Número de pretendentes a adoção é maior do que a fila de crianças e adolescentes no Ceará

MPCE promoveu palestra de Sávio Bittencourt, procurador de Justiça do Ministério Público do RJ, que abordou a garantia dos direitos das crianças e adolescentes institucionalizados

O Ceará tem um número maior de famílias na fila de espera para adoção do que de crianças e adolescentes disponíveis. As informações foram apresentadas durante palestra realizada na última quinta-feira, 2, no auditório da Escola Superior do Ministério Público do Ceará (MPCE), em Fortaleza. A procura maior por um perfil específico de criança e a demora no andamento do processo foram citadas como alguns dos fatores para a discrepância dos números. No próximo dia 25 de maio, é comemorado o Dia Nacional da Adoção.

O promotor Lucas Azevedo apontou que, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa realidade de mais pais na fila de espera do que de crianças para adoção é nacional e observada em praticamente quase todos os estados.

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Dados enviados ao O POVO pelo MPCE e extraídos na úlltima sexta-feira, 3, do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) do CNJ mostram que, no Ceará, há 328 crianças e adolescentes disponíveis para adoção em unidades de acolhimento e 1.251 pretendentes à adoção habilitados.

Uma das pessoas que aguardam na fila da adoção é a do policial militar Denis Moreira, que também estava presente na palestra. Denis e a esposa, Elisiane Moreira, estão há dois anos e meio na fila aguardando por uma criança que, segundo eles, já tem nome, quarto preparado e o amor do casal.

“Matematicamente, a nossa posição é até próxima, mas, como o processo demora demais, simplesmente não acontece. A gente não tem nenhuma perspectiva de quando isso vai acontecer. Ela já existe no nosso coração e no nosso dia a dia. Já tem nome, quarto, já tem tudo pronto", disse ele.

Segundo ele, quando a criança nasce no coração do adotante, "ela já passa a ser uma realidade".

"Então, ela é a nossa realidade, a gente vive em função disso, preparando a nossa vida para isso. A nossa filha, a Fiorela, está em algum lugar, e eu quero levá-la para casa e oferecer para ela o que é direito dela, que é o nosso amor, nosso afeto, nosso carinho e nosso cuidado”, contou.

O defensor público Adriano Leitinho, que participou da mesa de abertura do evento, também apontou como importante o incentivo à adoção de crianças e adolescentes mais velhos.

“A maioria dos pretendentes realmente querem crianças mais novas, é um desejo natural. Nós precisamos buscar políticas públicas de incentivo para que outros pretendentes queiram também receber essas crianças mais crescidas, os adolescentes e as crianças com problemas de saúde, que é outro problema que enfrentamos dentro do sistema de Justiça”, destacou.

Para Lucas Azevedo, é necessário trabalhar a temática da adoção tardia na sociedade.

“Acho que nós precisamos trabalhar culturalmente a nossa sociedade para ampliar um pouco a visão com relação a esse tema. Aqueles que têm pretensão de adotar uma criança ou um adolescente, vejam com um maior carinho ainda essa questão da ampliação do perfil de quem vocês desejam adotar, porque certamente vai ter alguém do lado de lá que precisa de amor. Se essas pessoas estão disponíveis para dar amor, eu tenho certeza que estão não importa a quem.”

Desafios no processo de adoção

Com o tema “Adoção – atuação crítica e humanizada do Sistema de Justiça”, o evento aberto ao público discutiu a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, assim como o dos pretendentes envolvidos no processo da adoção. A palestra contou com a presença de servidores do MPCE, representantes de instituições do Estado e membros da sociedade civil.

O evento teve como palestrante o procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, Sávio Bittencourt, que abordou a importância do processo de adoção e a condição das crianças e adolescentes institucionalizados no País.

Dentre os pontos mencionados por Sávio, está a necessidade dos processos serem realizados de forma mais rápida, um dos principais desafios enfrentados atualmente.

“Não existem famílias perfeitas, mas, mesmo com todos os defeitos, uma família amorosa garante à criança um desenvolvimento saudável, e nós precisamos dar às crianças o direito da família, principalmente as que estão institucionalizadas, que são milhares no Brasil. Esses exames precisam ser mais rápidos, mais céleres para que elas tenham menos traumas em função do seu abandono. A espera indefinida na instituição, que é uma prática recorrente no Brasil, é algo absolutamente inadmissível, e nós precisamos lutar para que isso mude”, destacou.

A partir disso, o procurador Sávio Bittencourt também enfatizou a necessidade de uma autocrítica por parte das instituições que atuam no sistema de garantia de direitos.

O profissional apontou a importância de trabalhar as adoções tardias e inter-raciais, por exemplo, e tratá-las como prioritárias, porém afirmou que também é necessário que os órgãos entendam e analisem a própria atuação no processo.

“Talvez a gente pudesse falar que nós precisamos, no sistema de Justiça, ter uma prática autocrítica, em que cada instituição saiba efetivamente qual o papel que lhe cabe e o que falta cumprir. Nós sempre apontamos o dedo para outros setores do campo adotivo. O sistema deixa de ser autocrítico, porque ele encontra um culpado. Quando se fala em uma postura crítica, é tentar fazer com que todos os setores tenham a capacidade de se criticar, analisar e evoluir. Isso é absolutamente essencial”, disse.

A redução do tempo de espera das crianças e adolescentes acolhidos também foi mencionado pelo promotor de Justiça do MPCE Lucas Azevedo, que mediou o evento.

Lucas, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, mencionou que, em Fortaleza, há somente uma vara que cuida dos casos de adoção, o que demanda a ampliação da equipe de profissionais.

“Como a gente supera isso? Com investimentos na política pública de adoção, principalmente com o maior aparelhamento de estrutura de pessoal e de material do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria. Nós temos apenas uma vara aqui em Fortaleza que cuida dos casos de adoção. Isso não é suficiente. As equipes multidisciplinares que trabalham também em torno dessa temática junto ao sistema de Justiça também contam com um número reduzido de profissionais, precisaria ampliar isso”, afirmou.

Apadrinhamento de crianças e adolescentes

Uma das alternativas apontadas pelo procurador Sávio Bittencourt durante a palestra foi a implantação do apadrinhamento obrigatório. Segundo ele, o programa consiste no pareamento de pessoas que se responsabilizam, aos poucos, por crianças e adolescentes.

A medida já acontece em alguns lugares do Brasil, porém Sávio destaca a importância do apadrinhamento se tornar uma regra para todos os municípios.

“Essas crianças têm direito à referência de um adulto cuidador, que seja referência emocional, que arrume o primeiro emprego. São, geralmente, adolescentes ou crianças mais velhas que podem ser apadrinhados por pessoas dispostas a estabelecer esse vínculo que não é adotivo, mas que tenha algum tipo de cuidado e que serve de referência para quem não tem nenhuma referência”, explicou o procurador.

Para o promotor do MPCE, Lucas Azevedo, a obrigatoriedade do apadrinhamento também seria uma medida interessante e uma forma de atenuar os traumas da institucionalização.

“A criança que está na unidade de acolhimento teria, em alguns dias da semana, um padrinho que a levaria para passear, para ter algum tipo de convivência comunitária e minimamente familiar com aquele padrinho, e isso suavizaria os traumas da institucionalização. Não que nas unidades de acolhimento não exista afeto. Os profissionais que trabalham lá se esforçam muito para dar o afeto possível para aquelas crianças, mas, como é uma unidade coletiva, fica impossível de dar um tratamento individualizado para cada uma daquelas crianças da maneira como elas teriam, por exemplo, dentro de um seio familiar”, detalhou.

 

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