Estudo não prova relação entre vacinados por covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra

Não há provas de que as vacinas contra a covid-19 tenham causado um aumento de mortes por tumores malignos e doenças cardiovasculares

Falso
Pesquisa com dados de mortes por câncer na Inglaterra não demonstrou aumento “monstruoso” nos óbitos por conta da vacinação por covid-19, como afirma postagem no X. Não há no estudo qualquer dado que sustente a relação de causalidade entre o crescimento no número de mortes por câncer e o imunizante. Estudos científicos e entidades médicas britânicas apontam que o aumento de mortes por câncer em 2021 e 2022 se deu por conta do impacto da pandemia no sistema de saúde, que fez com que pessoas doentes abandonassem os tratamentos ou precisassem postergar diagnósticos.

Conteúdo investigado: Postagem afirma que houve um aumento “monstruoso” de tumores malignos entre 2021 e 2022 entre pessoas jovens na Inglaterra, que chegaria “perto de 50%”, e de mortes por causas cardiovasculares. A autora afirma que o Ministério da Saúde britânico atribui isso à Covid longa, mas que o fenômeno teria sido causado, na verdade, pela “terapia genética, rotuladas [sic] como vacina anti-Covid — a verdadeira causadora desta explosão de doenças e mortes”. O post traz dois gráficos com legenda em inglês e o link para uma pesquisa que supostamente identificou o problema.

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Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Não há provas de que as vacinas contra a covid-19 tenham causado um aumento de mortes por tumores malignos e doenças cardiovasculares entre pessoas mais jovens na Inglaterra, como alega um post no X.

O conteúdo verificado usa como base uma publicação no site de uma gestora de investimentos que repete a formatação de um estudo científico e mostra o suposto aumento expressivo do número de mortes em excesso (óbitos a mais do que o esperado para determinado período) por câncer de pessoas com idade entre 15 e 44 anos na Inglaterra e no País de Gales em 2021 e 2022.

Na conclusão do artigo, o autor afirma adotar a hipótese de que o aumento das mortes em excesso de câncer seria um dos efeitos negativos de médio a longo prazo das vacinas contra a covid-19. Não há ao longo do texto, contudo, detalhamento sobre essas vítimas de câncer terem sido vacinadas ou não. Também não há qualquer outro dado que sustente a relação de causalidade proposta por ele, de que as vacinas seriam o motivo desses óbitos.

A empresa que publica o suposto estudo e um dos seus sócios já produziram outros conteúdos antivacina em inglês que foram desmentidos por organizações de checagem internacionais.

A autora da postagem no X diz que o aumento das mortes por tumores malignos teria chegado perto de 50%. A publicação citada por ela sequer faz menção, no entanto, à variação do número absoluto de óbitos. O texto no site da gestora de investimentos trata de mortes em excesso, calculadas com base em método do próprio autor, o que, isoladamente, também não permite atribuir causas à vacinação.

Segundo dados levantados pelo Comprova junto ao Office For National Statistics (ONS, na sigla em inglês), órgão britânico responsável pela gestão de dados locais oficiais, houve aumento no número de óbitos por câncer na Inglaterra e no País de Gales em 2021 e 2022 de 1,4% e de 4,3%, respectivamente.

Também de acordo com dados do ONS tabulados pelo Comprova, houve 1.744 mortes de câncer consideradas em excesso na Inglaterra e País de Gales entre 2021 e 2022, o que representou 0,57% do total de óbitos pela doença no período em ambos os países (300.896).

Estudos científicos e entidades médicas britânicas apontam que o aumento de mortes por câncer e doenças do coração durante e após o surgimento da covid-19 se deu por conta do impacto da pandemia no sistema de saúde, que fez com que pessoas doentes abandonassem os tratamentos ou precisassem postergar diagnósticos. Nenhum deles cita a vacinação como causa do aumento das mortes.

Além disso, dados reunidos por um estudo da universidade de Birmingham mostram que a vacina reduziu as mortes por covid-19 de pacientes com câncer.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 30 de outubro, a postagem tinha 55 mil visualizações, mil compartilhamentos e 2 mil likes.

Como verificamos: Primeiramente foi consultada a pesquisa usada na postagem desinformativa para entender como ela foi feita e quem a produziu. Em seguida, o Comprova buscou junto aos órgãos oficiais do Reino Unido informações sobre mortes por câncer entre 2010 e 2022 (período usado no estudo).

Uma busca no Google pelos termos “death” + “cancer” + “covid” levou a diversos estudos que analisaram o impacto da covid nos pacientes com câncer e matérias de jornais britânicos sobre o assunto.

Ao pesquisar sobre a empresa que publicou o estudo foi possível encontrar checagens feitas por veículos internacionais de conteúdos antivacina publicados pela mesma empresa ou por um de seus sócios.

Dados oficiais não corroboram postagem

No site do Office For National Statistics há dados de mortalidade da Inglaterra e do País de Gales entre 2010 e 2022 (aqui e aqui). O Comprova selecionou as ocorrências de mortes por tumores cancerígenos malignos através do código usado pelo governo britânico, equivalente ao sistema CID-10 usado no Brasil.

A partir daí, buscou dados populacionais da Inglaterra e do País de Gales para formular uma taxa de mortes por câncer por 100 mil habitantes, métrica usada no estudo citado pela postagem falsa.

Como é possível ver nos gráficos, tanto os números absolutos quanto a taxa de mortalidade tinham tendência de queda entre 2010 e 2020. Contudo, nos dois anos seguintes houve alta, o que fez o número de mortes retornar ao patamar de 2018. Não há, porém, registro de aumento de “quase 50%” nas mortes por câncer, como aponta a postagem checada.

Os dados de mortes em excesso por tumores malignos na Inglaterra e no País de Gales nos três primeiros anos de pandemia também foram levantados pelo site do ONS.

Outros estudos não citam vacina como causa das mortes

O aumento no número de mortes por câncer durante e após a pandemia de Covid foi causado, segundo estudos científicos e entidades médicas, pelo impacto da pandemia no sistema de saúde britânico.

Um estudo publicado no The Lancet mostrou que, durante a pandemia, houve aumento de mortes pelos quatro tipos mais comuns de câncer no Reino Unido, mas a causa não foi a vacina.

“São esperados aumentos substanciais no número de mortes evitáveis ​​por câncer na Inglaterra, como resultado de atrasos no diagnóstico devido à pandemia de COVID-19 no Reino Unido”, concluíram os pesquisadores.

Outro estudo, este publicado no European Journal of Cancer, apontou que pacientes com câncer no Reino Unido eram mais propensos a morrer por covid do que pacientes saudáveis e até mesmo do que pacientes de câncer de outros países europeus.

Isso porque, durante a primeira onda da pandemia, o ministério da saúde britânico recomendou que os tratamentos oncológicos fossem paralisados com a intenção de não fragilizar ainda mais o organismo dos pacientes e fazê-los mais suscetíveis à covid. O estudo constatou que a pausa no tratamento não afetou o risco dessas pessoas de adoecerem por conta do vírus.

A vacinação, contudo, foi comprovadamente eficaz para evitar que pacientes com câncer morressem por covid-19, como mostra pesquisa da universidade de Birmingham.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com Karina Michelin, autora da postagem, e com a empresa que publicou o estudo, mas não houve retorno. Os conteúdos antivacina publicados por Karina já foram checados anteriormente. O Comprova já demonstrou que as vacinas não fizeram “explodir” doenças cardíacas em crianças, não causam danos ao sistema imunológico e não causam alterações genéticas.

O que podemos aprender com esta verificação: Números alarmantes acompanhados de gráficos são ferramentas bastante usadas por desinformadores. O uso desses recursos de forma desonesta dá a aparência de seriedade para a informação falsa ou enganosa. Como a reprodução dos cálculos ou até o acesso aos dados é, muitas vezes, difícil, dificulta a conferência pelo leitor. Nesses casos, é importante buscar informações junto às autoridades no assunto, pesquisas científicas publicadas em jornais reconhecidos e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As vacinas contra a covid-19 ainda são alvo frequente de desinformação. Nos últimos meses, o Comprova já esclareceu que a da Pfizer não modifica o código genético nem causará epidemias; que o Canadá não admitiu que vacinadostenham desenvolvido Aids; que o CDC não falsificou dados sobre 99% das mortes por covid; e que o Parlamento Europeu não classificou o imunizante como arma biológica.

Investigado por: NSC Comunicação e A Gazeta

Verificado por: Nexo, Folha, Metrópoles, Alma Preta e Estadão

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