Caminhos da Reportagem fala hoje sobre o cronista das ruas João do Rio

Um século depois da morte de João do Rio, o escritor e jornalista é lembrado por ter desvendado a alma das ruas cariocas. “A rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais niveladora das obras humanas”, escreveu em “A alma encantadora das ruas”. O Caminhos da Reportagem sobre João do Rio vai ao ar neste domingo (20), às 20h, na TV Brasil.

Ao mesmo tempo em que foi uma testemunha da época em que viveu (de 1881 até 1921), deixou uma obra que continua atual. “Se daqui a cem anos alguém tiver que tentar entender como era a cidade do Rio de Janeiro vai ter que recorrer a João do Rio. Mas não só como era, como ela é hoje com todas as suas belezas, desafios, desgraças e danações”, afirma o escritor e historiador Luiz Antonio Simas.

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Luiz Antonio Simas lê trecho de A alma encantadora das ruas- TV Brasil/Caminhos da Reportagem

João do Rio é o pseudônimo mais conhecido de João Paulo Barreto, que começou a trabalhar na imprensa aos 16 anos e morreu aos 39 anos, no auge da carreira, de forma repentina, enquanto se deslocava num táxi. É mais famoso pelas crônicas, mas também escreveu romance, peça de teatro, ensaio, entrevista e reportagem.

Ele integrou a boemia carioca no período da belle époque. O Rio de Janeiro era ainda a capital do país e tentava deixar para trás o passado colonial português para se tornar uma metrópole nos moldes parisienses. A reforma urbana conduzida pelo prefeito Pereira Passos, que ganhou o apelido de “bota-abaixo”, promoveu a demolição de centenas de imóveis antigos que deram espaço a novas construções. A inauguração da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, foi o símbolo dessa empreitada que buscava alavancar a civilização e o progresso.

Avenida Central- TV Brasil/Caminhos da Reportagem

Os textos de João do Rio retratam as luzes e sombras da modernidade que se pretendia alcançar, analisa a antropóloga Julia O’Donnell. “A modernidade não é feita só dos brilhos, ela é feita também das áreas opacas, das partes que são esquecidas por ela. O João Paulo Barreto, na figura do João do Rio, captou os dois lados dessa moeda chamada modernidade mostrando como essas transformações impactaram diferentes grupos sociais”, explica a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Os personagens de João do Rio eram principalmente as pessoas que ganhavam a vida nas ruas, como músicos ambulantes, estivadores, carroceiros, tatuadores, prostitutas, vendedores de livros, pessoas sem teto, entre outras. Gente como a artesã Vera Abílio, de 69 anos, que dorme nas calçadas da Cinelândia, região central do Rio, há seis anos e faz toucas de crochê para vender no outono e no inverno. “Estas com as cores do Bob Marley têm muita procura”, diz ela à reportagem.

Vera Lúcia vende toucas no centro do Rio - TV Brasil/Caminhos da Reportagem

A professora de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marialva Barbosa, conta que naquele momento fazer carreira nas redações era uma forma de conquistar o público e ingressar na literatura. Os jornais estavam se profissionalizando, tornando-se “fábricas de notícias”, diz Barbosa. Foi quando surgiu a figura do repórter, que acompanhava os acontecimentos cotidianos da cidade e fazia entrevistas.

Uma série de reportagens de João do Rio sobre as religiões praticadas na cidade fez dobrar a tiragem da Gazeta de Notícias, onde ele trabalhava, e depois virou um dos livros mais conhecidos do escritor. João Carlos Rodrigues, autor da biografia “João do Rio, vida, paixão e obra”, diz que foi “um dos primeiros best sellers brasileiros”.

Rodrigues ressalta, porém, que apesar de ser muito popular e ter conseguido uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, João do Rio sofreu preconceito por ser negro, obeso e homossexual. Quando tentou entrar para a diplomacia brasileira, a cor da pele foi um empecilho, segundo o historiador Antonio Edmilson Martins Rodrigues. “O Brasil não podia ter um embaixador ou um diplomata negro. Isso diante do espetáculo da modernidade, que é um espetáculo branco”, afirma.

Para a professora Marialva Barbosa, “quando você vê um sujeito que pertence ao grupo dos excluídos ter sucesso no Rio de Janeiro do início do século passado, você está falando desses excluídos da história que têm reverberação no mundo de hoje.” Este é outro motivo pelo qual a obra de João do Rio desperta interesse.

A íntegra do Caminhos da Reportagem fica disponível no site do programa.

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