"Fiquei cinco meses confinada, eu nem jantava de tanto cansaço", lembra babá

Leia relato de mulher que trabalhava até 12h por dia, sem ter folga, pois os patrões tinham medo do coronavírus

Durante cinco meses, Isabela* pouco viu, senão a casa principal dos patrões, o quarto onde dormia, o mercado da vizinhança e a praia - quando era hora de levar as crianças, filhas dos chefes, para passear. Trabalhava, em média, 12 horas por dia, mas não tinha folga. Era babá, mas também limpava, cozinhava e fazia outros serviços domésticos. “Ficamos esse tempo todo e eu não tinha folga. Eles me colocaram tanto medo”, recorda.

Nos cinco meses em que ficou confinada numa casa em Praia do Forte, com os patrões e os filhos deles, Isabela sempre tinha hora para acordar - nunca depois das 7h. Nunca sabia, no entanto, quando ia dormir. “À noite, eu nem jantava, de tanto cansaço. Eu sentia muito cansaço, bastante dores nas costas”, lembra.

Em março do ano passado, os patrões tinham pedido que ela fosse, com eles, até Praia do Forte, onde cumpririam isolamento social. Isabela deveria ir com eles, pois, como disseram, tinham medo de que ela se contaminasse pela covid-19. Só no final de julho ela pediu demissão. Hoje, está empregada como babá numa casa em que pode voltar para casa.

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A história de Isabela foi relatada por ela, primeiro, por e-mail. Ela nos escreveu no dia 22 de abril, depois de ler as reportagens do CORREIO sobre empregadas confinadas e o pedido do jornal de que mulheres na mesma situação fizessem denúncias. "Para não ficar desempregada, tive que ficar com eles de março até final de julho", denunciou, de primeira. O restante da rotina ela detalhou por telefone, numa segunda conversa.

O relato de Isabela surgiu na caixa de e-mails na mesma semana em que Roberta* deixou um comentário nas redes sociais do jornal. Detalhes, endereços e personagens mudavam, mas o roteiro permanecia o mesmo: mulher, negra, empregada doméstica, que havia, por necessidade, aceitado cumprir confinamento no serviço. Roberta ficou três meses sem ir em casa, longe dos dois filhos e marido.

Inúmeras mulheres também nos deixaram mensagens, mas não aceitaram dar entrevistas. As história de Isabela, relatada por ela a seguir, e de Roberta podem dar indícios do que o silêncio daquelas que não aceitaram falar esconde.

Leia o relato na íntegra:

"No início da pandemia, ano passado, eu estava trabalhando com uma família que reside no bairro do Horto Florestal, e eles decidiram passar a quarenta em Praia do Forte. Para não ficar desempregada, tive que ficar com eles de março até final de julho. Eu era babá dos filhos deles. Antes, eu dormia de segunda a sexta no trabalho e folgava no final de semana. Mas eles falaram que eu ia que ter que ir com eles, para não pegar nada, que seria bom para mim. Nem tive muito o que pensar.

Quando cheguei lá na casa de praia, o quarto que eu dormia não era bem um quarto. A outra funcionária chamava de depósito porque só tinha um beliche e um monte de bagunça. Em dias de chuvas era horrível, porque para sair do quarto, eu me molhava.

A gente ficou esse tempo todo e não tinha folga. Depois de um mês, eu já não estava aguentando mais. Eles falavam que eu não podia sair. Mas, eles voltavam para Salvador e eu não podia voltar. Eu ficava sozinha no trabalho.

À noite, eu nem jantava, de tanto cansaço. No primeiro mês, a minha ex-patroa cozinhava e eu limpava a casa. Mas, imagine uma casa enorme para uma pessoa só...

O dia mais difícil que eu passei lá foi meu aniversário e o Dia das Mães, porque eu queria muito ver minha mãe. No meu aniversário, eu fiquei lá, mas mais nada.

Quando eu tomei coragem para pedir demissão, foi maravilhoso. Eu já estava tão cheia de ter passado por aquilo tudo. Eles falaram tanta coisa, me colocaram tanto medo, que eu poderia pegar covid se saísse, que nem pensei, eu só aceitei. Mas, chegou um momento que ficou insustentável. Não tinha conforto e eu estava o tempo todo disponível. Eu tinha hora para acordar, mas não tinha hora para dormir. Eram umas 12 horas de trabalho por dia nesses cinco meses e eu ganhava R$ 1,2 mil.

Hoje estou em outro emprego e aqui também teve uma situação parecida com minha colega de trabalho, ela ficou em quarentena com os patrões ano passado durante três meses, num quarto super abafado, com um ventiladorzinho no chão.

Não tem nem duas semanas que eu peguei covid-19 do meu patrão. Ele teve, pagou meu exame e mais nada. Aí eu fiquei 10 dias em casa, sozinha. Ele colocou a culpa na outra babá, mas ele sai normal e o teste dela deu negativo".

*Nomes alterados a pedido das fontes.

Do Jornal Correio 24 horas via Rede Nordeste.

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