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Missa pelos mortos no Campo de Concentração de Senador Pompeu completa 39 anos

Caminhada e missa reverenciam a memória de retirantes das secas presos e mortos no Campo de Concentração da Barragem de Patu, em Senador Pompeu, no Ceará. Evento ocorre desde 1982
19:12 | Nov. 14, 2021
Autor Demitri Túlio
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Demitri Túlio Repórter investigativo
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Tipo Notícia

Moradores de Senador Pompeu, município do Semiárido cearense distante 302 km de Fortaleza, reverenciaram pelo 39º ano as “almas dos retirantes da seca de 1932”. Povo que, sem ter o que beber e o que comer por causa da seca daquele ano e de outras estiagens severas, foram detidos em uma espécie de campo de concentração de famintos no entorno da barragem de Patu. Teve mais uma vez caminhada pela Caatinga e uma missa pelos que morreram ali. Não é certo o número de sedentos e esfomeados mortos. Uns cravam 1.637, outros estimam de 4 mil a 10 mil óbitos.

Durante uma 1h40min da manhã de domingo, pelo menos 2 mil pessoas caminharam 5 quilômetros lembrando a travessia de quem deixava a casa e, sozinho ou com a família, buscavam chegar à Capital Fortaleza. A deste domingo saiu da igreja Matriz de Senador Pompeu até o ex-Campo de Concentração de Retirantes, onde fica o cemitério que sepulta quem não resistiu ao flagelo da seca sem políticas públicas de Estado e a convivência com o Semiárido.

Em tempos não pandêmicos, conta o gráfico aposentado Gutemberg Figueiredo, a caminhada e a missa – celebrada atualmente pelos padres Gilberlândio José da Silva e Antônio Menezes – reúnem de 7 mil a 8 mil pessoas. O povo de Senador Pompeu, gente do entorno do município e de romeiros vindos de outros lugares do Ceará. 

O campo de concentração da barragem do Patu funcionou, em 1932 e em outros períodos de seca, como “prisão” para evitar que Fortaleza recebesse mais ainda os deslocados por causa do fenômeno natural.

Em 2019, por força de um projeto de lei de autoria do deputado Acrísio Sena (PT), a “Caminhada da Seca de Senador Pompeu” entrou para o roteiro turístico, religioso e cultural do Ceará. E poderá se transformar em patrimônio imaterial da cultura cearense. A reivindicação mais cobrada, antes que as edificações se destruam mais ainda, é que as ruínas dos 12 casarões, as três casas de pólvora, um cemitério e uma barragem sejam tombados como conjunto arquitetônico histórico. Recuperados e abertos a experiências no município.

O campo de concentração de Senador Pompeu, o Patu, é o único registro de memória edificada do gênero no Ceará. Intensificados a partir de 1915, com a “seca de 1915", os campos de concentração no território cearense foram utilizados para controlar um contingente de retirantes e garantir, como política assistencialista nas secas, mão de obra barata para construções nas cidades e manutenção da ordem pública.

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No Ceará, segundo o pesquisador Valdecy Alves, existiram oito campos de concentração, sendo sete deles durante a seca de 1932. Em Fortaleza, o local onde hoje está o bairro São Gerardo abrigou, em 1915, por exemplo, o primeiro campo do Ceará. A história, entretanto, começa em 1877, quando um ciclo intenso de estiagem motivou o êxodo de retirantes do interior para Fortaleza.

Foi nesse cenário, em Senador Pompeu, que mais de 20 mil pessoas foram aprisionadas no campo de “Patu”. Foi também lá onde mais “flagelados” morreram em toda a história de campos de concentração no Ceará (entre 4 mil e 10 mil), e também fica lá o único espaço que resistiu ao tempo e ao “apagamento do governo”, como afirmou Valdecy Alves ao O POVO em entrevista em 2019.

 

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