Dia da Abolição da Escravatura no Brasil: o que mudou nos últimos 135 anos de Lei Áurea

Professor explica a representação da data que celebra os 135 anos da assinatura da Lei Áurea

Neste sábado, 13, celebra-se nacionalmente o Dia da Abolição da Escravatura. Luta, resistência e liberdade marcam os 135 anos desde a data no ano de 1888, quando — historicamente — a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel, à época, herdeira do trono brasileiro no período regencial. A partir da sanção, foi extinguida a escravidão no Brasil. A decisão, no entanto, foi resultado da mobilização do movimento abolicionista, da sociedade brasileira e, principalmente, dos próprios escravizados.

O professor e pesquisador de história e cultura negra no Ceará, Hilário Ferreira, explica que há três abordagens ao se tratar da data pelo movimento negro: a versão contada a partir do protagonismo branco, a que nega o fim da escravidão e aquela que a entende como um espaço de debate.

A primeira delas, põe a princesa “redentora” como protagonista de um movimento pré-existente ao ato da sanção — que esconde, por sua vez, uma liberdade mascarada de insubordinação de pessoas negras, indígenas e quilombolas escravizadas pelo antigo regime à marginalização.

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“Eu penso que existem três formas de abordagem do 13 de maio, da dita abolição. Uma é a absorção da história oficial que se vê na princesa Isabel — no caso específico do grupo de jovens de classe média, brancos — a responsabilidade por ter abolido a escravidão. Então festejar, acreditar que ocorreu uma abolição, considerando o ponto de vista da pesquisa histórica, a documentação, as condições sócio-históricas da sociedade brasileira no que diz respeito à população negra, mostram que ela não ocorreu”, afirma.

Apesar dos 135 anos que já se passaram desde a abolição ser oficializada, Hilário salienta que “a população negra continua numa situação de extrema desigualdade, continua sendo explorada, o que se observa é justamente a substituição da condição de escravizado para marginalizado". Para ele, assumir esse discurso, portanto, “é negar o protagonismo das lutas dos negros e dá-lo aos brancos. Significa dizer que a luta pela liberdade dos negros seria uma dádiva dos brancos, ou seja, a abolição seria um presente dos brancos para os negros. E nós sabemos que ninguém dá liberdade. A liberdade é conquistada”.

A escravidão realmente acabou?

A segunda abordagem citada pelo professor, a respeito da representação da data, refere-se à negação da celebração do 13 de maio. Ou seja, não se festeja nem se discute o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil, pois é considerado que de nada ela serviu, já que a escravidão ainda prevalece. “Quando você silencia sobre esse fato histórico, você silencia sobre os fatos históricos que promoveram e desencadearam o 13 de maio de 1888”, avalia Hilário.

Vale ressaltar que trabalhos análogos à escravidão ainda são uma dura realidade no Brasil. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no primeiro trimestre deste ano, entre janeiro e o dia 20 de março, 918 trabalhadores foram resgatados em condições semelhantes à de escravidão. Houve uma alta de 124%, em relação aos primeiros três meses do último ano.

O número é recorde para um 1º trimestre em 15 anos, sendo superado apenas pelo total de 2008, quando 1.456 pessoas foram resgatadas. Somente no Ceará são 18 casos neste ano, o que coloca o Estado como líder do Nordeste neste tipo de resgate, empatado com o Maranhão, conforme reportagem do O POVO.

Escravidão como ferramenta de debate

A terceira e última abordagem, contudo, utiliza o momento como espaço de reflexão e de debate. Conforme o pesquisador, esse espaço é importante, “pois traz à tona uma reflexão em que você vê o protagonismo dos negros. As suas formas de luta, de resistência”. E continua: “Quando você traz esse 13 de maio como uma data que merece ser discutida, você a percebe como um processo e não o esgota no ato da princesa, você discute também o 14 de maio, no qual se revela a quebra das correntes e um futuro incerto”.

Quando perguntado sobre quais marcas a abolição da escravatura deixou para o entendimento do que é ser uma pessoa negra no Brasil, Hilário pontuou que algumas das feridas ainda abertas dessas quase três décadas de escravidão, são a marginalidade, o surgimento das favelas, a violência diária e o empobrecimento. “No entanto, a liberdade dessas pessoas e a resistência delas em sobreviver fizeram com que a cultura negra, que é o ponto chave de fortalecimento de sua subjetividade, continuasse viva”, destaca.

De acordo com Hilário Ferreira, para combater a persistente problemática da escravização é necessária a criação de uma política de empregos. “Empregos de qualidade com bons salários para que o povo tenha condições de ter uma moradia decente, para que as pessoas possam viver e não sobreviver. Então essa deveria ser e deve ser a principal alternativa que deve ser incentivada”, conclui o professor.

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