Au pair é ser babá no exterior? Saiba como funciona e quanto ganha
Mais do que um emprego, o programa de au pair é oficialmente classificado como um intercâmbio cultural. Entretanto, problemas existem e alguns cuidados devem ser tomados
É essa a proposta do programa de au pair — um tipo de intercâmbio cultural que promete imersão linguística e convivência com os costumes locais, mas que, na prática, também pode envolver desafios e situações de exploração.
Afinal, ser au pair é apenas “ser babá no exterior”? Quanto se ganha? E o que está por trás dessa experiência?
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O que é ser au pair?
Mais do que um emprego, o programa de au pair é oficialmente classificado como um intercâmbio cultural. Jovens entre 18 e 26 anos viajam para países como Estados Unidos (EUA), França, Alemanha ou Dinamarca para morar com uma família anfitriã.
Em troca de cuidar das crianças da casa e realizar pequenas tarefas domésticas, recebem moradia, alimentação e um salário semanal. Em alguns países, como os EUA, há uma bolsa de estudos no valor de US$ 500 para cursos de, no mínimo, 72 horas.
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O termo “au pair”, originado do francês, significa “em pé de igualdade” — o jovem deveria ser tratado como parte da família e não como um funcionário. Na prática, isso nem sempre acontece.
A duração do intercâmbio é de 12 meses, com possibilidade de renovação por mais um ano. Só nos Estados Unidos, estima-se que até 3 mil brasileiros participem do programa anualmente, segundo dados da Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio.
Como funciona o programa nos Estados Unidos?
Nos EUA, o au pair é regulamentado pelo Departamento de Estado. Só é possível participar por meio de agências autorizadas, que se responsabilizam por todo o processo jurídico e logístico antes e durante a experiência.
Para se candidatar, é preciso cumprir os seguintes requisitos:
- Idade entre 18 e 26 anos (e chegar ao país antes de completar 27 anos);
- Ensino médio completo;
- Carteira de motorista válida;
- Inglês intermediário;
- Boa saúde;
- Ficha criminal limpa;
- Experiência comprovada com crianças;
- Não ser casado nem ter filhos.
Segundo Lia Andrade, ex-au pair natural de Canindé, cidade do interior do Ceará, a seleção é feita por meio de perfis online criados nas plataformas das agências, nas quais as famílias visualizam os candidatos. “A gente não consegue ver as famílias, a não ser quando elas mandem uma solicitação. A partir daí começa o contato”, explica.
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Ela destaca que a fluência no inglês e a habilidade de dirigir são dois dos critérios mais valorizados pelas famílias.
Quanto ganha uma au pair nos EUA?

A jornada de trabalho do au pair nos Estados Unidos pode chegar a 45 horas semanais (até 10 horas por dia), com direito a um dia de folga por semana e duas semanas de férias pagas por ano.
O salário semanal mínimo regulamentado é de US$ 195,75.
“Esse valor está congelado há anos. Nenhum americano trabalha por esse valor. Só quem aceita é estrangeiro mesmo”, critica Lia. Em algumas agências, como a Au Pair Care (APC), o valor mínimo foi ajustado para US$ 215 semanais.
Segundo ela, há estados com leis próprias que determinam o pagamento por hora, como Massachusetts e Califórnia. “Se a família seguir a lei do estado, você pode ganhar mais; mas nem todas seguem.”
Experiência de uma cearense nos EUA

Apesar de existir uma estrutura formal para o programa que via a troca cultural, a realidade nem sempre segue o previsto. “A ideia é linda no papel”, conta Lia. “Mas, se você der azar, pode virar uma funcionária mal remunerada e isolada dentro da casa de uma família que só quer uma babá barata.”
Ela relata que, em seu primeiro ano, teve uma boa experiência com a família e bastante independência com as crianças. “Podia dirigir, sair com elas, era tudo tranquilo, mas me sentia muito isolada. Trabalhava as 45 horas, ganhava o mínimo e não tinha tempo de aproveitar o que recebia.”
No segundo ano, teve uma vivência mais leve, cuidando de trigêmeos de 11 anos. “Eles iam para a escola, então eu tinha mais tempo livre. O convívio era melhor, a gente fazia coisas juntos. Foi quando consegui aprender inglês de verdade.”
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Ainda assim, ela lembra que muitas meninas não têm a mesma sorte. “Conheci garotas que passaram por situações perigosas, com famílias abusivas e sem apoio. Meninas que foram parar em casas perigosas e não tinham a quem recorrer.”
Falta de fiscalização preocupa
A cearense destaca que as diretoras regionais, chamadas de LCCs – Local Childcare Coordinators – deveriam atuar como mediadoras em conflitos e situações de abuso, mas muitas vezes protegem as famílias. “Elas trabalham para a agência americana, então nem sempre estão do nosso lado.”
Outro problema, segundo Lia, é a possibilidade de famílias banidas por uma agência conseguirem se cadastrar em outras, sem qualquer bloqueio ou troca de informações entre empresas. “Não existe um controle cruzado. Isso deixa muita menina vulnerável.”
Au pair na Europa: regras menos rígidas, riscos maiores
Na Europa, o programa de au pair também existe, mas com menos regulamentação. Países como Alemanha, França e Dinamarca têm seus próprios critérios.
Na Dinamarca, por exemplo, o au pair recebe uma mesada de cerca de R$ 3.540 (DKK 4.700), além de seguro, alimentação, moradia e bolsa para aulas de dinamarquês — todos pagos pela família. Para participar do programa é necessário ter entre 18 e 30 anos, não ter filhos nem ser casado e ter boa saúde e histórico limpo.
A família anfitriã precisa ter ao menos um filho menor de 18 anos e falar fluentemente o dinamarquês. As regras também estipulam que a família cubra os custos de transporte em caso de emergência, como doenças graves, acidentes ou falecimento.
A principal diferença é que, em muitos países europeus, é possível participar sem passar por agências, o que pode reduzir custos, mas aumenta os riscos. “Na Europa, como não tem tanta fiscalização, o ideal é pesquisar muito bem a família antes de aceitar. Grupos no Facebook ajudam bastante”, sugere Lia.
Custo para ser au pair: nem tudo é pago pela família
Embora o au pair receba ajuda de custo e moradia gratuita, o investimento inicial pode pesar. No Brasil, o custo total com taxas, documentos, visto e seguro pode ultrapassar R$ 4.000. Algumas agências incluem a passagem aérea no pacote; outras exigem que o candidato arque com esse valor.
Custos médios no Brasil:
- R$ 1.095 para documentação e criação de perfil
- R$ 2.000 para emissão do visto
- R$ 560 para seguro-saúde
- Passagem aérea (varia por companhia aérea e agência)
Principais erros dos candidatos a au pair
Para Lia, muitos participantes cometem erros ao focar somente no dinheiro. “Tem muita menina que só vê o dólar e esquece de avaliar a rotina da família, o lugar onde vai morar. Isso afeta a saúde mental.”
Outro equívoco comum é mentir sobre a experiência com crianças. “Na hora da prática, você pode se ver sozinha com três crianças e sem saber o que fazer — e tudo isso em outro idioma.”
Além disso, ela alerta sobre o impacto dos choques culturais. “Você está dentro da casa deles. O jeito de falar, de comer, de educar... Tudo pode gerar atrito”, ressalta.
Vale a pena ser au pair?
Para Lia, a experiência vale a pena se for a única forma de viver no exterior. Ela resume: “Não é férias pagas, é trabalho. Se for com essa consciência, pode ser transformador.”
Ela reforça que a vivência transformou sua vida:
“Foi a primeira vez que saí do Brasil, aprendi inglês na marra e conheci culturas diferentes. Mas também foi solitário, desgastante e, em alguns momentos, frustrante”.
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