Aos 101 anos, morre Amadeu Arrais, ex-deputado cearense cassado pela ditadura
Natural de Campos Sales, Amadeu foi professor de francês, delegado do trabalho, secretário do Instituto Pesos e Medidas, e teve duas legislaturas na Alece
Morreu neste domingo, 7, o ex-deputado cearense Amadeu Arrais, aos 101 anos. Último deputado cearense cassado em 1964 pela ditadura militar a falecer, ele dedicou sua vida ao serviço público antes de se tornar parlamentar.
O velório de Amadeu é realizado no Plenário 13 de Maio, na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), desde 11 horas. Às 17 horas, haverá missa, com encerramento previsto para 18 horas.
Natural de Campos Sales, município a 460,03 quilômetros de Fortaleza, Amadeu chegou a atuar como professor de francês no tradicional Liceu do Ceará e a integrar a Delegacia Regional do Trabalho — atual Superintendência Regional do Trabalho. O cearense também foi secretário do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem/CE).
Amadeu cumpriu duas legislaturas na Alece, filiado ao Partido Democrata Cristão (PDC). Após a instauração do regime autoritário no Brasil, ele teve seu mandato revogado, em 10 de abril de 1964, sob a alegação de quebra de decoro parlamentar.
Devido à cassação, Amadeu foi preso político e detido no 23º Batalhão de Caçadores (23º BC), na Capital, onde permaneceu encarcerado por cerca de nove meses, junto de outros seis parlamentares cearenses que também foram alvo de perseguição política no regime ditatorial.
'A gente não podia conversar'
“Eu me senti esmagado, porque é a força contra o direito”, recordou Amadeu sobre a cassação de seu mandato, em entrevista ao O POVO publicada em outubro último. “Eles tinham a maioria da Assembleia e escolheram os nomes que deveriam ser cassados. Entre eles, estava o meu”.
Além dele, foram alvos da repressão os então parlamentares Raimundo Ivan, José Pontes Neto, José Fiúza Gomes, Aníbal Bonavides e Blanchard Girão. No 23º BC, Amadeu não sofreu tortura, mas contou ter sido pressionado.
“Eles fizeram um tipo de pressão, sabe? A pressão se exerce indiretamente. Nós combinamos, por exemplo, de fazer a limpeza das nossas instalações porque assim podíamos conversar sem soldados no nosso meio, porque a gente não podia conversar, não podia expandir nossas lágrimas nem queixas”.
Ligação com trabalho e educação
Amadeu era filho de Eneas de Araújo Arrais, que governou o município de Campos Sales por três mandatos. “Meu pai foi político e eu segui aquele caminho de defesa do mais fraco. Sempre o mais fraco é quem perde na questão. Quando ele encontra apoio, ele cresce”, contou ele.
Formado em Direito e em Filosofia, Ciências e Letras, o ex-parlamentar fundou, em 1950, um cursinho preparatório para entrada no Liceu do Ceará.
Por meio desta experiência, conheceu as versões mais jovens de Bergson Gurjão, que mais tarde foi morto na Guerrilha do Araguaia em 1972, e Tito de Alencar, frade dominicano preso, torturado e encontrado morto no exílio.
Na sequência, o campossalense trabalhou na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), atual Superintendência Regional do Trabalho (SRT), onde conquistou apreço do movimento sindical. Em 1962, lançou-se candidato a deputado.
“Quando eu fiz o meu discurso de posse, eu disse: ‘Estou aqui para cumprir a lei. Não esperem os senhores patrões que eu vá perseguir empregado para lhes atender os interesses. Da mesma forma, não pensem os empregados que eu vá perseguir patrão’”, relembrou Amadeu na entrevista.
Anos após detenção
Concursado e formado, o cearense foi impedido, após deixar a detenção no 23º BC, de atuar como advogado ou fiscal do Trabalho. Por isso, voltou a lecionar. Eventualmente, fundou o tradicional Colégio Brasil, na rua Dona Leopoldina.
Em 1979, Amadeu recebeu anistia política e, no ano seguinte, conseguiu retomar seu posto na DRT. Em 1982, voltou à Assembleia, como suplente, chegando a ocupar vaga por quatro meses de 1984, no último ano de ditadura. Anos depois, se tornou secretário do Ipem.
Em 3 de dezembro de 2024, no dia de seu centenário, Amadeu recebeu a Medalha de Mérito Parlamentar, a mais alta comenda da Alece, em um gesto de reconhecimento e reparação histórica.
Conforme contou ao O POVO, Amadeu vivia em um sítio em Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza. Ele mantinha um santuário no distrito de São Domingos, em Caridade, como agradecimento a São Pedro por sobreviver aos anos de chumbo. Amadeu deixa a segunda esposa, Francileide Arrais.
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