Quilombolas recebem ameaça após um mês da titulação de terras no Cariri

Resistindo na terra há mais de 200 anos, comunidade quilombola recebeu titulação oficial. Pesquisa não mostrou proprietários prévios da terra

06:00 | Dez. 31, 2025

Por: Alexia Vieira
Serra dos Mulatos, no município de Jardim, é quilombo com mais de 300 famílias (foto: Arquivo pessoal)

As famílias do quilombo Serra dos Mulatos, localizado no município de Jardim, no Cariri, receberam a titulação das terras em 19 de novembro de 2025, em um processo que reconheceu a ocupação centenária da comunidade na Chapada do Araripe.

Pouco mais de um mês depois, moradores do território receberam ameaças de morte por parte de uma pessoa que se diz dona da terra.

O POVO apurou que pessoas ligadas à Associação de Remanescentes de Quilombo da Serra dos Mulatos foram avisadas para não adentrar em um pedaço do terreno titulado.

“Disse que se qualquer um de nós entrar nessa terra, a pessoa vai derrubar um por um”, afirmou um dos membros do quilombo, que permanecerá anônimo por questões de segurança.

A área em questão passou por pesquisas do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Além disso, o cartório da região emitiu uma certidão negativa comprovando a ausência de proprietários registrados.

Conforme o superintendente do Idace, João Alfredo, o local se trata de uma terra devoluta arrecadada pelo órgão, ou seja, terra pública estadual. O processo foi ainda certificado pela Fundação Palmares.

Depois dos estudos e certificações, foi possível emitir o título legalmente em nome da associação.

“Todo o processo foi legal, absolutamente legal. Tanto que o cartório fez o registro. Se tivesse um outro dono, entre aspas, o cartório não tinha dado a certidão negativa e não tinha registrado em nome da associação”, reafirmou João Alfredo.

“A gente foi para o cartório fazer a busca ativa das terras vizinhas que tinham documento. Se tivesse, ia aparecer automaticamente. Não apareceu na malha do Idace nem do Incra. E aqui no cartório não tinha nada. Os que tinham dos vizinhos, foi respeitado”, relatou o membro da Associação.

 

História e resistência

O quilombo Serra dos Mulatos abriga cerca de 300 famílias, sendo 640 pessoas autodeclaradas quilombolas. A comunidade tem quase cinco anos de autodeclaração certificada pelo Instituto Palmares.

Há mais de 200 anos a comunidade resiste no local, descendentes de José dos Santos ou José Mulato, escravizado que fugiu e se firmou no território.

“Eles não conseguem compreender e, se compreendem, não aceitam o fato de ter sido um processo limpo, dentro da legalidade. Ninguém está tomando nada, a gente só quer fazer a nossa luta com liberdade. Sem essa estrutura de racismo e maldade”, completa o membro.

Secretarias são acionadas para denúncia de ameaça

João Alfredo, por meio do Idace, afirmou ter encaminhado ofícios comunicando a ameaça para a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), para a Secretaria dos Direitos Humanos (Sedih), para a Secretaria da Igualdade Racial (Seir) e para a Promotoria de Justiça de Jardim.

Ao O POVO, a secretária dos Direitos Humanos, Socorro França, confirmou já ter conhecimento do caso. A pasta deve enviar uma equipe ao território quilombola para fazer um levantamento.