"A ideia do coletivo de trancistas é sindicalizar a classe", declara Priscila Fernandes

Coletivo de trancistas de Fortaleza organiza ação no Dia das Crianças na próxima terça, 12. Crianças que moram no Residencial José Euclides poderão fazer tranças nos cabelos, além de participar de brincadeiras

O coletivo "Trancistas de 4town", idealizado em parte por Priscila Fernandes, 31, já conta com mais de 150 pessoas na Capital. A ideia do grupo é fortalecer os vínculos e, em um futuro próximo, sindicalizar a classe. Como primeira ação do coletivo, Priscila idealizou na próxima terça, 12 de outubro, uma festa para as crianças do Residencial José Euclides Ferreira Gomes, localizado no Jangurussu, às 14 horas.

Além de ofertar brinquedos e pinturas faciais, as trancistas farão de forma gratuita tranças nos cabelos das crianças moradoras. Recentemente, o local foi alvo de uma operação de desocupação de casas por parte de facções. As marcas de tiro nas paredes dividem espaços com grafittis coloridos e painéis de desenho nos muros. Em 2020, o Jangurussu foi o bairro com maior número de assassinatos em Fortaleza.

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O POVO - Como vocês começaram a se organizar?

Priscila Fernandes - A gente tinha vontade de fazer um grupo, e aí aconteceu no Instagram primeiro. Cada uma ia colocando as trancistas que conheciam. O grupo tem mais de 150 trancistas agora e migrou pro WhatsApp. Surgiu porque sentimos a necessidade de nos sindicalizar para ter direito ao básico que todo trabalhador precisa, porque ninguém aguenta fazer isso aqui pra sempre. Eu acho que das que estão no grupo, eu sou a única que ainda não tem nenhuma lesão nos dedos nem nas mãos, mas eu estava ficando viciada em torsilax. A maioria das meninas, às vezes, desmarcam cabelos porque não conseguem fazer um atrás do outro. Começamos a nos organizar há três meses. A nossa primeira experiência vai ser uma ação de Dia das Crianças, a gente vai se reunir de manhã, antes da festinha das crianças, e a ideia é fortalecer a classe. Então, as que estão começando, podem pegar experiência com quem já tem demanda grande e colocar como auxiliar, ajuda quem tá precisando dos dois lados. A gente tá se organizando porque é a gente pela gente. Nós brincamos dizendo que é o "natora braids" [em referência à expressão 'na tora', e braids de tranças, em inglês]. Nós não temos dinheiro pra pagar curso de trancismo, não é menos de R$ 600, e é um preço justo porque realmente é um trabalho difícil.

OP - Existe um motivo para a primeira ser no Dia das Crianças?

Priscila - A ideia surgiu de um diálogo que eu tive com uma mãe preta daqui. Ela é doida pra fazer o cabelo comigo, e eu to juntando aos poucos o material pra fazer o dela. Aí eu tava aqui na calçada fazendo o cabelo da minha vizinha e aí eu falei do evento das crianças, falei que teriam outras trancistas, mas que eu quem ia fazer o cabelo das filhas delas. E ela respondeu dizendo que pela primeira vez as pessoas vão dizer que as filhas delas são bonitas porque ninguém nunca disse isso. Eu disse que as filhas dela são lindas, e as pessoas que são racistas.

OP - Você já ouviu coisas como essas outras vezes?

Priscila - Minha irmã é preta, mas eu ainda passava de branca quando criança e lembro de vê-la recebendo xingamentos pela cor da pele dela. Essa parte aqui da cidade é muito carente de informação, de tudo… alguém tem que fazer alguma coisa. As crianças pretas aqui são chamadas das coisas mais feias possíveis. "Isso não existe", existe! Você não anda é nos lugares que ainda existe, mas existe, é forte e comum. Todo mundo está acostumado. As filhas dessa mulher nunca terem recebido um elogio, por exemplo. Não é normal.

OP - Vocês receberam algum tipo de apoio ou patrocínio?

Priscila - A gente fez uma vaquinha entre nós pra botar acessório e fitas coloridas para colocar nas crianças. As oficinas serão feitas por cada pessoa que traz o material de cada ação que elas vão fazer, como pintura facial. O próximo evento planejado é no dia da Consciência Negra. A intenção é celebração mesmo, não vamos levantar nenhum fundo dessa ação.

 

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Dois dedos de prosa Trancismo Jangurussu

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