Participamos do

Transplantes no Ceará caem 56% entre janeiro e agosto de 2020; 933 pessoas estão na fila de espera

De março a junho houve 117 notificações de mortes encefálicas no Estado, destas 23% foram de pessoas que testaram positivo para a Covid-19, inviabilizando a doação dos órgãos

Impactados diretamente pela pandemia, os transplantes no Ceará caíram 56% em 2020, totalizando 469 procedimentos de janeiro até 28 de agosto. No mesmo intervalo de 2019, o Estado registrou 1.067 transplantes. Além disso, de março a junho deste ano houve 117 notificações de mortes encefálicas — que possibilita a doação de órgãos e tecidos. Porém, destas, 23% foram de pessoas que testaram positivo para a Covid-19, o que inviabilizou a doação.

Atualmente, 933 pessoas esperam por um transplante de órgão ou tecido no Ceará. A Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), fonte dos dados, atribui a redução dos transplantes às medidas sanitárias adotadas diante da gravidade da Covid-19.

Uma nota técnica do Ministério da Saúde (nº 25/2020), lançada em março, recomendou “a suspensão da busca ativa e da captação para doação de tecidos em doador falecido por parada cardiorrespiratória e a realização de transplantes somente em situações de urgência, após investigação laboratorial confirmatória para Sars-CoV-2.”

Seja assinante O POVO+

Tenha acesso a todos os conteúdos exclusivos, colunistas, acessos ilimitados e descontos em lojas, farmácias e muito mais.

Assine

Após a nota, transplantes renais, por exemplo, foram suspensos temporariamente no Ceará. Já transplantes de córnea e de coração eram realizados apenas em regime de urgência, considerando riscos e benefícios ao paciente.

O esforço foi no sentido de manter o programa estadual de transplantes minimamente ativo, mas priorizando a segurança dos receptores, como explica Eliana Régia Barbosa, coordenadora da Central de Transplantes da Sesa.

“A Covid é uma contraindicação absoluta para o transplante. Conseguimos manter ativos transplantes de fígado, principalmente. Não paramos mesmo no período mais crítico do Estado. Houve a diminuição, mas a gente não parou”, garante.

A partir de junho, com a estabilização do quadro epidemiológico no Ceará, houve a retomada dos transplantes renais, assim como normalização nos procedimentos de coração e de córnea. Entre janeiro e agosto, o Estado totalizou 97 doadores de órgãos.

“Temos enorme gratidão pelas famílias que, mesmo diante do impacto da saúde no Brasil e no Ceará, não deixaram de ser solidárias. É um verdadeiro sentimento de solidariedade, de amor ao próximo”, declara Eliana Barbosa.

Vida gerada pela solidariedade

 

O servidor público José Neres dos Santos, 42, fez o transplante de rim no começo de agosto. Na foto, ele aparece ao lado da esposa
O servidor público José Neres dos Santos, 42, fez o transplante de rim no começo de agosto. Na foto, ele aparece ao lado da esposa (Foto: Acervo Pessoal)

Das 933 pessoas na fila de espera por um transplante no Ceará, 692 aguardam por um rim. O servidor público José Neres dos Santos, 42, não imaginou que sua espera por um transplante renal chegaria ao fim em agosto, em meio a uma pandemia, e depois de um ano de expectativas.

"Eu nem acreditei! Nem tava esperando. Quando me ligaram dizendo pra eu ir, fui mas sem acreditar que ia dar certo. Nem deu tempo de sentir medo”, conta. Residente em Beberibe, a 86 km, José vinha sendo acompanhado desde 2018 pelo Hospital Geral De Fortaleza (HGF), além de receber tratamento numa clínica em Cascavel, mais próxima de onde mora.

Há quatro anos, ele foi diagnosticado com Glomeruloesclerose segmentar e focal (Gesf ou GSF), doença crônica que paralisa as funções de filtragem dos rins, e depois que o tratamento à base de corticoides não resultou em melhoras, José passou fazer hemodiálise em 2019.

No mesmo período entrou na fila de espera por um rim, tendo no transplante a última saída. “Me sinto bem com um rim novo funcionando porque antes o corpo ficava cansado, debilitado. Hoje parece que nem sou transplantado”, afirma o homem, que se recupera bem depois de passar pela cirurgia que lhe deu um novo rim e uma qualidade de vida renovada.

“É um gesto nobre que não custa nada, apesar de ter muita resistência. É algo extraordinário e é privilégio ser doador para beneficiar outras pessoas que estão precisando. Agradeço muito por esse gesto que não tenho palavras para descrever”, conclui, referindo gratidão à família do doador, que ele desconhece.

Setembro Verde busca conscientização 

 

Assim como José esperou, Cleidiane Gomes Matos, 27, moradora de Itapajé, a 126 km de Fortaleza, está no aguardo por um transplante de rim. Ela descobriu que tinha lúpus em 2015, no entanto, entrou na lista de espera para receber um órgão no começo de setembro deste ano, mês dedicado à conscientização para doação de órgãos com a campanha Setembro Verde.

“Sair da rotina da hemodiálise já seria uma vitória grande, o transplante me daria uma boa qualidade de vida. Irei conseguir. A espera tem me deixado muito ansiosa. É um dia após o outro na expectativa, sabendo que pode demorar meses ou anos, mas é tudo no tempo de Deus”, acredita.

Cleidiane também realiza acompanhamento no HGF. Para poder ser listada na fila, ela precisou passar por uma bateria de exames que durou quase um ano. O lúpus provoca inflamação nos pequenos vasos responsáveis por filtrar as toxinas do organismo, fazendo o rim deixar de funcionar normalmente e levando a sintomas como pressão alta ou dor constante nas articulações.

Só no HGF, 315 pacientes aguardam por um transplante de rim, 60 pacientes estão inscritos para receber um transplante de fígado e seis pacientes esperam transplantes duplos de pâncreas e rim.

Com objetivo de tentar agilizar essa lista de espera, a Sesa tem trabalhado em parceria com entidades como a Associação Cearense dos Pacientes Hepáticos e Transplantados (Acephet).

A ideia é disseminar a conscientização sobre a importância da doação de órgãos e da informação correta às famílias. Neste ano, a campanha Setembro Verde deve se concentrar principalmente nas redes sociais por conta da pandemia.

Suzana Nascimento, coordenadora de eventos e ações sociais da Acephet e membro da diretoria, relata que a organização atua há 17 anos nos hospitais da Cidade realizando trabalhos preventivos como testagem rápida para hepatites B e C (doenças que podem evoluir para cirrose e, depois, para a necessidade de transplante), palestras informativas e assistência aos transplantados de fígado, bem como às suas famílias.

“Um doador pode salvar até 15 vidas. Com aqueles órgãos que iam se perder, outras pessoas podem viver. No ato da doação, não se está salvando só aquela vida, mas preservando a vida do ente querido que se foi. O órgão está vivendo em outra pessoa”, atenta Nascimento.

Uma série de atividades está sendo programada pela Acephet para o Setembro Verde. Entre elas, está um abraço coletivo à distância na Praia de Iracema, substituindo a tradicional caminhada, que ocorre todos os anos.

Entenda como funciona a doação de órgãos e tecidos no Brasil

 

Qualquer pessoa pode ser doadora em vida, desde que concorde com a doação e que não prejudique a sua própria saúde. O doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão. Pela lei, parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, só com autorização judicial.

A realização de transplantes ou enxerto de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizadas pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde (SUS).

A retirada “pós-morte” de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.

Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue à família ou responsáveis legais para sepultamento.

Saiba como entrar em contato com as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT)/ Organização por Procura de Órgãos e Tecidos (OPO) no Ceará.

Fonte: Ministério da Saúde e Secretaria da Saúde do Estado (Sesa)

 

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar