Relatório aponta violência física, psicológica e sexual contra meninas do sistema socioeducativo

Relatório foi feito a partir de uma visita no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa, em Fortaleza, por órgãos ligados a defesa da criança e do adolescente

O relatório feito a partir da inspeção no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa, em Fortaleza, apontou existência de violência física, psicológica e assédio sexual contra meninas sob tutela do sistema socioeducativo do Ceará.

Esse material mostra situações degradantes, como socioeducadores observando garotas tomando banho, além de procedimentos que constrangem as adolescentes, como ir receber shampoo das mãos de socioeducadores homens. A descrição é de garotas algemadas a grades ou uma na outra, colchões sujos e dificuldade para obter absorventes e troca de roupa íntima. 

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A Superintendência do Sistema Socioeducativo afirmou que, após as denúncias, investiu na qualificação dos profissionais e negou insuficiência de produtos de higiene no Centro. O órgão divulgou que um novo centro será construído e o Aldaci Barbosa será desativado. Além disso, a superintendência informou que um novo concurso público garantirá mais socioeducadoras mulheres. 

O relatório foi produzido a partir de uma visita no dia 5 de maio de 2023, que teve o acompanhamento do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH) e do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura (CEPTC), incluindo representantes do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDH-Alece) e do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). O documento foi obtido com exclusividade pelo O POVO

As denúncias recebidas pelos órgãos apontam situações em que alguns socioeducadores ficariam observando o momento que as adolescentes realizam a higiene pessoal. A falta de portas no banheiros dos dormitórios também é algo que retira a intimidade das adolescentes. Por se tratar de uma área exclusiva para o público feminino, há necessidade que apenas socioeducadoras façam o monitoramento nesse momento. 

Conforme as denúncias do relatório, alguns dos socioeducadores usam linguagem violenta com as internas, com palavrões e gritos. Quando as adolescentes revidam, os socioeducadores registram no livro de ocorrência. Por consequência disso, são suspensas as atividades educacionais dessa adolescente. 

Uma das questões citadas pelas adolescentes é de que o material de higiene não é entregue a elas, mas somente na hora do banho. Esse protocolo faz com que as garotas precisem ir até a grade para que seja entregue na mão a quantidade de shampoo. As meninas vão de toalha até a grade e essa entrega é feita por profissionais homens, o que causa constrangimento. As meninas relatam que alguns socioeducadores olham de forma assediadora. 

Essa questão se torna mais constrangedora quando envolve questões de gênero, pois as pessoas que desejam receber calcinhas recebem cuecas e as que querem receber cuecas recebem calcinhas, ou seja, não há um tratamento de acordo com a forma que se identifica cada adolescente. 

Durante a inspeção, as autoridades identificaram uma ala disciplinar conhecida como "tranca", onde as adolescentes estavam sem colchão. O relato das garotas é de que o colchão é entregue somente à noite. Ao verificar o material, os representantes identificaram que os estofados estavam gastos, sujos e com mau cheiro. 

No setor da "tranca", existiria um protocolo de entregar o almoço para uma adolescente por vez, e se uma interna apresentar mau comportamento, as outras não recebem a alimentação.

Recomendações 

Das recomendações realizadas no relatório de inspeção, estão a de proibição da prática de algemar as adolescentes, em razão do artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

A unidade deve assegurar os itens de higiene pessoal, como absorventes, materiais de higiene, e roupas íntimas e quantidade adequadas de acordo com as necessidades de gênero a partir da autodeterminação das internas e internos. 

A recomendação se estende para que a internação das adolescentes gestantes, lactantes e mães ou responsáveis por criança de até 12 anos seja reavaliada para substituição por medida em meio semiaberto. 

Em caso de ações do Grupo de Intervenções Táticas (GIT) ou qualquer uso excepcional da força, a recomendação é para que se faça um registro. Esse registro funcionaria como um controle do uso da força nas unidades  com comunicação ao Ministério Público e Poder Judiciário. 

O relatório aponta a necessidade de contratação de agentes socioeducativas na Unidade Aldaci Barbosa Mota para que haja contingente de maior profissionais mulheres do que homens na unidade. 

E recomenda a elaboração de um protocolo de prevenção à tortura e ao assédio sexual, com a criação de uma comissão permanente composta por servidoras da pasta para definir proteção e respeito a dignidade sexual das socioeducandas. 

Conforme o documento, os atendimentos psicossociais e médicos das adolescentes devem ser realizados com frequência, como orienta o Plano Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes em conflito com a lei em regime de internação provisória. 

Além disso, as questões de igualdade étnico-racial, de gênero e orientação sexual devem se  tornar parte integral do atendimento. 

Seas 

A Superintendência do Sistema Socioeducativo (Seas) informou, por meio de nota, que o Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota é uma referência positiva no atendimento a jovens em cumprimento à medida socioeducativa de internação. "Sua equipe é constantemente capacitada para o atendimento a essas jovens, de acordo com o perfil e realidade do cometimento de atos infracionais", informou. 

Conforme o órgão, sob a gestão da Superintendência houve uma mudança lógica na alteração dos números dos socioeducadores homens que atuam na unidade, sendo que, atualmente, somente 30% do contingente de profissionais socioeducadores são do sexo masculino. 

A Seas afirma que há uma organização para que os agentes não atuem diretamente nas áreas de alojamento das jovens. Depois do relato das denúncias do mês de maio de 2023 foram realizadas uma série de capacitações com as equipes com foco na metodologia de atendimento e revisão das práticas e do cumprimento das portarias de segurança. Uma formação voltada para o uso adequado das algemas. 

De acordo com a Seas, há um protocolo rígido de apurações de todas as denúncias envolvendo o atendimento às jovens do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa com atuação da Defensoria Pública e Poder Judiciário. 

No último ano foram instaurados quatro processos, dos quais, cinco estão em fase de instrução. "Registra-se penalidades aplicadas de desligamento e suspensão de profissionais", aponta. 

Em relação ao caso de responsabilização das jovens após o cometimento de indisciplina, há previsão da atuação de comissão disciplinar. A Seas nega que tenha um alojamento estipulado como "tranca". 

"Foi realizado levantamento institucional à época das denúncias que não há insuficiência nos materiais de higiene pessoal, rouparia e alimentação. " o centro tem gerência das ações em parceria com a gestão compartilhada com uma organização, onde estão garantidos e monitorados todas as entregas dos itens previstos", informou. 

A Seas ainda frisou que foi autorizado a construção de um novo centro socioeducativo para atender o público feminino em Fortaleza e o Aldaci Barbosa será desativado. 

Outra informação é de que houve um anúncio do concurso publico para profissionais do sistema socioeducativo e garantirá mais socioeducadoras mulheres. 

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