Agricultora cearense é premiada na NaturalTec por óleo de coco agroecológico

Agricultora cearense é premiada na NaturalTec por óleo de coco agroecológico

O produto é símbolo de luta e resistência para a comunidade local, que no passado enfrentou intensas disputas pelo direito a terra

Graças ao seu óleo de coco agroecológico, a agricultora cearense Rojane Alves, de 32 anos, foi contemplada com o Prêmio de Produto Sustentável, concedido a iniciativas voltadas para a sustentabilidade e a agricultura familiar. A premiação aconteceu durante a 19ª edição da NaturalTech, o maior evento da América Latina de produtos naturais, realizado entre os dias 11 e 14 de junho, em São Paulo.

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Rojane nasceu e vive até hoje no Assentamento Maceió, uma comunidade rural localizada no município de Itapipoca, no litoral oeste do Ceará.

É lá que ela integra o grupo Balanço do Coqueiro, composto por dez jovens — em sua maioria mulheres — que desenvolvem uma série de produtos derivados do coco da espécie nucifera, também conhecido como coco d'água. Para essa comunidade, o fruto é mais do que uma matéria-prima: é símbolo de pertencimento, resistência e memória de luta.

“O coco é muito simbólico para a gente porque, na época da luta pela terra, os patrões proibiam o plantio. Plantar um coqueiro era motivo para ser expulso”, relembra Rojane. A região enfrentou nos anos 1980, um intenso processo de disputa fundiária.

Famílias ricas e poderosas detinham o poder político e econômico sobre a localidade alegando serem os herdeiros da terra. Essas famílias queriam transformar a área em uma grande fazenda de monocultura de coco, impedindo as famílias de permanecer na região.

Qualquer tentativa da parte dos moradores de plantar cajueiros ou coqueiros em suas residências, podia resultar em ameaças ou derrubadas das casas: “Os cocos eram plantados escondidos, pois a ideia dos ‘patrões’ era fazer com que o povo saísse daqui”, explica.

A situação se agravou quando uma empresa comprou parte do território e proibiu o uso da “broca” — técnica de preparo da terra — e iniciou ações para expulsar os moradores. O conflito tomou forma: de um lado, trabalhadores rurais e suas famílias; do outro, tratores e homens prontos para um confronto direto.

A resistência se organizou com apoio da Diocese de Itapipoca e de organizações como o Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (Centra). As mulheres da comunidade foram protagonistas na luta, enfrentando operários, impedindo o avanço das máquinas e garantindo a sobrevivência da comunidade.

“É importante frizar a luta das mulheres. Foram elas que bateram de frente com os homens que vinham passar o trator por cima das plantações”, lembra Rojane. 

A vitória veio em 1985, com a desapropriação da terra pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a criação do Assentamento Maceió.

Do teatro ao óleo agroecológico

O grupo Balanço do Coqueiro surgiu em 2010 como um coletivo artístico-cultural focado em poesia, dança e teatro. Mas em 2017, com apoio técnico do Cetra, passou a investir na produção agroecológica do óleo de coco, resgatando um saber ancestral já presente entre as mulheres da comunidade — que produziam o óleo em casa para uso cosmético e alimentar.

A proposta atual alia esse conhecimento tradicional a métodos aprimorados com apoio técnico. O óleo é produzido a partir de cocos plantados sem o uso de agrotóxicos e passa por um processo de prensagem a frio e decantação em uma unidade de beneficiamento construída na própria comunidade.

Com o apoio da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, a produção foi aprimorada, reduzindo o tempo de decantação de dois dias para apenas 24 horas.

“Nosso óleo é 100% natural, feito só com coco, sem nenhum aditivo. Tivemos o processo analisado pelo laboratório Nutec, que confirmou a qualidade e a pureza do produto”, afirma Rojane.

Oléo de coco agroecológico
Oléo de coco agroecológico Crédito: Reprodução/ Arquivo Pessoal

Além do aspecto técnico, o trabalho do grupo promove o empoderamento feminino e a permanência de jovens no campo. “Somos, em sua maioria, mulheres e jovens estudantes. É uma forma de mostrar que o campo não é só sofrimento, mas também pode ser lugar de inovação e resistência”, destaca.

Uso múltiplo e impacto na comunidade

O óleo de coco agroecológico tem múltiplos usos, indo desde a alimentação até cuidados com cabelo e pele. A comercialização ocorre em feiras agroecológicas da região e, ocasionalmente, em eventos fora do estado. A renda, embora complementar, tem ajudado a manter a autonomia das jovens agricultoras, além de abrir portas para um futuro sustentável e com identidade cultural preservada.

“Nós recebemos muitos relatos de consumidores que usam o óleo para várias finalidades, até algumas que a gente nem imaginava. Isso nos ajuda a aprender cada vez mais”, conta Rojane.

Da luta pela terra ao reconhecimento, a trajetória do Assentamento Maceió e do grupo Balanço do Coqueiro mostra como a agroecologia pode ser instrumento de resistência, renda e fortalecimento comunitário. 

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