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Gravação de aulas e liberdade do professor: há limites para atuação em sala de aula? Veja os argumentos

Há quem defenda a gravação para acompanhamento dos conteúdos ou ainda para inibir suposta doutrinação em sala de aula. Por outro lado, há quem fale em perseguição aos professores. Confira argumentos dos dois lados
12:30 | Mai. 03, 2019
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O presidente Jair Bolsonaro (PSL) publicou, em sua conta oficial no Twitter, um vídeo em que uma aluna questiona sua professora por expor suas opiniões sobre o escritor Olavo de Carvalho durante aula. Na legenda, Bolsonaro afirma que "professor tem que ensinar e não doutrinar". As imagens não têm data ou local especificados.

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No vídeo, a estudante questiona a professora de Gramática que teria dedicado 25 minutos da aula para expor opinião política partidária, segundo a estudante. A gravação termina quando Tamires fala que irá gravar e expor todas as aulas da professora na Internet. "Você não pode", responde a professora. "Posso. A senhora não pode entrar aqui e falar o que a senhora quiser. Eu estou pagando pela aula de gramática", replica a aluna.

A prática tem gerado controvérsias. Há quem defenda a gravação para acompanhamento dos conteúdos ou ainda para inibir suposta doutrinação em sala de aula. Por outro lado, há quem fale em perseguição aos professores. 

Liberdade de cátedra

Gerardo Vasconcelos, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, afirma que liberdade de cátedra “é a liberdade de pensamento garantida pela Constituição aos professores considerando todo o tempo de pesquisa e dedicação ao assunto”.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura essa liberdade em seu artigo 206, segundo o qual o ensino será ministrado com base nos princípios de “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e de “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas”. A Lei De Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu artigo terceiro, reafirma essas liberdades.

Para Vasconcelos, “a liberdade de cátedra é inegociável e deve ser preservada” - ainda mais diante do clima de “caça às bruxas” que tem se formado na educação brasileira. “Toda aula tem um objetivo a ser cumprido, mas não há como determinar os que os professores devem dizer. Ao mesmo tempo, os alunos podem e devem discordar dos professores mantendo os debate saudáveis”, explica.

Escola Sem Partido

A deputada Dra. Silvana (PR), autora do projeto de lei Escola sem Partido que iniciou tramitação na Assembleia Legislativa do Ceará, defende que as salas de aula são ambientes de transmissão de saber e que “não há limite para a difusão do saber dentro de padrões éticos e da responsabilidade moral do aluno e do professor”.

Sobre a possibilidade de aulas serem filmadas, a deputada chama atenção que esse deve ser “o último recurso para coibir abusos”. Para ela, alunos que se sentirem prejudicados pela “ação militante de professor que não ensina” podem gravar as aulas, pois “o exercício professoral é público”.

Pluralidade

O professor Alessandro Carvalho, do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará (Apeoc), afirma que “a escola precisa de diferentes opiniões e da discussão”. “A escola deve ser um espaço de amplo debate para garantir o direito do aluno a ter acesso a diversas opiniões sem constrangimentos”, opina.

Para Carvalho, tanto professores quanto alunos devem ter “a possibilidade da liberdade de pesquisa e de ensino”. Ele afirma que “quando há gravações para intimidar, retira-se essa liberdade”.

O que está na lei

O advogado Carlos Studart afirma o aluno não poderia filmar sem autorização do professor. “Existe nesses casos a questão do direito constitucional que assegura que são invioláveis a intimidade, vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, afirma, em alusão ao artigo 5º, inciso X da Constituição Federal.

De acordo com o advogado, as aulas dos professores recebem, ainda, o respaldo legal do artigo 5º, inciso XXVII, que fala da proteção ao conteúdo intelectual. Casos esses direitos sejam violados, é assegurado o direito a danos materiais ou morais. Studart ressalta que no Ceará existe uma lei estadual que proíbe o uso de eletrônicos em sala de aula.

Escola sem partido

Já o movimento Escola Sem Partido defende que a prática de filmar as aulas é legal e faz parte do acompanhamento pedagógico da educação pelas famílias. Em sua rede social oficial, o movimento se define como uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras.

Um comunicado do Escola sem Partido sobre o direito de gravar aulas, publicado em outubro de 2018, afirma que “nada impede o estudante de gravar suas aulas (ou seus pais de fazê-lo por seu intermédio)”. A publicação cita a Constituição Federal para alegar que “qualquer proibição nesse sentido teria de ser imposta por meio de lei”.

Em março deste ano, o movimento divulgou um modelo de petição para "garantir o direito de gravar aulas". No documento,afirma que diversos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente estariam sendo desrespeitados por “professores ativistas" que "abusam da audiência cativa dos alunos para promover suas próprias convicções e preferências ideológicas", especialmente as de "gênero, religiosas e morais".

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