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Entre escombros e reconstruções

Exposição no Rio de Janeiro ocupa espaços da Torre H, prédio projetado por Oscar Niemeyer que foi abandonado ainda durante incompleto
18:33 | Jun. 16, 2016
Autor Marcos Sampaio
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Marcos Sampaio Editor-adjunto e crítico de música do caderno Vida&Arte
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Tipo Notícia
Há mais de 30 anos, duas torres imensas compõem a paisagem da avenida das Américas, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Uma delas chama-se Charles de Gaulle, ou torre A, e abriga dezenas de famílias em seus 36 andares. Logo ao lado, a Abraham Lincoln, ou torre H, permanece como um retrato desbotado e sem vida, apesar do porte imponente. 

Nessa construção, iniciada em 1970 e interrompida 14 anos depois, foi montada a exposição Permanências e Destruições, em cartaz até o próximo domingo, 19. Parte do programa de arte pública da Oi Futuro, a mostra reuniu nove nomes das artes plásticas para ocuparem diversos espaços da construção inacabada. A ideia é discutir o uso do espaço público, a relação das pessoas com sua cidade e como dar novos sentidos às áreas urbanas.

A subida pelos 37 andares (incluindo o terraço) é feita por escada, já que o elevador não foi concluído. Cercadas por paredes cruas, poças de água e pela inspiradora paisagem da Barra, obras estão dispostas em oito andares. No entanto, como a própria torre faz parte da obra, é preciso ir subindo para descobrir o que cada artista projetou para local. Antes de começar a jornada degraus acima, logo no térreo, Daniel Albuquerque transformou uma coluna em um cigarro aceso, com direito a cinzeiro.

A próxima parada é no 9º andar, onde Daniel reuniu imagens de inscrições e desenhos tirados dos próprios apartamentos, como se fossem pinturas rupestres. “Ele promove uma espécie de arqueologia sensível do espaço”, explica João Paulo Quintella, curador da exposição. Seguindo no percurso de poeira e materiais de construção abandonados, no 20°, uma das obras de Angelo Venosa consiste em um túnel de pano tensionado que guia o olhar do público da porta até a paisagem de montanhas da Barra da Tijuca, como se fosse possível esquecer toda a destruição ao redor.

Os 16 degraus que separam cada andar da torre H tornam-se um desafio à medida que a mostra vai ganhando altura. Mas é chegando ao 35° andar que encontramos uma oca montada por Anton Steenbock, que abriga uma projeção em vídeo. Mais uma subida pelo piso irregular do prédio, e a dupla This Land Is Your Land – formada por Ines Linke e Louise Ganz – expõe no 36° andar sua obra que discute o uso e cuidado com as águas em uma metrópole. 

A última e mais atordoante parada é no 37° andar, o terraço. Sendo ainda o prédio mais alto da Barra da Tijuca, a torre H oferece uma visão privilegiada do cenário de natureza tomado por construções modernas. Pois foi ali em cima que Igor Vidor montou uma cama elástica para aumentar ainda mais a sensação acrofobia dos visitantes. “A intenção era levar adiante a experiência do subir. Também queria falar sobre a falência do corpo, já que você chega aqui bem cansado”, explica o artista que também pensou em montar uma academia no local. 

O espaço
 
É impossível passar pela avenida das Américas e não ter o olhar atraído pelas duas torres que deveriam integrar o imenso Athaydeville. O idealizador do empreendimento foi Múcio Athayde, mineiro de Montes Claros, dono da Desenvolvimento Engenharia. O projeto original previa mais de 70 torres cilíndricas com projeto urbanístico de Lúcio Costa e arquitetura de Oscar Niemeyer. No entanto, uma série de problemas tomou conta dessa “Brasília carioca”, que foi passando por sucessivos atrasos. Do megaprojeto, ficaram duas torres prontas e um esqueleto inacabado.

“A obra nunca parou, continua em manutenção”, explica o engenheiro Heraldo Araújo, responsável pelo empreendimento desde 1969. Ele acrescenta que, para entregar a torre H só faltava finalizar o térreo e a urbanização, com playground e estacionamento. São 13 apartamentos por andar, cada um com 37 m² divididos entre sala, quarto, banheiro e cozinha. Todas as unidades chegaram a ter pias, mas boa parte delas foi saqueada. O prédio também foi alvo de invasão ao longo de uma semana e hoje é cuidado por uma associação de moradores presidida por Heraldo. É ele quem conta que Múcio deixou o projeto quando começou a ter problemas com demência e esquizofrenia. Hoje, dessa cidade que iria ser construída em um dos bairros mais caros do Brasil, sobrou uma pálida lembrança de janelas ocas vidros quebrados.

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