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Seção Astronômica: A "chuva do caju" e além

10:01 | Mai. 19, 2020
Autor Érico Firmo
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Érico Firmo Editor e Colunista
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Tipo Notícia

No seu relatório ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Francisco Freire Alemão fala de um tipo peculiar de chuvas. “Nos bons anos aparecem algumas chuvas vagas, incertas, nos meses de outubro e novembro, a que chamam ‘chuvas-de-caju’”.

O mestre mateiro José Carneiro conta que não eram apenas as “chuvas do caju”. “Tem a chuva do caju no litoral, mas, na nossa serra, temos no mês de outubro a chuva da manga. A tradicional chuva do café, entre o fim de setembro e o começo de outubro. Essa chuva era tradicional. Com a influência do homem, a degradação, o desmatamento, aí nós perdemos essa chuva do café, essa chuva do caju. Elas não estão mais frequentemente”.

No relato, Freire Alemão diferencia essas chuvas da quadra chuvosa efetiva. “Mas o verdadeiro inverno, ou mais propriamente a estação das chuvas, começa em fins de janeiro ou princípios de fevereiro, sua força é de março a abril, e acaba em junho. Ele consiste em grossos chuveiros, quase diários, às vezes repetidos, mas deixando sempre parte do dia livre para o trabalho: raro é o dia ou noite de chuva constante no Ceará.”

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A "seca artificial" que o sertanejo cria e se volta contra ele

por Érico Firmo

Queimadas propositais no Interior do Ceará chocaram membros da Comissão. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
Foto: AURELIO ALVES
Queimadas propositais no Interior do Ceará chocaram membros da Comissão. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Nem só a falta de chuvas provoca seca no Sertão, constatou há 160 anos a Comissão Científica de Exploração. Existe outro tipo, a “seca artificial”. Ela é criada pelos próprios sertanejos, chama atenção Giácomo Raja Gabaglia.

“Se a irregularidade ou escassez das águas pluviais, ou simplesmente suas oscilações, geram tantos danos ao povo do Ceará, outra sorte de seca artificial preparada pelos próprios habitantes com vigor colossal vai imperando e concorrendo para agravar o mal: refiro-me às extensas queimadas que algumas vezes vingam durante semanas e na distância de léguas, transformando em inóspitos descampados os terrenos pouco antes cobertos de viçosas e verdejantes capoeiras e de uma pastagem abundante”. (GABAGLIA, Giacomo Raja. Ensaios sobre alguns melhoramentos tendentes à prosperidade da província do Ceará. In: CAPANEMA, Guilherme Schurch de. A seca no Ceará. Escritos de Guilherme Capanema e Raja Gabaglia. Fortaleza: Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, Museu do Ceará, 2006. p.68-69).

Fogo ainda hoje se alastra de forma recorrente no sertões cearenses (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
Foto: Aurélio Alves/O POVO
Fogo ainda hoje se alastra de forma recorrente no sertões cearenses (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Em Quixadá, na estrada que leva a Quixeramobim, o trabalhador rural Francisco de Assis, conhecido como Ed, apontou ao O POVO um serrote adiante algumas centenas de metros. “Numa época dessas, pessoal bota fogo. Fiquemos até 11 e meia da noite atrás de apagar fogo. O fogo ainda foi lá em cima. Aí,quando nós apaguemos o daqui, quando foi com uns oito dias botaram naquela. Até atravessou para o outro lado. Queimou tudo”. Eram os meses do B-R-O-Bró - setembro, outubro, novembro e dezembro. A época mais quente do ano. A seca artificial se mantém 160 anos passados.

Poucos quilômetros adiante, o preto das cinzas avança sobre o amarelo avermelhado do chão quase até as portas da casa da família de Antônio André Filho, o seu Edmilson, como é chamado. Sinal do fogo que passou perigosamente perto.

Terra sofre com as queimadas pelo Ceará. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
Foto: AURELIO ALVES
Terra sofre com as queimadas pelo Ceará. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

“As causas destas queimadas originam-se, às vezes, de terras que preparam para roçados que ficam em poucos anos abandonados para formarem-se outros novos em lugares arvorejados”, prossegue Gabaglia no mesmo texto. Porém, ele alerta, nem só como forma de preparar a terra para o plantio. Há também o descaso ou até mesmo a intenção deliberada de fazer o mal. “(...) outras vezes, (incêndios originam-se) de vinganças individuais e, mais frequentes, de descuidos e desleixo, sobretudo de viandantes que, pouco cautelosos, ou completamente indiferentes ao bem público, deixam, nas pousadas que fazem, fogueiras nas quais espalham o gérmen de incêndios, favorecidos pelos ventos e pelos materiais abundantes de combustão, que de maneira veloz lavram em todos os sentidos”, escreveu Gabaglia.

Em 2019, o Ceará registrou 4.304 focos de incêndio detectados por satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O sertanejo ainda cria a seca de que se amaldiçoa. O passado ainda é presente e o presente é o passado.

Anos de boas chuvas

por Érico Firmo

A Comissão Científica embarcou no vapor Tocantins, no Rio de Janeiro, rumo ao Ceará em 26 de janeiro de 1859. Havia então notícias de ameaça de seca na província. Ao chegar a Pernambuco, as informações ganharam força. Temiam os integrantes, então, que tivessem de percorrer os caminhos em meio a falta de água e pastos secos. Porém, "a chuva, que é o principal elemento da prosperidade da província do Ceará, começou a cair apenas o vapor 'Tocantins' chegava à altura do Açu, e continuou daí por diante, regular e abundante, como nos melhores invernos", registrou Freire Alemão. "Com mais felizes auspícios não podia a Comissão entrar na província. Era Deus e o governo de sua majestade que se amerceavam daquele abençoado torrão!", entusiasmou-se.

O desembarque, em 4 de fevereiro, foi festivo, registrou o presidente da comissão. “Eram as primeiras chuvas do ano. E no Ceará, como nas outras províncias que estão em idênticas condições, é um dia jubiloso em que voltam as chuvas depois de haverem cessado por seis e sete meses. São a esperança do criador e do lavrador”.

Havia o temor das secas, mas as chuvas acabaram sendo o empecilho a superar. A Comissão chegou ao Estado em fevereiro, mas só em agosto entrou pelo interior. Havia preparativos a fazer e as estradas enlameadas, os caminhos fechados de matos tornaram-se obstáculo. Existia risco de serem detidos por enchentes. Os caminhos existentes eram precários, propensos a se tornar atoleiros e não havia pontes a transpor os rios.

Um cometa em Fortaleza

Francisco Freire Alemão estava sentado à janela da casa da família Bezerra, com dona Maria Bezerra, quando chega Giácomo Raja Gabaglia. Eram 21 horas de 2 de julho de 1861. O chefe da seção Astronômica mostra uma lista branca no céu. “(...) era a cauda do cometa, que tem aparecido de madrugada. não se vê o núcleo, que está abaixo do horizonte, mas a cauda parte daí e chega até o meio do céu, confundindo-se com a Via Láctea”. Como o relatório da seção Astronômica tem destino desconhecido, o registro do chefe da seção Botânica foi valioso registro do fenômeno. “(...) é uma lista nebulosa, que na aparência pode ser duas braças, e com igual largura em toda a extensão, só varia um pouco quanto à intensidade da luz, que no alto é mais apagada, e a sua direção, quase de norte a sul” (Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão. Fundação Waldemar Alcântara, 2011. P. 545).

 

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