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Negociação do governo não dá garantias aos caminhoneiros, diz especialista

Dulce Pandolfi avalia que o acordo apresentado pelo Planalto põe em risco a economia do País, e o uso de forças federais coloca em risco a democracia
18:42 | Mai. 25, 2018
Autor Rubens Rodrigues
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Rubens Rodrigues Repórter do OPOVO
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Tipo Notícia
O movimento grevista já dura cinco dias em todo o Brasil e não há previsão de ser suspenso. Nessa quinta-feira, 24, 11 entidades representativas do setor de transporte assinaram acordo com o Governo Federal. A paralisação, no entanto, permanece. Especialista ouvida pelo O POVO Online afirma que a negociação entre Planalto e categoria não apresenta garantias aos caminhoneiros.
 
Na manhã desta sexta-feira, 25, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) anunciou que nenhuma desmobilização foi registrada em todo o territorio nacional. Presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a socióloga e historiadora Dulce Pandolfi afirma que a greve dos caminhoneiros é resultado de uma "irresponsável política de preços da Petrobrás, que atinge, inclusive, os mais pobres". 

O setor de transporte é o principal afetado. "O Brasil tem uma enorme malha ferroviária, o que é lamentável porque não se investiu nos transportes ferroviários que são mais baratos", explica. "Os investimentos são feitos em áreas prioritárias para as elites do Brasil".

A pernambucana diz que tudo na rotina dos caminhoneiros influencia para a má qualidade de vida dos trabalhadores. Quanto mais alto o valor do combustível, menor o lucros dos motoristas, o que justifica a paralisação.

"O que se diz também é que, por outro lado, os setores empresariais estariam do lado da greve. Mesmo que estejam, os caminhoneiros, que em sua maioria não são ligados ao patronato, são a peça central", continua. "Não é uma greve de patrões". 

O acordo

O diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia, Jean-Paul Pratea, define como péssima a solução de diminuição da tributação do combustível, apresentada pelo Governo Federal. 

"Você joga o ônus em todo mundo, inclusive em quem não usa carro. Quando você baixa a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), você ameaça o orçamento. Se você zerar a Cide, você tem déficit de orçamento. Não é fácil", afirmou em entrevista ao O POVO Online. 

"Mas acho que a solução passa por um meio termo: diminuir um pouco a Cide, que é pra ser um colchão de amortecimento, e a outra parte tem de ser a Petrobras a exercer, porque ela é uma empresa estatal e o acionista tem de entender isso".

O acordo apresentado pelo Planalto e assinado pelas instituições que representam o setor dos caminhoneiros prevê que o diesel terá preço congelado a R$ 2,10/litro, durante junho próximo. Para isso, o Governo se comprometeu a manter o deconto de 10% no valor do combustível durante mais 15 dias. À União coube compensar a Petrobras em R$ 350 milhões.

Sem garantias

"A solução apresentada está diretamente ligada à política de preços da Petrobrás, que estão tratando como uma empresa privatizada", pondera Dulce Pandolfi. "É uma negociação péssima porque não tem garantia para os caminhoneiros e quem paga o pato é a população. Não é só questão de impostos. É preciso diminuir o preço da gasolina, do gás".

Para a presidente do conselho do Ibase, a própria categoria está pulverizada. Ela aponta que o setor não é unido e não existe uma grande liderança que abarque os trabalhadores. Por isso, o acordo entre Governo e instituições não garantiu o fim das manifestações.

A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) não assinou acordo com o Governo e mantém o pedido de retirada do PIS/Cofins sobre o óleo diesel. Em nota, o presidente da Abcam chegou a pedir o fim da interdição das rodovias, mas indicou a continuidade dos protestos. 

"A culpa do caos que o País se encontra hoje é reflexo de uma manifestação tardia do presidente Michel Temer, que esperou cinco dias de paralisações intensas da categoria. Estamos desde outubro do ano passado na expectativa de sermos ouvidos pelo Governo. Emitimos novo alerta no dia 14 de maio, uma semana antes de iniciarmos os protestos", diz o texto.

Economia

Ainda de acordo com a especialista, a decisão do Planalto interessa ao patronato, mas reflete nas manifestações. "(A decisão) coloca em risco a economia do País. O Governo, sem legitimidade em nenhum setor, está em uma enrrascada. Mesmo na categoria minoritária, das elites", diz. 

"Como esse Governo não é confiável em nada, eles podem fazer um acordo que dure 15 dias para as coisas voltarem ao normal e depois passar por cima de tudo, dando calote nos setores", avalia. "É mais complexo que a luta clássica entre patrões e empregados".
 
Pandolfi prevê a possibilidade da greve se estender caso ganhe apoio dos petroleiros, "setor com poder de barganha e pressão". Até a decisão do presidente Michel Temer, de autorizar o uso de forças federais para desbloquear as rodovias, é avaliado pela socióloga como erro. "Não se pode produzir caos no País e justificar intervenção militar, por exemplo. A mobilização é justa, é preciso apoiar a luta. Mas não posso apoiar uma solução fora do campo democrático".

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