Já ouviu ou fez um julgamento disfarçado de elogio? Saiba o que é microviolência cotidiana
"A pessoa até acha que ela está fazendo um elogio para outra pessoa, não tendo a intenção de ferir, mas acaba ferindo bastante", alerta especialista
Palavras têm a capacidade de gerar impactos positivos e negativos nas pessoas. Algumas expressões cotidianas e fortemente enraizadas em algumas culturas, que costumam ser proferidas como elogios disfarçados de críticas ou julgamentos, por exemplo, podem ser consideradas microviolências para quem as recebe, mesmo quando ditas com a melhor das intenções.
Assim, microviolências são falas do cotidiano que vão, de alguma forma, passar pelos preconceitos existentes na sociedade, como o machismo, a homofobia, o racismo e outros, sendo evidenciados em falas que parecem não representar uma imagem de violência do ponto de vista de quem as fala. Vivian Rio Stella, doutora em linguística e especialista em comunicação, explica sobre o impacto delas.
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"São expressões cotidianas, automatizadas e naturalizadas que nem sempre têm a intenção de ferir, mas tangenciam e tematizam os preconceitos enraizados na sociedade [...] A pessoa até acha que ela está fazendo um elogio para outra pessoa, não tendo a intenção de ferir, mas acaba ferindo bastante. São coisas muito do nosso viés inconsciente, muito automatizado", explica a especialista.
Ela cita alguns exemplos de microviolências: “Você está ótima para a sua idade, nem parece que você tem mais de 40 anos”, "Nossa, seu sotaque é tão lindo. Fala mais um pouquinho, eu adoro esse sotaque" ou, ainda, "Tão bonito para ser gay". Segundo Vivian, são expressões naturalizadas que, além de conter preconceitos disfarçados, podem ferir quem as recebe.
"A diferença da microagressão para a agressão é que na agressão, eu te xingo, te menosprezo e te desqualifico por ser mulher, negro ou homossexual. Na microagressão, no fundo, a gente faz uma piada, tira um sarro, faz um elogio velado de 'coitada por ser assim'. Ela não é uma violência física, é verbal e está muito enraizada a tal ponto que a gente não percebe", esclarece a especialista.
Vivian exemplifica: "Já ouvi um relato de uma mulher que era de uma equipe e estava acompanhando colegas de trabalho. O diretor a apresentou dizendo que ela tinha ido para embelezar a reunião. No fundo, a intenção dele foi elogiá-la como bonita, mas ela se sentiu muito desqualificada, afinal, a questão da beleza não deveria estar em jogo já que ela faz parte da equipe".
É preciso mostrar descontentamento
Ainda, as microviolências podem ser evidenciadas e recebidas não somente no local de trabalho, mas em situações diversas do cotidiano e até em casa. A especialista alerta para a importância das pessoas que recebem microagressões se posicionarem de forma a deixar evidenciado um descontentamento, com o intuito de mostrar que certas falas e expressões devem ser evitadas.
"Se a gente quer ser realmente empático, precisamos ficar atentos a essas microagressões. Também precisamos entender que esse mundo é muito complexo, e se a gente ficar no que era naturalizado antes, a gente não evolui. Podemos nos atentar às palavras, questionarmos também se certas colocações procedem nos dias de hoje, se são frutos do seu preconceito, da sua história e do seu repertório", pontua Vivian.
A especialista completa: "Para quem sofre microagressão, é importante se pronunciar quando achar conveniente e necessário. Não precisa policiar tudo e qualquer coisa, mas é importante sinalizar com empatia, sendo aplicada dos dois lados, para dizer que algo feriu ou reforçou algum preconceito [...] O papel de quem sofre a microagressão é dizer que a microviolência fere".
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