SC: Advogada é repreendida por desembargador por estar com filha de 6 meses em sessão plenária

Desembargador paralisou sessão para repreender advogada pelos resmungos da bebê na sessão e questionou a ética profissional da mulher

Durante uma sessão plenária, a advogada Malu Borges Nunes foi repreendida pelo presidente da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), o desembargador Elci Simões, por estar com a filha, uma bebê de seis meses, presente na videoconferência. A situação aconteceu na manhã de segunda-feira, 22.

Um vídeo que repercutiu nas redes sociais mostra o momento em que o desembargador repreende a advogada devido aos resmungos da bebê ao fundo.

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A criança estava sendo amamentada no colo da mãe, que trabalhava em regime home office, quando Elci Simões paralisou a sessão, afirmando que o barulho da pequena estava atrapalhando a concentração na sessão.

“Eu queria pedir para a doutora Malu que... quebra o silêncio das sessões do tribunal, interferências outras na sala em que a senhora está. Isso prejudica os colegas. Não deixe que outras interferências, barulhos, venham atrapalhar nossa sessão porque é uma sessão no tribunal, não pode ter cachorro latindo, criança chorando. Se a senhora tiver uma criança, coloque no lugar adequado. São barulhos que tiram a nossa concentração. A senhora precisa ver a ética da advogada”, disse Simões.

Então, a advogada Malu Borges responde: “Ok, excelência, agradeço a compreensão”.

Repercussão nas redes sociais

Nas redes sociais, o caso foi impulsionado, por um lado, com críticas à atitude do desembargador e, por outro, com apoio à repressão dele, considerando a seriedade de sessões do gênero.

Nesta quarta-feira, 24, a advogada publicou um vídeo em seu perfil no Instagram se posicionando sobre o ocorrido.

“Que o ocorrido traga à tona, mais uma vez, um assunto que merece atenção: a igualdade, respeito e atenção não somente das mulheres, mas sobretudo das mães. Ser mulher na sociedade não é tarefa fácil, imaginem para as mães em um ambiente 'dominado' por homens”, declara em publicação.

Mais de 60 processos estavam na pauta do dia para serem debatidos na sessão. A advogada atuava em apenas três deles.

No vídeo, Malu conta ainda que havia solicitado preferência legal na sessão plenária, mas não foi acatada.

“O desrespeito ocorre não somente quando não temos a preferência legal respeitada, mas quando duvidam da nossa capacidade intelectual; quando falam que temos que nos virar, pois a escolha da maternidade foi nossa; quando jogam nas nossas costas uma responsabilidade que não é nossa, apenas pq nossas condições e prioridades mudaram”, pontuou Malu.

Conforme o artigo primeiro da Lei Nº 10.048, as pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário.

Confira as notas na íntegra:

Advogada Malu Borges Nunes

"Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/ tripla jornada sem qualquer tipo de apoio.

A minha realidade é a de milhões de brasileiras - trabalhadora e mãe. Obviamente que se eu tivesse uma opção melhor para deixar a minha filha (que acabou de completar 6 meses e depende de mim para tudo) enquanto eu trabalho eu aderiria, pois, a maior prejudicada sou eu, que trabalho os 3 turnos para dar conta da quantidade de tarefas.

Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo. O triste episódio ocorrido no TJAM – não somente quanto a fala do Desembargador Elci, mas também quanto a falta de respeito a minha preferência legal (lactante) - infelizmente somente comprova, mais uma vez, o machismo estrutural da nossa sociedade.

Isso porque, ao passo que eu fui condenada por estar com uma bebê resmungando (não chorando) na sessão, há uma semana um pai advogado teve preferência no seu processo no STJ por estar com o seu filho de 1 ano presente (matéria de repercussão nacional, inclusive). Mesmo diante da falta de compreensão com minha situação, continuarei sustentando amamentando ou com a minha filha próxima, que é o local adequado para ela."

OAB-SC


"A OAB Santa Catarina vem a público repudiar a atitude do desembargador Elci Simões, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que repreendeu a advogada da Grande Florianópolis Malu Borges Nunes, inscritas nos quadros da Seccional, por causa do choro de seu filho durante julgamento realizada por videoconferência nesta segunda-feira (22/8).

Em vídeo compartilhado por veículo de comunicação é possível assistir trecho da sessão da 2ª câmara Cível do TJAM no qual o magistrado afirma que o choro da criança, que estava no colo da advogada, tira a concentração. "É uma sessão do Tribunal, não pode ter cachorro latindo e criança chorando. Então, se tiver alguma criança coloque em um lugar adequado para não atrapalhar a realização das nossas sessões", afirmou o magistrado.

A OAB/SC manifesta solidariedade à advogada e mãe Malu Borges Nunes pelo constrangimento enfrentado quando do exercício da advocacia, que teve ainda a ética questionada diante do ocorrido. A Seccional catarinense também reforça a importância da Recomendação n. 94/21, expedida pelo CNJ a pedido da OAB/SC, e de sua transformação em resolução, de modo a manter e aprimorar as gravações das audiências judiciais e sessões de julgamento no País, contribuindo, assim, para o combate ao desrespeito às prerrogativas da profissão.

Conquistas como essa e a própria Lei Julia Matos (Lei nº 13.363/16), que assegura uma série de garantias às mulheres advogadas, sobretudo às gestantes e mães, são imprescindíveis para a dignidade da advocacia feminina, que representa cerca de 50% da classe e, portanto, deve ter seus direitos e suas necessidades respeitadas."

OAB-AM

"A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SECCIONAL AMAZONAS, por meio da sua Diretoria e da Comissão Permanente da Mulher Advogada, vem a público manifestar apoio e solidariedade à Dra. MALU BORGES NUNES, advogada, inscrita na OAB/AM sob o nº A1516, pelos transtornos e constrangimento vivenciados quando em exercício de seu dever legal durante a sessão de julgamento ocorrida na manhã desta segunda-feira (22/08), por videoconferência, presidida pelo Desembargador Elci Simões de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

O advento das audiências virtuais possibilitou a muitas mães advogadas, como a profissional ora apoiada, exercer a advocacia com plenitude que, em outros tempos, poderiam tão somente exercer a maternidade.

Sobre a equivocada afirmação do desembargador de que "é preciso ver a ética da advogada", deve ser esclarecido que a Dra. MALU BORGES NUNES, ao participar de uma sessão remota de julgamento no TJ/AM, dentro de sua residência e ao lado de sua filha, não cometeu qualquer infração disciplinar e nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da OAB.

A OAB/AM ressalta a importância da sustentação oral, direito de todo profissional da advocacia. O que ocorreu no referido julgamento é a realidade da mãe profissional autônoma que também não tem como controlar o choro de uma criança ou exigir dela o silêncio, fato que expõe a necessidade de conscientização sobre a maternidade e a vida profissional.

A construção de uma sociedade igualitária exige a inclusão e respeito às condições de cada indivíduo e é uma tarefa de todos, sendo objetivo norteador desta Seccional.

O mercado jurídico evoluiu. Todavia, a maternidade ainda é uma estranha fissura em nossa sociedade. Assim, a OAB/AM repudia a posição do Desembargador Elci Simões de Oliveira em face da advogada, que não descumpriu sua ética profissional, e apenas exerceu legalmente o seu mister."

 

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