Cobradora de ônibus é aprovada em concurso do TJSP: "Estudava na catraca"

Cobradora, que também é portadora de deficiência, vai passar a ganhar quatro vezes mais. Ela pretende realizar os sonhos do pai e da mãe de viajar

Uma cobradora de ônibus em São Paulo passou em concurso público para o cargo de escrevente do Tribunal de Justiça (TJSP). Luana Farias, 27 anos, havia prestado o concurso para o órgão em outubro de 2021. Sendo uma candidata PCD, por ter visão monocular, ela recebeu a notícia da nomeação esta semana. “Estudei na catraca e nem consigo assimilar que meu sonho vai se realizar”, escreveu a cobradora, em post nas redes sociais.

Luana é moradora da periferia do Grajaú, em São Paulo, e vem de uma família humilde. Em entrevista para o portal Uol, a cobradora contou que aproveitava os momentos de menor fluxo de passageiros para revisar os conteúdos.

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“Estudei a vida toda em escola pública e sempre fui apaixonada por livros, principalmente por romances. Tanto que entre 2015 e 2016 escrevi um livro chamado 'O colar de Lis'. Muitos subestimam esse gênero literário, chamam de clichê ou perda de tempo, mas foi graças a essa bagagem de leitura, por exemplo, que eu gabaritei a prova de português do TJSP”, relata.

A concursada conta que, nos últimos tempos, a vida financeira de sua família ficou ainda mais apertada. “Meu pai sempre trabalhou como motorista de ônibus e, há cinco anos, me indicou para uma vaga na empresa em que ele trabalhava. Comecei como cobradora fazendo a linha Terminal Grajaú-Metrô Brás e, hoje, atuo na linha Grajaú-Jabaquara. Trabalho oito horas por dia durante a semana e, aos finais de semana, chego a doze/treze horas de expediente”, conta Luana.

Preconceito

 

De acordo com a concursada, que vai deixar a profissão de cobradora, muitos veem os trabalhadores dos ônibus com desdém. “Muitos encaram essa profissão como algo obsoleto, são hostis, dizem que é inútil eu estar ali, que o cobrador não faz nada no ônibus. O povo esquece que a gente oferece auxílio para pessoas deficientes ou com mobilidade reduzida, damos apoio ao motorista, mantemos a ordem no coletivo e fazemos a cobrança, pois muitos ainda pagam em dinheiro”, aponta.

Segundo ela, diversas vezes chegou a ouvir piadas direcionadas a ela. Apesar disso, nunca se envergonhou por ser cobradora. “Para mim, é uma profissão honesta e que me trazia o sustento, mas eu também queria melhorar minha vida financeiramente e ajudar minha família, proporcionar lazer aos meus pais, por exemplo. Por isso, comecei a ver o concurso do TJSP como um sonho e uma possibilidade de realizar essas coisas”, diz.

Em 2017, Luana chegou a fazer o concurso para o TJ interior, mas não foi aprovada. Assim, ela decidiu continuar os estudos para uma seleção em São Paulo. “Quando começaram os rumores de que sairia o concurso em 2021, comecei a me preparar para as matérias, estudando mais de seis horas por dia. Estudava os conteúdos de Direito pelo site do Planalto e assistia videoaulas de raciocínio lógico e matemática, pois eram as matérias que eu tinha mais dificuldade”, expõe.


Luana conta que estudava para o concurso dentro do ônibus, pelo celular. “A rotina de trabalhar e estudar era bem cansativa. Às vezes, eu me sentia fatigada mentalmente; noutras, eu desanimava porque não estava conseguindo evoluir nos simulados e até pensava em desistir, mas me mantive de olho no meu objetivo.

A candidata ainda foi enquadrada como candidata PCD por ter visão monocular. “Agora, estou aguardando a posse para entrar em exercício na função e até lá seguirei trabalhando como cobradora. Estou muito grata e cheia de expectativas. Meu salário será cerca de quatro vezes mais do que o que eu ganho atualmente e o TJ vai poder me proporcionar muita coisa”, conta com felicidade.

Ajudar a família

 

Luana conta que, com o novo emprego, pretende retomar a graduação em Direito, que fez durante cinco semestres numa faculdade privada, mas precisou interromper. Além disso, a concursada conta que vai tentar realizar os sonhos da família, como pagar um cruzeiro para a mãe e viajar com o pai.

“Tudo isso só foi possível graças ao apoio deles e também à educação. Ela é imprescindível e é onde o nosso país deveria investir com mais força. A educação amplia horizontes, mostra outras perspectivas para aqueles que nascem em famílias desajustadas ou apenas sem oportunidades. É o que nos permite sonhar", conclui a mais nova concursada.

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