O poder de doar: como a solidariedade transforma o cérebro de quem doa
Estudos revelam que atitudes generosas ativam áreas ligadas ao prazer e reduzem o estresse. Para quem doa, a recompensa vai muito além do gesto
14:03 | Set. 13, 2025
Por muito tempo, acreditou-se que a solidariedade era apenas um gesto nobre, guiado por princípios morais ou religiosos. Hoje, estudos sobre o cérebro humano revelam que o ato de doar não transforma apenas realidades externas, mas o próprio cérebro do doador.
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Com cerca de 86 bilhões de neurônios e trilhões de conexões sinápticas, o cérebro sempre foi um enigma. Mas, nos últimos anos, tornou-se protagonista de estudos que revelam algo surpreendente: quando doamos, somos mais felizes. É o que mostra um estudo de Harvard. As pessoas preferem ter a opção de contribuir e gostam de ver os resultados de suas doações.
A neurocientista Mellanie Fontes explica: "O cérebro é programado para cooperar. Quando doamos, sentimos um reforço interno positivo que incentiva esse comportamento."
Esse sentimento é vivido na prática por Cristina Sales, de 52 anos, que conta como o ato de doar transformou sua maneira de ver a vida. "Quando faço uma doação, me sinto mais leve e feliz. Não é só ajudar o próximo, é uma sensação boa que retorna para nós. E o melhor é que nunca falta. Sempre tem algo para doar ou alguém querendo ajudar. Doar, para mim, virou parte da vida."
O que Cristina talvez não soubesse é que, no momento em que fez a doação, seu cérebro estava produzindo dopamina e ocitocina, substâncias ligadas ao prazer, à empatia e ao vínculo social.
O cérebro do doador
Não é apenas uma impressão: quem doa pode, de fato, se sentir melhor. Segundo a neurocientista Mellanie Fontes, o ato de doar ativa áreas do cérebro associadas ao prazer, à empatia e à motivação. "Quando alguém faz uma doação, as chamadas vias mesolímbicas são ativadas, ligadas à recompensa e ao bem-estar", explica.
Além disso, estruturas como o córtex pré-frontal, o córtex cingulado e a ínsula (ligadas à tomada de decisões e ao processamento afetivo) também entram em ação. Essa atividade cerebral pode gerar sensações positivas, como leveza, alegria e até felicidade.
Há a liberação de substâncias como dopamina, ocitocina, serotonina e endorfinas, que ajudam a construir essas sensações. Pesquisas também indicam que quem pratica ações solidárias pode ter redução na percepção de estresse e sintomas de depressão, além de apresentar maior bem-estar psicológico.
A empatia, base da maioria dos atos de doação, também pode ser desenvolvida ao longo do tempo. "A ciência já demonstrou que comportamentos pró-sociais podem ser treinados. Nosso cérebro tem essa capacidade de se adaptar, é o que chamamos de neuroplasticidade. Em suma, ao fazer o bem, o cérebro também recebe. E parece aprender a repetir."
Brasil ocupa 86º lugar no ranking mundial de solidariedade
Apesar de ser conhecido por sua cultura acolhedora e acolhedora, o Brasil ainda ocupa uma posição modesta no cenário mundial da solidariedade. De acordo com o World Giving Index 2024, que avalia a generosidade em 142 países, o Brasil aparece em 86º lugar.
A pesquisa, realizada anualmente pela organização britânica Charities Aid Foundation, considera três pilares do comportamento solidário: a disposição de ajudar estranhos, o voluntariado e a doação de dinheiro. No Brasil, a ação mais comum continua sendo ajudar estranhos: 65% dos entrevistados disseram já ter ajudado alguém que não conheciam.
O país ainda está longe do auge da solidariedade vivido em 2022, ano marcado pelo impacto da pandemia da Covid-19, quando os índices de ajuda espontânea e colaboração coletiva bateram recordes. O Brasil ficou entre os 20 países mais solidários do mundo ;
As doações contribuem 100% para o funcionamento das instituições
Irmã Conceição, presidente do Lar Amigos de Jesus, em Fortaleza, vê em primeira mão o impacto da solidariedade. A instituição acolhe crianças e jovens com câncer do interior do Ceará e de outros estados. Todos os recursos que sustentam o lar vêm de doações.
"A pessoa que doa se sente útil, importante. Isso aumenta a autoestima. É um gesto espiritualizado", diz a irmã. Segundo ela, a doação mais valiosa é aquela que envolve presença: "Quando as crianças recebem visitas, elas se sentem amadas, se sentem vistas. A doação pode ir além do material, do financeiro... uma pessoa, quando vai para a instituição, sai de lá mais feliz do que quando chegou."
A irmã observa que a disposição para doar aumentou. "As pessoas estão mais atentas ao que acontece no mundo. Percebemos que também podemos ajudar aqueles ao nosso redor. E eles querem fazer a diferença, todos só têm a ganhar com essa atitude."
Quero ajudar, mas não sei como
Você já quis fazer algo por alguém, mas ficou preso porque não sabia por onde começar? Isso é mais comum do que parece. A boa notícia é que fazer doações pode ser mais simples do que você imagina.
Comece identificando causas com as quais você se identifica, como educação, saúde, meio ambiente ou proteção animal. Em seguida, procure instituições sérias que atuem nessa área, muitas delas perto de você, como no seu bairro ou na sua cidade.
Além disso, a doação pode ir além de valores financeiros. Você pode contribuir com roupas, alimentos, livros, material escolar ou com algo ainda mais precioso: seu tempo. Ser voluntário, oferecer habilidades, participar de ações ou simplesmente estar presente já impacta positivamente comunidades inteiras e você também colhe bons frutos para sua vida pessoal.
Plataformas como Benfeitoria , Vakinha e sites confiáveis podem ser bons pontos de partida. Qualquer ajuda, por menor que pareça, faz a diferença tanto para quem recebe quanto para quem doa.
Setembro Verde: IJF é referência na captação de órgãos e tecidos para transplantes no Ceará
Segundo a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), de janeiro a 1º de setembro de 2025, a Saúde do Ceará já realizou 1.378 transplantes de órgãos e tecidos. Desse total, 38% dos órgãos captados foram provenientes do Instituto Dr. José Frota (IJF), o que o coloca entre as principais instituições do país que contribuem para o Sistema Nacional de Transplantes (SNT).
Somente entre janeiro e agosto deste ano, o hospital registrou 108 procedimentos de doação de sangue, número que se soma às 197 doações realizadas em 2024. O alto índice de aceitação familiar também chama a atenção: 84% em 2024, bem acima da média nacional, que é de 54%.
O resultado é atribuído ao trabalho da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Ácidos para Transplantes (CIHDOTT), que atua em parceria com as equipes assistenciais, oferecendo acolhimento humano e apoio às famílias no momento da decisão.
No contexto do Setembro Verde, a FIJ realiza a campanha "A vida renasce quando você doa: cultive a esperança", que inclui grupos de discussão, palestras e encontros externos para mobilizar a sociedade em torno do tema. A doação pode ocorrer em vida, sem prejuízo à saúde do doador, ou após a morte, em casos de morte encefálica, conforme previsto em lei. Na FIJ, os principais órgãos captados são fígado, rins e córneas, além de pulmões, coração e pâncreas em situações específicas.
Segundo o Ministério da Saúde, mais de 78 mil pessoas aguardam na fila para um transplante no Brasil. Rim, fígado e córnea estão entre os órgãos mais procurados.