Performance e saúde: mitos e verdades sobre o sexo feminino no esporte
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Performance e saúde: mitos e verdades sobre o sexo feminino no esporte

Desempenho esportivo feminino precisa deixar de ser comparado ao masculino e entendido em sua própria lógica, afirma especialista
Atualizado às Autor Estudio O POVO Tipo Publieditorial

O corpo de pessoas do sexo feminino sempre dançou entre força e delicadeza. Foi medido, julgado, contido. E, ainda assim, continuou em movimento. Por muito tempo, disseram que ele era instável, imprevisível e difícil de entender. A menstruação virou sinônimo de fraqueza, a gravidez foi tratada como pausa e o ciclo hormonal, como obstáculo.

Hoje, a Ciência avança para desmistificar essas crenças e entender o corpo de pessoas do sexo feminino O Povo em toda a sua complexidade. Uma delas é sobre a performance em si, cujo desempenho era frequentemente medido por parâmetros masculinos.

A personal trainer e pesquisadora Ariane Brito, mestranda em Ciências Morfofuncionais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), lembra que a maior parte das diretrizes de treino ainda é baseada em estudos com pessoas do sexo masculino, o que cria lacunas de conhecimento. “O verdadeiro desafio ainda está na falta de protocolos específicos voltados ao corpo feminino”, afirma.

Entre os assuntos mais mistificados está a menstruação. Ariane explica que o ciclo menstrual é dividido em duas fases: a folicular, marcada pela presença do estrogênio, e a lútea, na qual há aumento da progesterona. Essas variações hormonais, segundo ela, afetam o metabolismo, a retenção de líquidos e a percepção de esforço, mas de forma leve e altamente individual.

Ariane Brito, personal trainer e mestranda em Ciências Morfofuncionais (UFC)
Ariane Brito, personal trainer e mestranda em Ciências Morfofuncionais (UFC) Crédito: Divulgação

“Não há uma fase do ciclo em que todas as mulheres rendam melhor ou pior. Algumas atletas relatam pior desempenho na menstruação devido a cólicas, fadiga ou queda de ferro, mas outras mantêm ou até melhoram o rendimento”, pontua Ariane. “O corpo da mulher não é instável. Ele é dinâmico. E quando a atleta aprende a respeitar esse ritmo, a performance se torna mais consistente”, garante.

Para desmistificar ideias cristalizadas sobre a performance do sexo feminino no esporte, a pesquisadora defende que é urgente incluir mais mulheres em pesquisas e cargos técnicos e criar protocolos baseados em dados femininos, não apenas adaptados dos masculinos. “A igualdade de performance começa na produção de conhecimento”, resume. “Precisamos de financiamento e visibilidade para a ciência do esporte feminino, ainda subfinanciada globalmente”, reinvindica.

 

Lesões e corpo em adaptação

As diferenças anatômicas e hormonais também explicam por que algumas lesões são mais frequentes em mulheres. A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA), por exemplo, é até oito vezes mais comum nelas, influenciada pelo alinhamento entre quadril e joelho e pela ação do estrogênio na flexibilidade ligamentar.

Outras condições, como síndrome patelofemoral, fraturas por estresse e tendinites, estão relacionadas a fatores como desequilíbrio muscular, sobrecarga e padrões de movimento repetitivos.

“O corpo da mulher não se lesiona mais por ser mais ‘fraco’, mas porque o esporte ainda não foi plenamente desenhado para ele”, reforça Ariane. Mas com treinos bem estruturados, fortalecimento muscular e descanso adequado, o corpo feminino mostra sua maior característica: a capacidade de adaptação.

 

Quando o corpo vira aliado

A triatleta Izabelle Jereissati, 29, encontrou no esporte um processo de autoconhecimento. Incentivada pela mãe, Ana Paula Jereissati, também triatleta, ela viu no triatlo uma forma de tratamento para a compulsão alimentar e um caminho para reconstruir a relação com o próprio corpo.

Antes de chegar ao triatlo, Izabelle se dedicava apenas à corrida, e as primeiras lesões não demoraram a aparecer: tendinite da pata de ganso, fratura por estresse e encurtamento do psoas. Hoje, ela reconhece que o amadurecimento esportivo veio justamente da dor.

“Aprendi muito a me observar e a me escutar. Passei a me atentar a detalhes que antes passavam desapercebidos, como: descanso também é treino; e alongamento, mobilidade, flexibilidade e treinos de força são peças essenciais se eu desejo ter longevidade, não só no esporte como na minha vida”, relata.

Mãe e filha, Izabelle (frente) e Ana Paula Jereissati são triatletas.
Mãe e filha, Izabelle (frente) e Ana Paula Jereissati são triatletas. Crédito: Divulgação

A atleta também fala sobre a pressão estética e os mitos que cercam o corpo de pessoas do sexo feminino nas provas de resistência. “Lutei contra isso durante um bom tempo até entender que podemos sim melhorar fisicamente, e eu amo me cuidar, mas não podemos alterar nossa estrutura corporal original”, diz, lembrando que acreditava ser preciso ter “pernas finas e um corpo super ‘slim’ para correr rápido”.

Hoje, ela treina respeitando o próprio ciclo menstrual e as oscilações naturais do corpo. “Existem dias onde tudo vai encaixar e eu vou bater os meus recordes. Mas também sei que vão existir dias que um simples treino ou prova não vai encaixar, e tá tudo bem! Isso é respeito ao meu corpo e à minha fase do ciclo.”

 

Força e estratégia

 

 A professora de Educação Física Karoline Holanda começou a praticar CrossFit para se recuperar de uma lesão no joelho e faz dos treinos estratégia para lidar com endometriose.
A professora de Educação Física Karoline Holanda começou a praticar CrossFit para se recuperar de uma lesão no joelho e faz dos treinos estratégia para lidar com endometriose. Crédito: Divulgação

Enquanto Izabelle descobriu no triatlo um caminho de equilíbrio, Karoline Holanda, 29, professora de Educação Física e praticante de CrossFit, transformou o treino em ferramenta de reconstrução física e emocional. Depois de sofrer uma lesão no joelho, ela passou a usar a modalidade como reabilitação.

“Por incrível que pareça, eu entrei no CrossFit para curar uma lesão”, conta. “Eu treino três a quatro vezes por semana e faço complemento intercalado: posterior, glúteo, quadríceps, justamente para fortalecer o joelho. Caso eu esteja sentindo algo, ou não faço o exercício que estava me causando dor, ou uso a joelheira para ajudar na estabilização”, descreve a também consultora em musculação.

A experiência trouxe também maturidade para equilibrar intensidade e pausa. “É interessante que todo mundo conheça os seus limites. O descanso também é mais necessário do que um treino para você ‘resetar’ e treinar melhor no outro dia”, recomenda.

Diagnosticada com endometriose, Karoline lida diariamente com as oscilações hormonais. “Pré-menstruação você se sente cansada, inchada, tudo vira motivo para faltar. Durante a menstruação, sente mais cansaço, falta de ar e desconforto. É complicado, mas vale a pena, porque o exercício melhora os sintomas. E no pós-menstruação, parece que você está no auge da sua força”, compartilha.

O benefício do treino chega também como forma de equilíbrio mental. “Por muito tempo o exercício físico foi uma forma de tratamento para mim, e ainda é uma forma de prevenção. Quanto melhor você treina, melhor você fica bem psicologicamente, melhor com seu corpo”, recomenda.

 

Caderno

Para entender melhor as transformações e os desafios das mulheres dentro dos esportes, o O POVO produziu um caderno especial reunindo reportagens sobre corpo, saúde e performance feminina. O material traz informações, dados e histórias que ampliam o debate sobre igualdade e reconhecimento no campo esportivo. Clique aqui para baixar o PDF.

 

Sobre o Esporte Delas

O projeto Esporte Delas 2025 promove o direito de meninas e mulheres à prática esportiva com dignidade, respeito e oportunidades iguais. No contexto da iniciativa, o esporte é entendido como atividade física, mas também como espaço de empoderamento, inclusão e cidadania.

O objetivo é sensibilizar educadores, gestores, comunidades e a sociedade para criar ambientes seguros e acolhedores que garantam a permanência feminina no esporte. O Esporte Delas 2025 é uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR) com a Universidade Aberta do Nordeste (Uane). Patrocinado pela Enel Brasil, o projeto tem apoio da Lei de Incentivo ao Esporte estadual e da Secretaria do Esporte do Ceará.

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