Entre duas barreiras: mulheres que movem o paradesporto no Ceará
Como paratletas cearenses romperam o preconceito e falta de estrutura para se tornarem referência para as novas gerações
Se para uma mulher já é difícil encontrar espaço e reconhecimento no esporte, imagine para aquelas que participam do paradesporto. A dupla barreira do gênero e da deficiência torna o caminho ainda mais desafiador. É nesse contexto que histórias como a da jovem Laura Nauderer se destacam. Nascida com uma lesão na medula óssea, Laura começou a nadar aos cinco anos como forma de fortalecer o corpo, mas foi ao conhecer o basquete adaptado que encontrou sua verdadeira paixão.
“Eu estava fazendo acompanhamento médico na Rede Sarah quando um professor me convidou para conhecer o basquete. A partir daí, a vida mudou”, conta a atleta de 21 anos que acabou de chegar de um período de treinamento em Niterói, no Rio de Janeiro.
Laura é atleta de base na categoria sub-23 da Seleção Brasileira e no final de outubro vai defender o Brasil no Parapan-Americano de Jovens, que será realizado no Chile. Viagem que pode transformar a jovem em bicampeã internacional pelo basquete 3x3. “Entrei na seleção da sub-23 e no ano passado fomos para Bogotá e conquistamos o primeiro lugar no basquete 3x3 no Parapan de Jovens. Agora, finalizamos essa etapa de treinamento no Rio e no final do mês a gente já entra em concentração para o Para Pan”, diz.
No Ceará, Laura recebe todo apoio da família para se locomover até os treinos. É a mãe que se desdobra para não faltar incentivo à atleta que já encontra muitos desafios para se manter firme na carreira. “A minha limitação não é o obstáculo para que eu realize meus sonhos”, reflete sobre as significativas diferenças entre as condições do paradesporto no Brasil.
O Ceará tem se destacado no desenvolvimento do paradesporto com políticas públicas voltadas à formação e ao incentivo de novos atletas. Em parceria com a Universidade Federal do Ceará, o Governo do Estado mantém o Centro de Referência Paralímpico Brasileiro de Fortaleza, que hoje atende 285 pessoas com deficiência física, intelectual e visual a partir dos seis anos de idade.
O espaço oferece 11 modalidades esportivas, entre elas atletismo, natação, bocha, goalball, judô, tiro com arco, badminton, basquete em cadeira de rodas e vôlei sentado. Além de participar de competições nacionais e regionais, o Centro realiza formações e cursos que contribuem para o aperfeiçoamento dos professores de educação física no estado.
“Nossas ações abrangem desde o esporte de rendimento, com todo o apoio necessário para que nossos atletas alcancem o alto desempenho em competições, até o desporto comunitário e o lazer. Nosso objetivo é garantir que o esporte seja uma ferramenta de transformação e qualidade de vida para todos os cearenses”, afirma Rogério Pinheiro, secretário do esporte do Ceará.
Essas políticas se somam ao trabalho de entidades como a Associação D’Eficiência Superando Limites (Adesul), fundada há dez anos por paratletas e seus familiares. A organização se tornou referência no desenvolvimento do paradesporto feminino, oferecendo estrutura e acompanhamento completo para a prática de diferentes modalidades.
Com equipes de basquete em cadeira de rodas, handebol em cadeira de rodas e futebol para amputadas, a entidade cearense forma atletas que integram seleções nacionais e conquistam títulos em competições internacionais. “As mulheres têm contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento do paradesporto, inclusive na gestão da Adesul temos mulheres liderando áreas administrativas e técnicas, criando um ambiente inclusivo e inspirador”, destaca Aurilene Falcão, 1ª Secretária da Associação.
Entre as atletas que refletem esse protagonismo está Laís Lima, de 32 anos, que sempre praticou esportes. Formada em educação física, Laís sofreu um acidente de moto em 2013 que a deixou com sequelas definitivas no pé esquerdo e, desde então, encontrou no esporte adaptado uma forma de reconstrução e superação.
Mas diferente de muitas paratletas, Laís não usa cadeira de rodas no dia a dia. E por isso enfrenta um tipo peculiar de preconceito: aquele que tenta invalidar a sua deficiência. “Eu brinco que eu sofro o preconceito por ter uma deficiência mínima e chegar ao nível das pessoas dizerem que eu não tenho deficiência, por eu ter “só” o meu pé deformado”, diz.
Atleta da ADESUL, Laís hoje representa a equipe de Handebol em Cadeira de Rodas, com a qual se tornou bicampeã brasileira este ano, levando ainda os títulos individuais de melhor goleira, melhor atleta da classe 4 e MVP da competição.
“Quando você entra no mundo do paradesporto, entende que vai muito além da reabilitação, da parte social. O esporte paralímpico é alto rendimento, assim como no esporte olímpico, a gente treina todo dia, tem acompanhamento interdisciplinar, e tudo mais”, reflete Laís que provoca.
“Como uma criança com deficiência vai ter referência se sequer consegue assistir às competições no canal aberto, em quem ela vai se inspirar? Não existe nem escolinha adaptada no campinho do bairro como tem do convencional. Você tem associações como a ADESUL que proporciona estrutura, material, professores capacitados,” reflete.
A falta de representatividade e os estereótipos que retratam os atletas como “guerreiros” ou “heróis” e não como atletas de alto rendimento também reduzem o acesso a apoios e recursos, mas para Laís ainda há um longo caminho para o reconhecimento merecido de quem está envolvido com o paradesporto no país.
“A gente tá formando pessoas porque geralmente a gente vê na rua e chama a pessoa para praticar alguma coisa. Mas apesar da visibilidade ter aumentado e os patrocínios também ,ainda falta muito pra chegar onde merecemos. Não porque somos exemplo de superação e mas pelos resultados que apresentamos no paralímpico”.
Inclusão nas ondas
O trabalho de inclusão da Secretaria de Esportes do Ceará também se estende ao mar. Projetos apoiados pela lei de incentivo ao esporte, como o TEAmar e o Mar21, utilizam o stand up paddle e o caiaque como instrumentos de inclusão e socialização. Ambos acontecem na Beira Mar de Fortaleza e têm como objetivo ampliar o acesso de pessoas com deficiência à prática esportiva.
O Mar21, voltado para pessoas com síndrome de Down (T21), e o TEAmar, destinado a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), beneficiam cerca de 40 participantes por semestre, totalizando 80 por edição. As atividades reúnem pessoas entre 7 e 43 anos e favorecem o desenvolvimento físico, emocional e social, fortalecendo vínculos familiares e promovendo a ocupação dos espaços públicos da cidade por pessoas com deficiência.
Serviço
Associação D’Eficiência Superando Limites (ADESUL);
Endereço: R. 17, 251 - Novo Maracanaú, Maracanaú - CE;
Instagram: @adesuloficial.
Esporte Delas
O Esporte Delas 2025 é um convite para fortalecer essa rede de apoio e inspiração. Participe, compartilhe, incentive. Cada gesto conta na luta por um esporte inclusivo, plural e transformador. Porque quando uma menina permanece no esporte, toda sociedade avança. Acesse fdr.org.br/esportedelas e saiba mais!