A música e esse tal de direito autoral
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A música e esse tal de direito autoral

Direitos autorais na música ainda são um mistério para a maioria dos artistas. Do amador ao profissional, do iniciante aos mais experientes, a falta de informação dificulta perceber a ligação entre fonogramas, contratos e plataformas digitais com a música que cada um faz no cotidiano
Atualizado às Autor Estudio O POVO Tipo Publieditorial

 

Ao mesmo tempo em que a música brasileira vive um momento de intensa produção, grande parte dos artistas ainda se sente perdida quando o assunto é direito autoral. Termos como “associação de compositores”, “registro de obra”, “fonograma” e “sincronização” são cotidianos no mercado, mas ainda soam estranhos e distantes para muitos daqueles que estão nos palcos e estúdios compondo, tocando e gravando.

Os advogados Gaudênio Santiago e Ricardo Bacelar vivenciam as duas pontas dessa cadeia, com carreiras tanto no Direito quanto na música. É a partir de suas experiências pessoais e análises profissionais que eles apontam caminhos que um artista pode seguir para garantir seus direitos, proteger suas obras e estruturar sua carreira.

Patrimônio, renda e proteção

Advogado, músico profissional e compositor, Gaudênio Santiago une prática artística e experiência jurídica em sua atuação. “Com essa vivência dupla, acabei atuando tanto na defesa de artistas e produtores quanto assessorando empresas que recebem cobranças do Ecad e precisam de orientação técnica”, exemplifica. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é a entidade brasileira responsável pelo trâmite dos direitos das músicas junto aos autores e demais titulares.

Gaudênio ressalta que “a música nasce do impulso criativo, não da burocracia”. Portanto, sem uma orientação jurídica básica, a tendência é que o artista permaneça sem conseguir acompanhar o fragmentado ecossistema formado por editoras, distribuidoras, Ecad, agregadoras, plataformas digitais e as regras próprias de cada uma dessas entidades. “O músico aprende a tocar, compor, produzir… mas ninguém explica como ele transforma isso em patrimônio, renda e proteção”, observa.

Dentre as iniciativas que buscam reduzir essa lacuna, Gaudênio destaca programas de formação, editais e atividades promovidas pela Secretaria de Cultura nos equipamentos culturais do Estado, além de cursos, cartilhas e workshops realizados tanto pelas associações de gestão coletiva quanto pela iniciativa privada, inclusive voltados para novos artistas.

Ele reforça que “o artista que deseja se profissionalizar precisa acompanhar esses movimentos, porque muita informação atualizada passa justamente por esses canais oficiais". Porém, como esse conteúdo não chega de forma clara para todos, cabe aos advogados especializados e produtores culturais traduzir a linguagem jurídica para o cotidiano dos músicos.

Para ele, três pontos são essenciais para que um artista se estruture após entender que sua música é um bem com potencial de gerar receita:

  • Registro da obra: garante proteção e autoria;
  • Contratos: definem responsabilidades, divisões e evitam conflitos;
  • Gestão dos direitos: garante recebimento no digital, no streaming, nos shows, sincronizações e execuções públicas.

Mudança de paradigma

Vice-presidente da Comissão Nacional de Cultura da OAB, o advogado, músico e compositor Ricardo Bacelar acompanha a falta de informação dos artistas brasileiros em relação a seus próprios direitos. Para ele, trata-se de uma questão cultural que reflete falta de oportunidade e de informação.

“Todo mundo deveria saber como cuidar do seu repertório. É importante que o músico busque conhecimento, mesmo que básico. A maioria não é cadastrada nas associações de gestão coletiva e muitos nem recebem seu dinheiro porque não assinam contratos. Tratam isso com muita informalidade”, lamenta.

As associações de gestão coletiva são órgãos que atuam no cadastro e no relacionamento com os artistas, definindo normas de arrecadação e de distribuição dos direitos autorais junto ao Ecad. São sete as organizações: Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC.

Cada uma representa os compositores, artistas e demais titulares filiados a elas. Ao se filiar e manter atualizados os cadastros de obras musicais (composições) e fonogramas (gravações dessas composições), o titular passa a receber seus direitos autorais de execução pública.

Bacelar percebe, no Ceará, uma forte tradição no âmbito dos direitos culturais, com iniciativas acadêmicas, congressos e juristas reconhecidos na área, como Humberto Cunha, com quem chegou a fundar uma comissão de direitos culturais na OAB Ceará há cerca de 25 anos.

Dentre suas experiências no direito cultural, Bacelar já trabalhou como consultor na Secretaria de Cultura, escrevendo projetos de lei nessa área. Ele explica que, na formulação de políticas públicas, “os fatos vêm antes das normas”. Ou seja, diante de uma tensão social, o Poder Legislativo vota um projeto de lei para torná-lo uma norma jurídica capaz de dissipar essa tensão.

Um ponto de tensão que ele considera de grande relevância hoje é a inteligência artificial. “Ela vem atropelando todos os princípios e normas de direito autoral, pois se apropria de bancos de dados para produzir músicas, letras, as vozes das pessoas. Então estamos vivendo um período de mudança de paradigma”, diz, traçando um paralelo com outros momentos da história: “Vivemos uma nova revolução industrial, com as big techs assumindo o controle dos meios de criação”, pontua.

Arte e conhecimento

Enquanto o debate jurídico se atualiza, o Bacelar recomenda algumas medidas aos artistas, como:

  • Não divulgar músicas inéditas publicamente;
  • Registrar todas as obras;
  • Manter o cadastro atualizado nas associações;
  • Consultar profissionais especializados sempre que necessário.

“É importante você ter toda a documentação em dia, o controle das suas obras, das suas gravações. Um conselho que eu daria para os músicos que ainda não têm experiência com isso é ir aprendendo aos poucos, participando de fóruns, entrando em grupos de discussão, pesquisando na internet em canais confiáveis”, explica.

Num contexto em que mudanças ocorrem mais rapidamente do que a legislação consegue acompanhar, buscar informação confiável e de forma contínua torna-se mais uma parte fundamental de uma carreira sustentável. Como conclui Gaudênio, “quando o artista cria essa base, ele passa a ter previsibilidade, segurança e liberdade para fazer o que realmente importa: criar”.


Sobre o projeto

O “Cultura em Movimento: Ceará que cria, celebra e contagia” é um projeto do Grupo de Comunicação O POVO com apoio do Governo do Ceará. A proposta é fortalecer o ecossistema cultural e estimular sentimento de pertença do povo cearense. Nesta edição, o projeto passeou, de forma multifacetada, por produções culturais em quatro linguagens artísticas, a saber: audiovisual, arte popular, artes plásticas e música.

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