Opinião: A Marcha para o Messias

"Mito, mito, mito" foi o que mais se ouviu, emudecendo o "nome de Jesus" que, ao que pareceu, restringiu-se a pouco mais do que a marca do evento

Os organizadores da Marcha para Jesus esperavam, segundo matéria deste jornal, um público de 100 mil pessoas na edição do último sábado, após dois anos de não-realização do evento, por conta da pandemia. O que se viu, contudo, quando a marcha iniciou, às 15hs, na Praça do Dragão do Mar (ponto de partida distinto dos anos anteriores), foi um público de pouco mais de 100 pessoas, atrás de um trio elétrico com pouca organização de comando.

Já ali na partida o evento revelava-se: as tradicionais camisetas de igrejas e congregações haviam sido substituídas por blusas em que se liam slogans de Bolsonaro, a razão maio daquela Marcha. Tão desespiritualizado estava o evento que grandes igrejas de Fortaleza não estavam lá representadas, cabendo a organização aos religiosos mais comprometidos com projetos políticos, seus e do presidente.

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Se, antes, o combate dava-se entre forças espirituais, o que se viu no último sábado foi o empenho em combater forças políticas; embora Jesus tenha dito, lá naquele livro chamado “Evangelho”, que o seu reino “não é deste mundo”.

A Marcha parece ter sido tragada pela motociata, onde estaria o verdadeiro Messias. O número de pessoas nela foi consideravelmente inferior ao dos que foram somente ao aterro e à motociata, evidenciando um certo furo na ideia de que “evangélicos estão fechados com Bolsonaro”. Se estão, não se fizeram presentes.

Estando lá, foi possível analisar o conteúdo da Marcha: a reeleição de Bolsonaro e a eleição de Wagner. Nada de falar-se de salvação, de entoar louvores, de orar por enfermos e pecadores, de libertar a cidade da sombra do mal! Nada disso! Tudo se resumiu ao plano de poder de, como disse o próprio presidente, eleger os dois capitães.

“Mito, mito, mito” foi o que mais se ouviu, emudecendo o “nome de Jesus” que, ao que pareceu, restringiu-se a pouco mais do que a marca do evento.

Não faltaram ataques ao STF, crença na predestinação do “Messias”, pânico moral em torno da esquerda e, óbvio, campanha antecipada por Jair e Wagner. Estranhos tempos em que atores do campo religioso não temem as consequências de um entrega absoluta de sua fé para instrumentalização política. O projeto de Bolsonaro transformou-se, agora, em “questão afeta à nossa alma”, como ele disse; ou seja, requisito para a “salvação da alma”.

Emanuel Freitas da Silva
Professor Adjunto de Teoria Política (UECE/FACEDI)
Professor Permanente do Programa Pós-Graduação em Políticas Públicas (UECE)
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UECE)

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