Nos rastros dos tecnofósseis: conheça os registros do futuro

Nos rastros dos tecnofósseis: conheça os registros do futuro

Entenda como esses vestígios da atividade humana poderão indicar o impacto da civilização no planeta Terra

Ao escavar as ruínas da sociedade contemporânea, o que os arqueólogos do futuro encontrarão?

Se os fósseis tradicionais são formados a partir dos restos de seres vivos e evidências de suas atividades biológicas, o legado deixado pelas inovações tecnológicas já pode estar em construção: são os tecnofósseis.

A origem do termo é atribuída a artigo de 2014, publicado pelo professor Jan Zalasiewicz e colegas da Universidade de Leicester ("The technofossil record of humans”, no original). A produção descreve padrões que variam de uma “escala quase continental”, como os conglomerados urbanos, ao pequeno (garrafas e canetas) e o microscópico (partículas de cinzas volantes).

“Um tecnofóssil é um elemento da tecnologia que fornece informações sobre as técnicas, a economia, os ecossistemas e as culturas das sociedades que um dia existiram no mundo”, avalia Orestes Jayme Mega, doutor em Antropologia com área de concentração em Arqueologia pela Universidade Federal de Pelotas.

O profissional acrescenta que, “num futuro distante”, as sociedades existentes serão capazes de inferir muitos elementos ao analisarem os tecnofósseis de nossa época. Por exemplo, a rapidez da alteração de ecossistemas, a partir dos vestígios de grandes barragens, ferrovias, estradas, cidades e portos.

“Mas poderão falar de coisas pequenas, como microplástico, os pedacinhos que sobrarem de nossos computadores e smartphones ou algum resquício dos tecidos sintéticos que usamos para confecção de nossas roupas”, diz.

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O que é um tecnofóssil?

O conceito de tecnofóssil também se relaciona com outro termo, “tecnosfera”, cunhado pelo geólogo e engenheiro americano Peter Haff, professor emérito da Universidade Duke, nos Estados Unidos.

A extensão da tecnosfera física é definida em artigo da revista The Anthropocene Review como “a soma dos resultados materiais do empreendimento humano contemporâneo”. Esse processo inclui componentes urbanos, agrícolas e marinhos, usados para a sustentação do fluxo de energia voltado à vida humana.

De acordo com a publicação, de co-autoria do geólogo Jan Zalasiewicz, a tecnosfera física inclui uma grande e crescente diversidade de objetos complexos. Estes são os potenciais vestígios fósseis ou "tecnofósseis".

“Os materiais de nossa época que possuem maior capacidade de se tornarem tecnofósseis são os materiais sintéticos: concreto, plástico, poliéster, produtos químicos desenvolvidos pela indústria”, afirma o professor Orestes Mega.

Diferente de um instrumento feito de madeira, que voltará ao meio natural com facilidade, sendo absorvido pelo ambiente ao redor, um objeto desenvolvido industrialmente — considerando as transformações químicas derivadas dos próprios recursos naturais — pode permanecer inalterado por milhares ou mesmo milhões de anos.

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Definição do Antropoceno

O professor do departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Daniel Rodrigues, aponta que, nas últimas décadas, o impacto da humanidade sobre a Terra tem se tornado “cada vez mais evidente”.

Por esse motivo, as tentativas de formalizar um termo que estabeleça oficialmente a posição no tempo geológico volta e meia aparecem — uma dessas definições é o Antropoceno. A proposta considera a influência dominante da atividade humana, que seria capaz de instituir alterações significativas no planeta.

Do ponto de vista geológico, oficialmente, a época antropoceno não existe, já que não foi aceita formalmente pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, na sigla em inglês). O órgão é responsável pela definição e manutenção oficial do chamado tempo geológico.

“Pros defensores do antropoceno, o seu início seria, mais ou menos, o ano de 1950, a partir do qual vários isótopos radioativos artificiais, como o Césio 137, foram produzidos por testes nucleares de países como os Estados Unidos e a antiga União Soviética, durante a Guerra Fria”, relata Rodrigues.

Tentativas anteriores ao antropoceno também foram consideradas, apresentando termos diferentes: psicozóico ou tecnógeno, por exemplo.

“Só que nenhuma dessas propostas até hoje teve sucesso junto ao ICS”, diz. “O mais importante é que o impacto é evidente e as pesquisas são feitas independente do nome que se dê ao intervalo de tempo, ou mesmo se ele vai ser, ou não, um termo oficial”.

A ação humana é (ir)reversível?

Se a ação humana é percebida em toda parte, as evidências consideradas geológicas, tradicionalmente, seriam tipicamente naturais, incluindo as rochas, os sedimentos e as marcas contidas neles.

“Mas há quem defenda a inclusão de materiais artificiais, como o lixo, o plástico. Como a humanidade tem gerado impacto nos processos naturais, no clima, no uso do solo e das águas, então os próprios materiais tidos como tradicionalmente naturais têm sofrido os seus efeitos”, reflete.

Um dos exemplos apresentados diz respeito à erosão costeira na praia do Icaraí, em Caucaia. O processo foi impulsionado pela construção de espigões em Fortaleza, estruturas que ajudam a manter a estabilidade das praias na Capital, mas que reduzem a quantidade de areia que seria naturalmente transportada para o litoral.

Outro apontamento feito pelo professor Daniel Rodrigues são os plastiglomerados. Identificadas pela primeira vez na Praia de Kamilo, no Havaí, em 2014, essas rochas antropogênicas se formam por meio de detritos naturais, unidos por plástico derretido.

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