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Vida Alves dedicada à televisão brasileira

A atriz faleceu há uma semana, 3 de janeiro, em decorrência de falência múltipla dos órgãos, aos 88 anos
14:57 | Jan. 10, 2017
Autor Isabel Costa
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Tipo Notícia
[FOTO1] Vida Alves fez história ao interpretar o primeiro beijo em telenovelas brasileiras. A contribuição dela para a teledramaturgia e o entretenimento, entretanto, foi muito além disso. Trabalhou como diretora, produtora e apresentadora. Dedicou os últimos anos de vida à Associação de Profissionais de Televisão (Pró-TV), com sede em São Paulo, entidade mantenedora do Museu da Televisão Brasileira. A morte da atriz - na terça-feira, 3 de janeiro, aos 88 anos – foi sentida por fãs, novos e antigos, que lamentaram nas redes sociais. Hospitalizada desde a semana anterior ao óbito, ela foi vítima de falência múltipla de órgãos. 

[SAIBAMAIS]
A entrevista a seguir, feita em setembro de 2015, permaneceu inédita até agora. É uma das últimas conversas da atriz com jornalistas. E falou sobre história da televisão, acesso, qualidade e originalidade das produções atuais. Vida Alves diz ainda há espaço para a televisão no cotidiano das pessoas e que, atualmente, falta coragem para realizar produções mais criativas. A entrevista foi conduzida pelo jornalista Fernando Vasconcelos Benevides e aconteceu no escritório da residência onde ela morava, no bairro Sumaré, São Paulo, mesmo local onde funciona o Museu da Televisão Brasileira. 

O POVO - De que forma a Senhora avalia a qualidade do que é produzido hoje na televisão brasileira?
Vida Alves - Rumores de que íamos ter televisão em São Paulo. Quarta do mundo, primeira da América Latina. Trouxeram nas suas bagagens, então tinham uns, e o Chateaubriand comprou, segundo um técnico responsável me disse, 20 televisores. O Lima Duarte fala 200, então não sei o número exato. Eu continuo falando 20 porque Jorge Edo, que foi quem foi comprar o material para a televisão, me disse 20 e em cima da hora, 10 dias antes, 15 dias antes da inauguração. Falou 20. Mas, enfim...Fazia-se então uma programação pra quem? Classe A. Hoje, fomos democratizando e crescendo e crescendo e crescendo... Fazemos televisão pra quem? 

O POVO - Principalmente as classes C e D?
Vida Alves - Classes C e D. Ou seja, popularizou-se, aumentou o número de televisores. Popularizou-se de forma que falar errado é engraçado e eles, os produtores, querem vender, não querem inovar ou educar. Querem vender. Por isso, eu brinco: “televisão, por favor, pode preencher o meu coração, ele tem espaço, pode preencher o meu cérebro, porque tem espaço”. Embora eu já li até hoje, neste ano, 42 livros, mas ainda tem espaço. Há muita coisa da modernidade que eu não sei. Agora, não encham o meu saco. Eu falo para a televisão, eu e o aparelho: “não encham o meu saco”. Quando eu vejo uma cena em que alguém coloca umas gotinhas na bebida do outro... Tem em todas as novelas. Não tem uma novela que não tenha uma cena dessa. Ou seja, a cabeça dos... Falei isso para o Silvio de Abreu. Até me arrependi. Fui fazer uma gravação com ele, e falei. “Estou cheia Silvio, arranja uma coisa melhor”. Ele falou: “tá difícil, Vida, porque os bons saíram”. Saíram... Saiu Benedito Ruy Barbosa... Está saindo quase todos os bons. Então, são os novatos. Desculpe que você é um novato. Você tem 25? 

O POVO - 26 anos...
Vida Alves - Acertei. Tem cara de menos. Mas, enfim, adivinha quanto eu tenho. 

O POVO - 80 e...
Vida Alves - ... e sete. Eu falo assim mesmo, tem espaço no cérebro, no coração. Encheram já o meu saco com as mesmas artimanhas. Os programas humorísticos então? Cadê o Chico? Não só o Chico. Cadê os grandes humoristas? Cadê eles? O que tema gora? Ou seja, só importa pra eles faturar. Faturam, devem faturar. Mas, que tem a coisa consistente, não tem.

O POVO - Uma frase famosa do Chacrinha diz que, “na TV, nada se cria, tudo se copia”. A TV de hoje não conseguiu copiar o que era bom antes?
Vida Alves - Só copiou. Só copiou. Com a diferença de que nós, receosos da nossa incompetência... Porque, Cassiano Gabus Mendes tinha 22 anos quando era di-re-tor (enfatizou). O que é um diretor? Ele tem que fazer a programação. “Quero isso, não quero isso. Faço assim, não faço assado”. E ao mesmo tempo era diretor do switcher, ou seja, ele estava em todos, ele trabalhava o dia inteiro. Ele era competente, mas, receoso de que não escrevesse coisas boas, obrigava que fossem bons os textos. Então, todos queriam mostrar competência. Por isso, veio a Tatiana (Belink) e lançou o Sítio do Pica Pau. Esse foi um que continuou, esse programa, mas foi lançado em 1950. Ou seja, todos nós tínhamos necessidade de sermos bons, não de sermos aptos. Aptos não éramos, então buscávamos companhias intelectuais. 

O POVO - Muitos programas brasileiros hoje são cópias de países estrangeiros. Falta criatividade para criar produções ?
Vida Alves – Falta coragem. “Deu certo nos Estados Unidos, deve dá certo aqui”. Eu estive nos Estados Unidos, assisti a um programa uma vez. Mas, fiquei boba de ver um programa em que havia sorteio no meio do cantor. Isso eu acho raro. O cantor estava cantando, de repente, aparecia “agora vamos sortear não sei o que lá, não sei o que lá...” Continuava o coitado cantando. Se isso é bom, me perdoem. Não conheço muito a programação americana. Mas, o que eu vi não gostei. Agora, dentre as nossas emissoras, ainda, a melhor é a Globo. Então, eu vejo bastante jornal e vejo novela (enfatiza). Pra xingar, mas vejo. 

O POVO - Profissionais de televisão como eu são muito cobrados a mostrar um diferencial. Como conseguir esse diferencial na televisão?
Vida Alves - Assistindo muito. Assistindo... Há bons jornalistas. É o que há de melhor na televisão atualmente. Eu fui jornalista uns quatro anos da televisão. Na televisão, não havia nenhum jornal à tarde. Até que a Tupi lançou “Edição Extra” ao meio dia e meia, e faziam o Maurício Loureiro Gama, que foi o primeiro apresentador, junto com o José Carlos de Morais. Acontece que veio a Revolução de 64 não sei o porquê. O Maurício tirou o José Carlos, que tinha o apelido de Tico-tico. Fazia grandes reportagens. Fazia grandes... Segurava o papa pelo cangote se preciso. Era capaz de entrar no carro do presidente dos Estados Unidos para entrevistá-lo. Esse era o Tico-tico. Ele saiu. Aí, me lembro que eu estava no estúdio da Tupi fazendo teleteatro, e ele (Maurício Gama) me chamou. Eu fui até o corredor. Ele falou: “Vida, você poderia fazer isso no lugar do Tico-tico? Ele vai sair. Você tem que escrever uma crônica, uma página, porque deve ter três minutos no máximo e ler”. Era lido, não tinha teleprompter. Eu falei: “Sim”. Sem ganhar nada. Lá fui eu, no dia seguinte. Escrevia, levava - tinha carro - até a Tupi. Eles mandavam pra sede na Rua Sete de Abril, onde era a sede dos Diários Associados, e o jornalismo centralizado lá. Então, eles corrigiam o meu script e mandavam, inseriam no script geral, e eu ia, meio dia e meia, estava lá, no estúdio. Ou seja, tenho uma vida rica. Por isso, eu digo: eu não posso julgar a televisão porque eu tive uma vida mais rica do que 100% ou do que 80%, sei lá. Eu conheci pessoalmente cinco presidentes da República. Eu tive uma vida mais rica e sou “trabalhadeira”. Estou aí, você me pegou trabalhando. Ao todo, são sete colaboradores  (na Pró-TV). Sendo que eu, como presidente, pelo estatuto que eu mesma fiz e corrigi, não posso ganhar nada. Então, sou a mais dura deles. E o meu neto brinca comigo. Eu falo que eu era quase rica, tinha casa, casa na praia, casa no campo, um barco de 12 metros na represa. Então, depois, com a Associação, eu fui pra classe B, classe C, estou chegando na D, e o meu neto fala: “não reclama Vó, o abecedário é grande”.

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