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Espelho da violência: a criminalidade como causa da evasão escolar

A falta de acompanhamento e oportunidades, a baixa autoestima e a atração pelo "dinheiro fácil" são fatores considerados por especialistas
16:00 | Jul. 20, 2018
Autor Lucas Braga
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Lucas Braga Repórter do O POVO Online
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Tipo Notícia
Referências e influências do ambiente impactam na qualidade do aprendizado. É o que, unanimemente, destacam especialistas ouvidos pelo O POVO Online. A sala de aula acaba sendo palco de reprodução das visões, costumes e experiências. O que compõe os alunos é levado à relação com o estudo. 
 
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Em Manaus, crianças imitam tornozeleiras eletrônicas com relógios de plástico, conforme O POVO Online noticiou no último dia 11. Assim como elas, adolescentes enxergam em criminosos exemplo a seguir, dizem professores. A falta de oportunidades, acompanhamento e autoestima reduzem os horizontes. A evasão escolar ou a infrequência então é consequência. 
 
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"Famílias desestruturadas pela criminalidade; facções e rixas são parte. Já presenciei inúmeros casos de alunos que vão à escola drogados, casos de ‘aviões’ (espécie de contínuos do tráfico), violência familiar… Eles crescem num ambiente impossível de se desenvolver de uma forma saudável", avalia Carol Wilson, professora efetiva de escola da rede estadual de ensino, no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza.

Ela frisa a realidade da periferia e da docência em bairros periféricos, refutando o discurso da meritocracia. “É a exceção da exceção. Em meio aos caos, não nasce jardim: a criminalidade impera e aquilo é naturalizado duma forma impressionante”, testemunha a professora.

Para Carol, o sistema educacional “falho e antigo” não compreende os contextos socioeconômicos e psicológicos do aluno. “Posso avaliar esse aluno da mesma forma que um aluno com privilégios financeiros? Assim, ele tira nota baixa, é penalizado e se frustra”.

Caminho
Números do último Censo Escolar mostram evasão de 2% nos anos iniciais (Educação Básica) e 6% nos anos finais, no Ceará. O dado é do Ministério da Educação (MEC). 
 
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Até chegar ao ponto de abandonar a escola, há o aliciamento pelo crime, as tentativas sem sucesso de emprego e aprendizagem, as “obrigações” familiares, dentre outros fatores. “O aluno se acostuma a receber ‘nãos’ e acreditar que não é capaz de passar de ano, de passar no vestibular, de conseguir um emprego”, completa Carol.

Sônia Dias, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de implementação da Fundação Itaú Social, acrescenta que as condições socioeconômicas antecipam a ida dos jovens ao trabalho, principalmente em regiões agrícolas ou quando o quadro familiar demanda cuidados a crianças menores, enfermos ou idosos.

"Este fator é mais grave para crianças ou adolescentes do sexo feminino. Dentre outros inúmeros fatores, a saída (paulatina) deste estudante da escola provoca atraso, prejuízos no aprendizado e, consequentemente, ele ou ela não consegue mais acompanhar o conteúdo. Se sente prejudicado e abandona a escola", analisa Sônia. 

Janelas
Secretário adjunto da Educação de Fortaleza, Jefferson Maia dá o exemplo de Fortaleza, a quarta maior rede municipal de ensino do País, com 215 mil estudantes, sendo quase 140 mil deles crianças de até 10 anos.

"Quanto mais a criança está no âmbito escolar, mais evita-se a exposição à violência. Em 2018, 30% da nossa rede já tem ampliação da jornada", diz Jefferson. Além das escolas de tempo integral, outras têm atividades no contraturno com os programas Protécnico e Mais Educação, por exemplo.
 
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A rede municipal tem, desde o ano passado, sistema de acompanhamento e intervenção na frequência escolar. Ao identificar mudanças na assiduidade, há pesquisa de causa e posterior acompanhamento "mais criterioso" do aluno. Ainda de acordo com Jefferson, esta foi uma das estratégias para reduzir a taxa de abandono escolar a 1,4%, a menor da série histórica da rede municipal.

Além disso, na rotina escolar, o secretário pontua as iniciativas de formação de professores para mediação de conflitos; estímulo da cultura de paz; e núcleo de mediação escolar e prevenção à violência. São 13 as escolas municipais embaixadoras da paz, no Bom Jardim, Jangurussu, Curió, Genibaú, Vicente Pinzón, dentre outros bairros. O número deve dobrar no segundo semestre de 2018.
 
Estado 
Já nas 723 escolas da rede estadual, a Secretaria da Educação (Seduc) informou, por nota, que busca garantir oportunidades de iniciação no mercado de trabalho por meio dos estágios, da aprendizagem e de qualificação profissional, de desenvolvimento de habilidades de pesquisa científica, artístico-culturais e esportivas. A pasta salientou iniciativas:
 
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Dos 184 municípios, 94 têm Escolas Estaduais de Educação Profissional. No terceiro ano, há acesso a estágio remunerado a todos os 15 mil alunos. Já Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral possibilitam a escolha de um terço da jornada complementar a gosto do aluno. 

Ainda há nove iniciativas no conjunto de ações de política de desenvolvimento de Competências Socioemocionais: Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS); Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT); Juventude em Ação; Psicólogos Educacionais; Mediação Social e Cultura de Paz; Educação, Gênero e Sexualidade na Escola; Aprendizagem Cooperativa; Comunidade de aprendizagem; Projeto de Vida e Mundo do Trabalho.
  
Iniciativas não governamentais também fomentam iniciativas contra a evasão, violência doméstica, trabalho infantil e uso e tráfico de drogas. “Meninas e meninos submetidos a situações como essas são privados de uma infância plena, do direito de brincar, essenciais ao seu desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social. Esses aspectos impactam diretamente na construção de uma vida saudável”, ratifica Camila Feldberg, gerente de Fomento do Itaú Social, .

Coordenadora de implementação, Sônia Dias destaca as ações da Fundação Itaú Social. Em 2018, seis projetos do Ceará receberam quase R$ 1 milhão em recursos por meio deste edital.
 
Em Acaraú, o Projeto ELO de Saberes, do Instituto da Infância, atua na proteção social e na oferta de atividades educativas para melhoria de aprendizagem e o desenvolvimento integral. Mil crianças e adolescentes de 3 a 16 anos são atendidas. As famílias recebem orientação para prevenção do trabalho infantil e adoção de práticas de acompanhamento e apoio à trajetória escolar.

Em Morrinhos, o Projeto Juventude Viva atende 380 adolescentes de 12 a 16 anos com o objetivo de prevenir a violência e melhorar o desempenho escolar. A evasão, consequência da exploração do trabalho, tráfico e uso de drogas, é um dos principais problemas identificados.

Em Orós, o Projeto Aprendendo com Arte atende 200 crianças e adolescentes de 7 a 17 anos, vítimas de violações de direitos. Elas têm acesso a oficinas de artes, tecnologia e capoeira. As famílias recebem visitas domiciliares e participam de encontros sobre o assunto.

O Projeto Arte e Cultura em Harmonia, em Jijoca de Jericoacoara, trabalha na proteção de crianças e adolescentes em situações de risco, incentivando a frequência e o desempenho escolar. Aproximadamente 300 crianças e adolescentes de 3 a 17 anos atendidos participam de atividades de arte, recreação e educação.

A inclusão social de crianças com deficiência é o foco do Projeto Gente que Brilha: Todos pela Inclusão, em Forquilha. A iniciativa é realizada pela Apae Forquilha com cerca de 120 meninas e meninos de 0 a 18 anos, por meio de atividades esportivas, de dança e de artes visuais.

Em Beberibe, o Projeto Circo Multicor atua no combate ao racismo na infância por meio de vivências e intervenções artísticas e literárias, mobilizando 1.400 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos para a valorização da cultura negra. 
 

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