Brasileiros pagam mais e compram menos com taxa das blusinhas

Estudo mostra que a cobrança de 20% em compras até US$ 50 encareceu produtos importados e afetou especialmente famílias de baixa renda

20:12 | Out. 28, 2025

Por: Mariah Salvatore
Taxa das blusinhas encarece compras e não gera empregos (foto: Thais Mesquita)

Um ano após o início da cobrança de 20% de imposto de importação sobre compras internacionais de até US$ 50, a medida ainda divide opiniões no governo e no setor produtivo.

Conhecida como “taxa das blusinhas”, a regra foi criada pela Lei 14.902/2024 com o argumento de equilibrar a concorrência entre o varejo nacional e plataformas estrangeiras de e-commerce.

Levantamento da LCA Consultores, encomendado pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), mostra que o efeito da política sobre o emprego foi nulo e que o impacto recaiu de forma mais forte sobre consumidores de baixa renda.

Conforme a consultoria, os setores da indústria e do comércio que seriam beneficiados pela taxação mantiveram o mesmo ritmo de geração de vagas observado antes da medida, 0,97% em 12 meses, frente a um crescimento médio nacional de 3,04%.

Queda nas compras e perda de acesso

Os dados da LCA apontam também redução expressiva nas importações de pequeno valor. As compras mensais de bens de consumo recuaram a partir de agosto de 2024, logo após a entrada em vigor da taxa, com retração acumulada que chegou a cerca de US$ 176 milhões em junho de 2025 em relação à tendência anterior.

Entre os consumidores das classes C, D e E, a proporção dos que desistiram de finalizar a compra após ver o preço final com imposto passou de 35% para 45% no período analisado.

O levantamento indica ainda que 70% da arrecadação proveniente da taxa vem justamente dessas faixas de renda, o que confere caráter regressivo ao tributo.

Efeitos fiscais mistos

Do ponto de vista da arrecadação, a LCA estima ganho líquido limitado. A cobrança do imposto teria adicionado cerca de R$ 265 milhões mensais à Receita Federal, enquanto os Estados registraram perda média de R$ 258 milhões por mês em ICMS incidente sobre remessas internacionais, quase anulando o ganho agregado.

Divergências sobre o modelo

Para Eric Brasil, diretor da LCA, o desenho da tributação brasileira se distancia do padrão adotado em outros países. Ele lembra que mais de 90 nações aplicam algum tipo de isenção para pequenas encomendas, prática conhecida como regra de minimis (conceito jurídico do latim que significa "a lei não se ocupa com coisas pequenas"), mantendo a cobrança apenas sobre o consumo interno.

“O modelo mais eficiente é isentar o imposto de importação para remessas de baixo valor e tributar o consumo de forma uniforme, como fazem as economias desenvolvidas”, afirma Brasil.

Na perspectiva do governo, a política integra o esforço de recuperação fiscal e de reorganização das bases de arrecadação, sem criação de novos tributos internos. A Receita Federal tem defendido a medida como instrumento para reduzir distorções e assegurar concorrência justa entre produtos nacionais e importados.

Procurada, a Receita não respondeu até o fechamento desta edição. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) também foi contatado, mas não se manifestou.

Debate em aberto

A Amobitec, que reúne empresas de mobilidade e plataformas digitais, argumenta que o e-commerce é um vetor de inclusão e inovação e que restrições tributárias podem limitar o acesso a produtos mais baratos.

“É legítimo que o país discuta mecanismos para fortalecer a indústria, mas isso deve ser feito com base em dados e diálogo entre os setores”, diz o diretor-executivo da entidade, André Porto.

Por outro lado, representantes do varejo físico defendem a manutenção da taxação, alegando que o imposto reduz a competição desleal com empresas estrangeiras.

Caminhos futuros

A discussão sobre a tributação de remessas de pequeno valor ocorre em paralelo à reforma tributária, que prevê a unificação de tributos sobre o consumo — o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Especialistas ouvidos por entidades empresariais avaliam que a simplificação poderá reduzir assimetrias e aproximar o país do padrão internacional.

Para Eric Brasil, a reforma oferece oportunidade de reavaliar o modelo atual. “Com um imposto único sobre o consumo e isenção para importações de baixo valor, o Brasil poderia adotar um sistema mais eficiente e alinhado às boas práticas globais”, afirma.

Enquanto o novo sistema não sai do papel, o governo ainda tenta calibrar a política de importações para equilibrar arrecadação, competitividade e acesso ao consumo. Um ano depois da “taxa das blusinhas”, o debate permanece aberto e os resultados, divididos.

COMPRAS: Como se proteger do consumo excessivo? | Pause O POVO

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