Empreender

Destino Ceará: empreendendo no setor de turismo

De uma casinha sem porta nem tranca a uma pousada cheia de charme

O ano era 2014, quando Carolina Sbrana Sciotti, 37, veio ao Ceará a passeio. O destino era Redonda, uma das 16 praias que compõem Icapuí, última cidade do litoral cearense antes da divisa com o Rio Grande do Norte. “Me apaixonei perdidamente”, conta a paulistana que resolveu, literalmente, morar no lugar onde veio passar só umas férias.

Formada em rádio e TV, trabalhou 15 anos como produtora audiovisual em São Paulo. A vinda ao Ceará foi a passeio, mas já veio com uma ideia na cabeça: mudar de vida. Durante as férias mesmo saiu em busca de uma casinha que seu dinheiro pudesse comprar. E comprou: sem reboco, água encanada e localizada em um terreno complexo.

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Mesmo assim, fechou o negócio no mês de setembro e em dezembro já estava de volta ao Ceará, desta vez com mala e cuia, como a gente costuma dizer por aqui. “Eu fui pra Redonda apaixonada pelo lugar. Eu tinha como perspectiva ter uma pousada por que eu achava interessante, mas desconhecia o setor. Demorou muito mais do que eu imaginava o processo entre a aquisição da casa e o dia em que eu pude dizer: é uma pousada”. Foram, pelo menos, 5 anos de trabalho diário para transformar aquela casinha, sem porta nem tranca, na Vila Manzuá, hoje composta por 3 suítes e 3 charmosas casinhas de arquitetura simples, ambiente aconchegante e uma vista de tirar o fôlego.

Quem já foi a Icapuí sabe do que Carolina fala. São 64km de litoral com praias formadas por inúmeros paredões de falésias, dunas, mangues, piscinas naturais e centenas de coqueirais, com o adicional da hospitalidade local. Por lá, sentar numa barraca de praia significa entrar em contato com toda uma comunidade, já que a maioria dos barraqueiros são nativos. E não só: o peixe e a lagosta fresquinhos chegam diretamente das mãos dos pescadores, que empreendem também como guias dos mares, levando turistas para passeios nas piscinas naturais de águas cristalinas.

Carolina lembra, porém, que por lá o turismo vai para muito além das belezas naturais, o próprio contexto histórico do lugar já vale o passeio. “Quando a gente chegou em 2014, o cenário era diferente do que é agora. É uma vila de pescadores ainda, mas ela era uma vila que ficou muito tempo fechada. Icapuí é uma cidade com uma história muito grande de luta, teve Reforma Agrária nos anos 80, isso é uma coisa muito marcante no dia a dia da comunidade. Eles tem uma luta forte pela pesca artesanal, é uma característica muito maravilhosa”.

 

Carolina, a paulistana que veio a passeio, se apaixonou por Icapuí e apostou no segmento do turismo para empreender
Carolina, a paulistana que veio a passeio, se apaixonou por Icapuí e apostou no segmento do turismo para empreender (Foto: Acervo Pessoal)

A paixão por Redonda, claro, envolvia toda a comunidade. Por isso, em paralelo à construção da pousada, Carolina começou a trabalhar com a cajucultura, atividade forte na região e que deu base ao sonho de empreender com sua pousada. “O que mais me entusiasma a empreender no segmento é carregar fortemente uma bandeira de um formato diferente de turismo do que a gente vê em outros lugares do Brasil, do chamado turismo predatório. É mostrar que existem outros formatos possíveis”. E esse conceito norteia todo o processo de seu empreendimento, tanto que resolveu criar o FUMECRE (Fundo de Melhorias pra comunidade da Redonda), para o qual destina 10% do valor bruto de todas as hospedagens. A ideia é que a cada seis meses se reúna ao conselho de moradores ativos da comunidade para direcionar o dinheiro para alguma iniciativa ou ação de melhoria para a região: “a minha bandeira é de preservação do que existe lá”, enfatiza.

 

Já se passaram 7 anos desde que Carolina decidiu empreender na Redonda. No início os desafios foram inúmeros, desde a falta de incentivo para quem decide apostar no setor à dificuldade de chegar até o local: “Redonda tinha uma estrada muito esburacada, que em muitos momentos eu pensava – será que fiz uma escolha certa de vir pra cá? - por que não tinha muito como se locomover. Ficava um lugar lindo, mas descuidado. De repente, nos últimos 4 anos, houve uma mudança real com o recapeamento das estradas. E começou a se falar mais sobre turismo, a comunidade era mais fechada a isso, agora tá mais aberta”, revela.

Pandemia:
As atividades turísticas foram fortemente impactadas pela pandemia e já somam um prejuízo de R$312,6 bilhões desde março de 2020. De acordo com cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor chegou a março de 2021 com aproximadamente 45% da sua capacidade mensal de geração de receitas. Para os pequenos empreendedores como Carolina, essa realidade foi ainda mais impactante: sua pousada ficou fechada 5 meses, em 2020, e quase 3, em 2021. “Não tivemos nenhum tipo de incentivo. Conseguimos manter nossos funcionários a duríssimas penas. Foi uma martelada na cabeça, se a gente não fosse dono do terreno e precisasse pagar aluguel, teríamos fechado as portas”, conta.

Mãe de duas crianças, o isolamento social, o fechamento temporário da pousada e todos os problemas impostos pela pandemia, caiu com bastante peso sobre Carolina, que cuidava de tudo sozinha e chegou a entrar em depressão. “Tive que me dedicar totalmente a vida materna e isso mexeu muito comigo. Então eu perdi essa batalha o ano passado”, revela. Foi por meio das redes sociais, que a empreendedora percebeu que poderia, aos poucos, ir retornando com suas atividades. “Comecei a estimular parcerias com pessoas que tivessem conteúdo com alinhamento conceitual com o que eu acredito. Isso me trouxe vontade de voltar a trabalhar as redes, voltar a falar sobre esse lugar, a trazer essa possibilidade de turismo de volta. Me deu uma recuperada na energia”.


Sistematização, prospecção e um novo perfil de cliente
Para facilitar o retorno, Carolina sistematizou processos e criou promoções - baixando o preço das diárias durante a semana - para comportar o novo público do home-office, clientes cada vez mais assíduos em espaços como o da empreendedora: com wi-fi disponível e uma vista bonita como moldura para o ambiente de trabalho. Além daqueles clientes que tem buscado nas viagens um momento para recuperar a sanidade mental, focando em destinos próximos de suas residências. E esse hábito, aliás, pode não ser temporário. Um levantamento da Booking.com mostrou que 55% das pessoas pretendem conhecer um novo destino na região em que moram.

Carolina hoje vê uma crescente no movimento
Carolina hoje vê uma crescente no movimento (Foto: Acervo pessoal)

O tédio do isolamento social parece ter criado uma demanda reprimida por viagens, e ela começou a estourar. “Eu acho que existe um nicho que está crescendo, significativamente, que busca esse turismo, um turismo mais roots, mais isolado, em lugares menos conhecidos”. Para ela, a obrigação de ficar fechado em casa, a saturação dos grandes centros urbanos tem trazido esse conceito de viagem como auto-cuidado, “até como preservação da saúde mental”.

De abril para maio, o faturamento da pousada aumentou em 9%, alinhado com a perspectiva de vacina. “Aí começou a girar o motor para a recuperação da pousada, mas acho que as redes sociais, principalmente o Instagram, foram cruciais para dizer: ainda existimos”.

“Nós começamos como uma casinha que não tinha nada, já podemos dizer que é uma pousada, temos CNPJ, temos funcionários que fazem tudo girar, e temos uma ocupação que aumentou bastante nos últimos dois meses”, comemora. Para o futuro, a empreendedora pretende ir seguindo pelo caminho que escolheu trilhar: o empreendedorismo. “Sendo dona de negócio, depois desse tombo horroroso que eu levei no ano passado, o que eu quero é cada vez mais estar alinhada ao que eu acredito, se isso vai me dar pouco ou muito dinheiro eu não sei, mas eu vou fazer com toda a minha energia”

 

 

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