Mateus Fazeno Rock expande o rock de favela em "Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem"
Em novo álbum, Mateus Fazeno Rock reforça sua identidade ao mesmo tempo em que amplia ainda mais o universo de temáticas e influências musicais presentes em seu trabalho.
Cria da Sapiranga, Mateus Fazeno Rock lançou em agosto “Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem”, pela gravadora Deck. O terceiro álbum do artista é sucessor de “Rolê nas Ruínas” (2020) e Jesus Ñ Voltará (2023), consolidando a estética do rock de favela ao mesmo tempo em que dialoga com outras vertentes, como o soul, o reggae e o funk brasileiro.
Em show de lançamento no dia 23 de agosto, no Anfiteatro do Dragão do mar, o álbum foi tocado na íntegra, junto com músicas dos álbuns anteriores, como “Melô do Djavan”, “Pode Ser Easy”, “Legal Legal” e “Da Noite”, cantada a capela com o público. Destaque também para as performances ao vivo de faixas como “Rec.ordações”, a faixa-título “Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem” e “Arte Mata”, com o baile ostentando o estandarte do clipe no palco e a conversa visceral entre as guitarras de Mateus e Fernando Catatau (Cidadão Instigado) soando sozinhas ao final da música. Catatau também assina a produção do trabalho, junto do próprio Mateus e de Rafael Ramos (Pitty, Titãs, NX Zero), da Deck.
Um olhar para além da dor
Se os dois primeiros trabalhos traziam contextos de luta, “Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem” desloca essa perspectiva. Este novo trabalho narra o cotidiano das periferias sob uma ótica longe do estigma da dor, do sofrimento e da violência, mesmo em meio às limitações impostas pela vida.
“O álbum fala de descanso, encontros, amor, festividade, almoço em família. Esses prazeres e felicidades que, na verdade, são constantemente roubados de nós e que a gente luta pra nutrir, pra ter”, explica Mateus.
Processo espontâneo
O processo de composição de Mateus nasce da rua, do movimento e do improviso. “Não tenho um método fixo. Geralmente, as músicas surgem enquanto ando, enquanto toco algo repetidamente no violão. Anoto um verso, gravo uma melodia. Depois, a própria melodia me diz para onde ir. Muitas vezes sinto que só obedeço”, relata.
Essa organicidade também se reflete na mistura de gêneros. Embora o rock seja a base, Mateus conta que no início não conseguia visualizar sua voz dentro dessa linguagem, e só com o tempo foi entendendo como juntar sua voz às influências que vinham não apenas do rock, como também do rap e do reggae.
Gravações
Neste álbum, o artista conquistou maior autonomia no processo de produção ao se aproximar da tecnologia e gravar suas próprias ideias antes de entrar em estúdio. “Isso mudou tudo, porque quando mostrei as demos já dava para sentir a energia geral das músicas. No estúdio, gravamos num intensivão de nove dias, mas a essência já estava lá”, conta.
Inclusive, boa parte das guitarras gravadas por Mateus e também por Catatau em casa foi mantida no álbum, enquanto algumas bases foram regravadas no estúdio com amplificadores para ganhar mais corpo. O álbum também traz os músicos Marcus Au Coelho no baixo, Susannah Quetzal nos sintetizadores, Afrokaos nas percussões, Glhrmee na bateria e Mumutante e Jocasta Britto nos backing vocals.
A força da coletividade
O rock de favela que Mateus vem desenvolvendo desde os primeiros álbuns se manifesta como um gesto político e estético: “Eu diria que é um ritmo que mistura o rock, que é um ritmo afrodiaspórico, com outros ritmos afrodiaspóricos. É o encontro do rock com outras músicas de gueto”.
A coletividade da Família Fazeno Rock é fundamental nessa construção.
“Até 2020, era só eu e a Larissa Ribeiro, que fazia as roupas, performava em alguns shows e sempre me dava suporte nas produções. O Izzi Vitório também foi uma pessoa bem importante. Quando eu já tava tipo ‘eu não vou dar conta’, ele chegou junto. Eles e a Muriel (Mumutante) foram minhas primeiras parcerias, que deram a base pro trabalho continuar e fizeram os primeiros shows comigo, além do Glhrmee, fazendo o P.A, e que também tocou bateria nesse novo álbum. Depois disso, fui me aproximando do DJ Viúva Negra, dos outros do baile, a Trojany nas projeções… A gente foi encontrando um jeito de trabalhar. Mais à frente, chegaram a Cintia Martins e depois a Naya Oliveira, na comunicação.
Eu tava prestes a lançar o ‘Jesus Ñ Voltará’ e já havia toda essa coletividade e coisas encaminhadas quando o Denor Sousa e a Rocks Produtora chegaram. Tudo isso foi fundamental pra ele poder trabalhar e ajudar a lançar e circular o álbum. É tudo muito fluido. A gente se junta, se separa, se reencontra. Quando aparece coisa para fazer, montamos o Megazord e fazemos acontecer”, descreve Mateus.
Desafios da cena local
Sobre Fortaleza, o artista vê uma cena pulsante, mas cercada por obstáculos. “Temos uma sede de cena, mas faltam casas de show de médio porte, espaços que permitam a música circular para além dos centros culturais. Isso faz com que muitos artistas se desestimulem. Mesmo assim, também há uma vitalidade enorme, encontros e produções que não param”, afirma.
Ao refletir sobre o futuro, o músico conta que tem pensado muito em longevidade e que procura se equilibrar entre os desafios do mercado e a preservação da liberdade criativa. “A vontade de fazer acontecer, pra quem não tem grana, é tudo. Faz a gente se mover. Se movendo, a gente sai de casa e encontra alguém. Foi assim que eu encontrei as pessoas que se colocam comigo. Quero que esse álbum seja algo para o futuro, que conte uma história da qual eu possa me orgulhar lá na frente. Que mantenha a chama acesa e ajude a abrir os caminhos que tiver que abrir”, conclui.