia Igor Moreira de Sousa também se inspirou em lutas e causas sociais para escrever seu livro de contos “Peixes indóceis em mar revolto”, vencedor na categoria prosa de ficção.
Formado em Direito, atuou como advogado antes de se dedicar à docência. Entre as experiências que o formaram política, ética e esteticamente, está uma trajetória marcada pela defesa dos direitos humanos no Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA). Também foi assessor jurídico do Conselho Pastoral de Pescadores e educador do Movimento de Educação de Base.
Igor nasceu em Maranguape e sempre considerou sua vida ligada ao litoral. Morar em cidades como Fortaleza e Camocim e atuar profissionalmente junto a comunidades de pescadores foram alguns dos eventos que o levaram a escrever contos dentro desse universo.
O livro combina vivências relacionadas tanto ao litoral quanto às experiências pessoais e de militância do autor no convívio com estudantes de Guiné-Bissau que vieram estudar em Fortaleza e as tensões resultantes desse contato. “Através do oceano e também das relações concretas que vivenciei, fiz essa mistura de estranhamento, mas também de muita similaridade, entre a gente guineense e a gente cearense, daqui do litoral”.
Entre os contos, há aqueles inspirados em relatos marcantes que o autor ouviu e pessoas que conheceu. Há também obras da imaginação e até mesmo um texto baseado numa experiência vivida pelo próprio autor quando visitou Guiné-Bissau. “O litoral não é só uma paisagem, ele age sobre nós”, conclui.
Sertão em mim, de Fabiana Bezerra
Já para Fabiana Bezerra, o ambiente que move sua escrita é o sertão, que considera “um lugar de inspiração e resistência e que não é só físico”. Nascida no Eusébio, Fabiana tem mais de 60 livros publicados, é graduada em Letras e pós-graduada em Culturas Populares e Tradicionais.
O livro “Sertão em Mim”, vencedor na categoria poesia, marca seu retorno à poesia adulta após anos de sua carreira dedicados à literatura infantil. Foi em 2007, após uma passagem da Companhia de Teatro Oficina Uzyna Uzona em Quixeramobim apresentando o espetáculo “Os Sertões”, que veio a inspiração inicial para os poemas.
A partir de um jogo de palavras e significados, a autora cria um lugar metafórico para refletir esse território muitas vezes excluído. O poema inicial sintetiza essa ideia: “SERTÃO em mim/ SER TÃO em mim/ SER”. Por entender o espaço físico como parte das vivências, Fabiana permite que o sertão atravesse esse “ser” de diferentes formas ao longo dos livro.
O papel de sua poesia e seu olhar sobre o sertão reverbera para além dos versos: “É importante que nós que escrevemos promovamos espaço para pessoas silenciadas, como o sertanejo, os negros, os indígenas”. Nessa perspectiva, Fabiana também parabeniza os outros premiados por trazerem para a literatura, cada um à sua maneira, um olhar sobre estes lugares e realidades.
“Ganhar um prêmio incentiva, a gente sente que está no caminho certo e que o trabalho que fazemos é bem recebido”, celebra.
Confira a live com os três vencedores da premiação
Acesse o site do Prêmio Literário e saiba mais: fdr.otg.br/premioliterario