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Projeto de lei defende que mulheres façam laqueadura sem precisar da autorização do marido

Lei que define a necessidade da autorização tem mais de 20 anos. O projeto do senador Randolfe Rodrigues pretende mudar também a regra para a vasectomia
13:59 | Jan. 29, 2019
Autor Alexia Vieira
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Tipo Notícia

Procedimento cirúrgico solicitado por mulheres que não desejam mais engravidar, a laqueadura é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. No entanto, é preciso estar dentro de alguns critérios para conseguir realizar o processo de ligação de trompas, como ter mais de 25 anos, pelo menos dois filhos e, em caso de união estável, a autorização do parceiro. Projeto de lei de 2018 do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP) pretende revogar a necessidade da assinatura do cônjuge para a realização da cirurgia na rede pública de saúde.

De acordo com a proposta, o casal deve decidir livremente questões de concepção. “A concordância do casal sobre o assunto é até moralmente recomendável, mas deve ficar a seu próprio e livre critério decidir o que fazer dentro da sociedade conjugal, sem a necessidade de demonstração ao Poder Público”, diz o texto. A alteração na lei, se aceita, valeria também para cirurgias de vasectomia, nas quais o homem faz a esterilização para não ter mais filhos e, atualmente, também precisa da autorização da esposa.

Para a diretora clínica e ginecologista da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), Zenilda Bruno, a mudança tem fundamento. “Hoje, muitas mulheres são mães solteiras e os casamentos nem chegam a ser oficializados”, afirma. A médica explica que atualmente, quando uma mulher solicita a laqueadura, ela é levada para uma reunião com uma assistente social que explica o processo e as consequências dele. É também informada a necessidade da assinatura do casal no termo de consentimento.

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Mesmo sem estar casada, Jenifre de Morais Lima, 46, precisou levar o namorado como testemunha durante a sessão com a assistência social do Hospital Geral Dr. César Cals, em Fortaleza, onde fazia o pré-natal. A dona de casa estava se preparando para o parto cesárea do terceiro filho. Como já tinha mais de 40 anos e estava na terceira gravidez, optou por fazer a laqueadura. Jenifre e o parceiro assinaram o termo muitos dias antes do parto. “E ainda assim o médico me perguntou outra vez durante a cirurgia se eu realmente queria”.

Os procedimentos de laqueadura só devem acontecer durante o parto, como o de Jenifre, se a paciente já tiver feito muitas cesarianas ou se a possibilidade de uma próxima cirurgia apresentar riscos. É o que diz a Portaria nº 48, de 11 de fevereiro de 1999, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. O documento também prevê que a mulher só possa fazer a nova cirurgia após 42 dias do parto ou aborto.

No projeto de lei de Randolfe, é proposto que essas restrições sejam flexibilizadas. De acordo com o senador, esperar mais de 42 dias para fazer outro procedimento prejudica a vida da mulher, pois gera necessidade de nova internação e afastamento do recém-nascido. Ele defende que a cirurgia possa ser feita durante o pós-parto, ainda na mesma internação da cesariana.

Zenilda lembra que a legislação vigente foi feita para proteger a mulher de fazer uma cesariana desnecessária. “Antes dessa lei, muitas mulheres que poderiam fazer o parto normal marcavam a cesárea apenas para ligar as trompas. Isso tem riscos, é um procedimento cirúrgico complicado”, explica. A médica teme que a mudança do projeto de lei aumente os números de cesarianas no Brasil, que já é um dos países com mais cirurgias desse tipo, segundo ela. Entretanto, o senador especifica que os processos devem ser distintos, justamente para não estimular mais partos do tipo.

Em tramitação desde março de 2018, o projeto de lei deve ser votado pela Comissão de Assuntos Sociais. Se não for apresentado recurso pelos senadores, a lei vai direto para sessão da Câmara dos Deputados, sem ser votada em plenário anteriormente.

Como é o procedimento

A laqueadura bloqueia as trompas uterinas e impede que o encontro do espermatozóide com o óvulo ocorra. O procedimento é irreversível e tira a capacidade reprodutiva da mulher definitivamente, na maioria dos casos.

A médica Zenilda Bruno atenta para o fato de que existem outros métodos de longa duração que são reversíveis, como o DIU, e dão mais segurança para quem acha que pode mudar de ideia no futuro. Além disso, a ginecologista explica que, mesmo sem possibilidade gravidez, é necessário usar camisinha para evitar doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis, gonorréia e HIV.

Foram feitas 67.525 ligações de trompas em 2018 no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde. No Ceará, foram 3.636 laqueduras de janeiro à novembro do ano passado, informou a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).

Alexia Vieira

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