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Ivanildo Nunes: com a equipe em um aquário e técnica em extinção, estilista assina vestido produzido em tempo real (e recorde)

Lançando mão do richelieu e da delicada renda de bilro, técnica tradicional e em extinção no Estado, vestimenta sobe à passarela do Ceará Está na Moda na noite desta quinta-feira

A pressa parece sempre rondar o universo dos desfiles de moda. Acostumado à pressão, Ivanildo Nunes, estilista cearense de destaque internacional, ousou provar que um bom desafio não se recusa e que perfeição é apenas detalhe em meio a toda a complexidade exigida para confeccionar um vestido.

E de detalhe ele entende. Conhecido pela delicadeza de suas peças, tecidas pelas mãos de costureiras de comunidades do interior do Ceará, o estilista coordenou a confecção da peça em tempo recorde, durante os três dias do Ceará Está na Moda (CEM), evento iniciado na última terça e com encerramento nesta quinta-feira, 25.

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O desafio foi lançado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio no Ceará (Senac Ceará) com o objetivo de conectar indústria e artesanato cearenses. Nasceu então o laboratório Fashion Lab Senac, ambiente que possibilitou ao público acompanhar a confecção do vestido em tempo real até ser finalizado e seguir para a passarela.

“É realmente uma experiência, um desafio, e o objetivo real de tudo isso é mostrar que existe a possibilidade de se conectar tanto a parte do artesanato, a parte da produção de vestuário, com a impressão de moda, com a impressão de design, e mostrar os processos também”, explica Ivanildo Nunes.

“Claro que todas as peças não foram feitas aqui dentro, mas algumas peças a gente trouxe para finalizar aqui, para que a gente consiga mostrar como são feitos os processos. Porque às vezes você olha o vestido e não sabe. O que que tem naquele vestido? Se é artesanato, se é tecido industrial, se não é. E nossos vestidos são 100% artesanais”, afirma o idealizador da peça.

“A gente imprime nesses vestidos um design muito contemporâneo, mas com a técnica extremamente tradicional, que é o richelieu e a renda de bilro. E é uma oportunidade que o público tem de ter contato com essa experiência, ter contato com essa tradição, que muitas vezes está muito distante do centro urbano.”

A pressa é justificada. No primeiro dia, a equipe fez a parte de desenho e modelagem e iniciou a produção de recortes do richelieu e da renda de bilro. No segundo dia, o desenho foi levado para a modelagem no manequim e algumas peças foram montadas.

Neste dia, alunos dos desfiles de Moda do Senac Cariri contribuíram na parte do bordado de pedraria. O expediente findou com a parte de cima do vestido montada. No terceiro dia, o Fashion Lab Senac se dedicou à parte debaixo da peça, finalizada na máquina, e depois recebeu dedicação manual no acabamento.

Costureiras num aquário

Foram necessárias 14 pessoas trabalhando durante três dias, com carga horária diária variando entre 14 a 20 horas, para a confecção do vestido. Um "aquário". “Isso só para poder montar e fazer pequenas partes. O normal são três meses de trabalho para uma única peça”, explica o estilista.

Fátima Moreira, 61, é uma das 14 pessoas da equipe de Ivanildo responsável pela confecção da peça. São 50 anos dedicados ao bordado, dos quais os últimos 13 foram ao lado do estilista, que considera “como se fosse um pai para todo mundo!”.


Nascida em Amanari, distrito do município de Maranguape, o bordado surgiu em sua vida por necessidade. "No interior, a gente tem que se virar mesmo", diz a mulher que começou a bordar ainda menina, aos 10 anos. "A necessidade era grande", enfatiza Fátima.

"Na época, muita gente fazia colchas de cama. Eu comecei a olhar os outros fazendo, fui aprendendo e deu certo", lembra. A técnica foi sendo aprimorada na prática, durante os anos em que passou por tantas empresas que não consegue contar com precisão.

Tímida, Fátima prefere o cantinho da sua mesa, em casa, de onde costuma trabalhar para o estilista, e não em meio a tanta exposição. "Mas como está todo mundo junto aqui (equipe de costureiras), estou me sentindo bem, é o que importa".

O resgate de uma cultura

A renda de bilro, uma técnica muito comum no Ceará, está se perdendo com o passar dos anos. É extremamente trabalhosa e desvalorizada, gerando desinteresse entre os mais jovens, a quem a tradição costumava ser transgeracionalmente transmitida.

"Isso aqui, por ser um trabalho que não é fácil, é desvalorizado. Ele (Ivanildo) dá valor a gente, a pessoa que a gente é. Mas em outro canto, tudo é desvalorizado”, explica a bordadeira Fátima Moura. “Isso aqui é um trabalho cansativo, são oito horas numa máquina".

A escolha das técnicas de richelieu e renda de bilro para a peça integra um movimento para o resgate da tradição manual no Estado. “E eu quero mostrar todo o potencial dessa renda para que a gente consiga incentivar a juventude a voltar a fazer essa renda, mas não com o valor que ele é procurado hoje, mas com o valor realmente agregado”, explica Ivanildo Nunes.

“Eles não vão precisar fazer outra coisa a não ser a renda de bilro. Muitas vezes você passa um mês para fazer uma blusa e depois ela é vendida por 80 reais. Quem consegue fazer isso?”, provoca o estilista.

 

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