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Memórias de um decano do Jornalismo Caririense

Huberto Cabral, 83, é jornalista e memorialista. Natural do Crato, dedicou 70 anos ao Jornalismo e em 1963 ingressou no quadro de correspondentes O POVO no Cariri
09:38 | Jan. 07, 2020
Autor Luciano Cesário
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Tipo Notícia

Em uma tarde de sábado, no dia 07 de janeiro de 1928, os cearenses acabavam de conhecer a primeira edição do mais novo periódico impresso do Estado. Fundado sob os auspícios de confrontar desonestos e assegurar grito aos cidadãos silenciados, o Jornal O POVO, hoje com 92 anos de existência, preserva com fidedignidade a sua essência jornalística plural que o fez ser reconhecido como o veículo de comunicação de maior credibilidade no Ceará.

A construção da respeitabilidade do público e das autoridades para com este periódico quase secular passa pelas mãos dos seus inúmeros colaboradores, espalhados por todas as regiões do Ceará e em várias partes do Brasil. A trajetória de alguns desses profissionais no jornalismo se confunde com a história do O POVO.

Esse é o caso do jornalista e memorialista Francisco Huberto Esmeraldo Cabral, natural do Crato, hoje com 83 anos de vida, dos quais 70 foram dedicados ao ofício jornalístico. Iniciou sua carreira ainda adolescente, na década de 1950, como editor de um periódico local. Nos anos seguintes atuou no rádio e escreveu para jornais e revistas regionais.

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Em 1963, ingressou no quadro de correspondentes do O POVO, onde permaneceu até 1973. Durante uma década, Huberto Cabral reportou nas páginas do jornal os principais acontecimentos do Cariri, a segunda região mais rica do Ceará, também lembrada pelo tradicionalismo cultural e força religiosa.

Hoje com sete décadas de profissão, ele ainda atua como repórter especial da Rádio Educadora, administrada pela Diocese do Crato. Em entrevista ao O POVO, o decano do jornalismo caririense relembrou episódios memoráveis da época em que escreveu para este jornal.

Conhecido por ter uma memória bastante apurada, motivo pelo qual é chamado por alguns de “enciclopédia viva do Cariri”, o jornalista recapitulou momentos emblemáticos de sua trajetória no O POVO. O mais simbólico deles, como relatou, foi no dia em que ele se escondeu na floresta e driblou seguranças para entrar no avião presidencial e conseguir um furo jornalístico, em pleno regime militar.

Ele relatou ainda curiosidades a respeito do modus operandi da produção jornalística em uma época sem tantos aparatos tecnológicos e comentou sobre as inovações implantadas nos últimos anos pelo Grupo de Comunicação O POVO em diferentes plataformas.

Confira entrevista com o jornalista e memorialista Francisco Huberto Esmeraldo Cabral

OP - Sem as ferramentas tecnológicas de hoje, de que forma as matérias eram enviadas para a sede do jornal, em Fortaleza, na época em que o senhor era correspondente?

Huberto Cabral - Eu encaminhava as matérias para Fortaleza através dos Correios, Rede Ferroviária Federal (RFFSA), ônibus ou aviões. Sempre tinha alguém para receber na rodoviária, na estação de trem ou no aeroporto. Escrevia todos os textos na minha máquina de datilografia, que uso até hoje. Quando a encomenda chegava, os editores transcreviam a matéria para ser impressa nas páginas do jornal.

OP - Qual comparativo o senhor faz desse tempo com os dias atuais?

Huberto Cabral - Houve muitos avanços proporcionados pela tecnologia. Imagine a diferença de enviar um texto para alguém em Fortaleza por celular e fazer o mesmo por um trem. Todo esse sistema que eu era acostumado não existe mais. Hoje, felizmente, prevalece a modernidade. Tudo se tornou mais fácil.

OP - Houve, então, uma mudança estrutural no jornalismo?

Huberto Cabral - Sim. Prova disso é o próprio O POVO. Começou no impresso, depois se expandiu para rádio, TV e online. É um grupo pioneiro, que sabe se adaptar às transformações.

OP - O senhor foi correspondente durante o regime militar, período marcado por censura e restrição de liberdades. Como foi exercer o jornalismo nessa época?

Huberto Cabral - Trabalhei normalmente na época da revolução (militar). Nunca recebi censura. Sempre tive o cuidado necessário para evitar qualquer tipo de restrição. Durante a revolução, fiz a cobertura da visita de dois presidentes militares ao Cariri, Castello Branco e Ernesto Geisel.

OP - Algo lhe marcou, em especial, nestas coberturas de visitas presidenciais?

Huberto Cabral - Tem um episódio que eu lembro como se fosse hoje. Foi em junho de 1964, na primeira visita do presidente Castello Branco ao Ceará, no Crato. A cidade estava tomada por uns 200 jornalistas do Nordeste, de outras regiões do Brasil e até do exterior. Todo mundo queria ouvir a mensagem do presidente militar nos primeiros dias da revolução. Eu me preparei para pegar aquele furo. Fiquei horas escondido na Floresta Nacional do Araripe, ao lado do Aeroporto Nossa Senhora de Fátima, no Crato, hoje já desativado. Eu estava com um gravador. Quando o avião pousou, corri e me escondi embaixo da escada dos passageiros. Quando a escada desceu, agi com muita rapidez e subi até chegar à porta. Quem abriu (a porta) foi uma aeromoça. Ela ficou assustada, perguntando quem eu era e pra onde eu iria. Respondi: ‘Depois lhe digo. Agora estou muito apressado, vou ali falar com o presidente’. Ela ficou estática. Eu não perdi tempo, parti direto pra cabine. Abri a porta e dei de cara com o Castello Branco. Assim que ele me viu, me reconheceu.

OP - Então já tinham se visto antes? Onde?

Huberto Cabral - Sim. Ele já tinha vindo para o Crato em 1953 para participar das comemorações do centenário da cidade. Naquela época ele era o comandante da 10ª Região Militar, que incluía o Ceará, Piauí e Maranhão. Entrevistei ele durante essa visita, por isso ele me reconheceu.

OP - E o que o senhor o perguntou quando ficou frente a frente com ele?

Huberto Cabral - Eu disse que queria uma mensagem para o Crato e para o Ceará, porque era a primeira visita que ele fazia como Presidente da República ao nosso Estado. Colhi o depoimento. Depois desci correndo do avião em direção ao carro e fui como uma bala para a rádio (Educadora). Depois, enquanto a mensagem rodava no ar, os outros jornalistas ainda esperavam o início de uma entrevista coletiva. Naquele mesmo dia eu enviei a matéria escrita para o jornal O POVO.

OP - Além dessa, o senhor também fez outras coberturas de visitas presidenciais…

Huberto Cabral - Nossa região sempre foi bem visitada pelos presidentes. Lembro de ter entrevistado Juscelino Kubitschek em janeiro de 1961, durante a inauguração do açude de Orós. Mais tarde, em 1976, também entrevistei o Ernesto Geisel, que participou da inauguração do mercado central de Juazeiro do Norte. Em 1986, entrevistei o Sarney na inauguração do Memorial Padre Cícero. Mais recente, entrevistei o Fernando Henrique, em 1996, e o Lula, em 2004, na visita às obras da transnordestina e transposição.

OP - O senhor é conhecido como a “enciclopédia viva do Cariri”, por ter na ponta da língua datas e detalhes dos principais acontecimentos da região. O que considera a respeito desse reconhecimento?

Huberto Cabral - Bom, desde os meus oito anos que eu venho acompanhando todos esses fatos importantes na nossa região. Participo de muitos eventos. Lembro ainda da primeira exposição (Expocrato), em 1944. Sempre guardo tudo anotado. As revistas, jornais, fita cassete, livros, fotos… tudo que tenho acesso. Faço isso mais pra levar a história para o povo e para a imprensa.

Homenagens

A preocupação do jornalista em documentar os fatos que ajudam a explicar a história do Cariri lhe rendeu a mais alta titulação acadêmica que pode ser conferida por uma universidade. Em março do ano passado, Huberto Cabral foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Regional do Cariri (Urca), após sugestão do Departamento de História e aprovação do Conselho Superior da Universidade (Consuni). A homenagem reconhece o jornalista como uma espécie de “guardião da história do Cariri”, sendo fonte de conhecimento indispensável para a imprensa e pesquisadores que se debruçam sobre os acontecimentos históricos da região no século passado.

Modesto, Cabral diz não saber o motivo de tamanho reconhecimento. “Até hoje eu não sei a causa dessa honra. Eu considero que essa seja uma homenagem a toda a imprensa do Cariri. Eu agradeço muito e a estendo a todos os meus colegas”, declara.

Em 2014, o jornalista foi um dos homenageados no álbum comemorativo dos 250 anos do município do Crato, lançado pela fundação Demócrito Rocha, que leva o nome do fundador do Jornal O POVO. No documento, Cabral é retratado como “testemunha vida do Cariri”. O reconhecimento está a altura da admiração que ele nutre pelo periódico. “Colaborar com O POVO foi para mim uma honra das maiores na profissão. O maior arquivo da imprensa do Ceará está no O POVO”, afirma.

O jornalista ressalta ainda a característica multiplataforma do Grupo O POVO de Comunicação. “Nasceu como jornal impresso, mas ocupa hoje espaços importantes no rádio, televisão e digital, se tornando um grande sistema de comunicação”, reitera.

Ainda com as mudanças recentes no jornalismo, provocadas pelo advento de novas ferramentas tecnológicas, Cabral considera que o Jornal O POVO se mantém coeso na essência da atividade jornalística: “informar para formar”, frisa, acrescentando que ao longo dos 92 anos de existência, o periódico “cumpre a sua missão e nunca deixará de ser um veículo da maior expressão e necessidade social”.

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