Como vulcão pode ter provocado pandemia que dizimou metade da população da Europa no século 14
Agência BBC

Como vulcão pode ter provocado pandemia que dizimou metade da população da Europa no século 14

Uma erupção vulcânica pode ter desencadeado uma reação em cadeia que levou à pandemia mais letal da Europa

Oito pessoas vestidas com túnicas brancas e chapéus pontudos caminham descalças em procissão atrás de três homens com roupas coloridas. Os homens carregam bandeiras
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A Peste Negra transformou profundamente a sociedade medieval

Uma erupção vulcânica por volta do ano de 1345 pode ter iniciado uma reação em cadeia que culminou na pandemia mais letal da Europa, a Peste Negra, afirmam cientistas.

Indícios preservados em anéis de árvores sugerem que a erupção provocou um choque climático, desencadeando uma sequência de eventos que trouxe a doença à Europa medieval.

Nesse cenário, cinzas e gases liberados pelo vulcão causaram quedas extremas de temperatura e safras ruins.

Para evitar a fome, cidades-Estados italianas populosas precisaram importar grãos de regiões próximas ao mar Negro, trazendo inadvertidamente pulgas transmissoras da bactéria Yersinia pestis, responsável pela doença.

Mapa intitulado “Como a Peste Negra se espalhou pela Europa”, mostrando a transmissão da doença pela rede de comércio de grãos. O mapa cobre a Europa, o Mediterrâneo e o Mar Negro. Portos principais são indicados: pontos vermelhos para portos de exportação (Tana, Alexandria), pontos azuis para portos de importação (Oslo, Messina) e pontos laranjas para centros comerciais (Veneza, Gênova, Pisa, Creta). Setas pretas tracejadas indicam a direção da propagação da peste: de Tana, no Mar Negro, a sudoeste até Constantinopla e Creta, depois a oeste até Messina, na Sicília, ao norte até Pisa e Gênova, e mais adiante até Veneza. Da Itália, as rotas seguem noroeste até a França e depois norte até Oslo. Outra rota sai de Alexandria, no Egito, até Creta e depois para a rede de comércio do Mediterrâneo. Um pequeno mapa em destaque mostra a região dentro da Europa. Fonte: Universidade de Cambridge.
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Essa "tempestade perfeita" de choque climático, fome e comércio lembra como doenças podem surgir e se espalhar em um mundo globalizado e mais quente, segundo especialistas.

"Embora a coincidência de fatores que contribuiu para que a Peste Negra pareça rara, a probabilidade de surgirem doenças zoonóticas em função das mudanças climáticas e de se transformarem em pandemias tende a aumentar em um mundo globalizado", disse Ulf Büntgen, da Universidade de Cambridge (Reino Unido).

"Isso é especialmente relevante diante da nossa experiência recente com a covid-19", acrescentou Büntgen.

Uma árvore atrofiada, com galhos curtos e despidos, ergue-se sobre pedras em um vale rochoso e desolado, sob um céu azul
Credit: Ulf Büntgen
Anéis de árvores nos Pirineus espanhóis indicam verões excepcionalmente frios em 1345, 1346 e 1347

A Peste Negra (ou peste bubônica) varreu a Europa entre 1348 e 1349, matando até metade da população do continente. A doença era espalhada por roedores selvagens, como ratos, e pulgas.

Acredita-se que o surto tenha se iniciado na Ásia Central e se espalhado pelo mundo via comércio.

No entanto, a sequência exata de eventos que trouxe a doença à Europa — causando milhões de mortes — tem sido objeto de estudo detalhado por historiadores.

Agora, pesquisadores da Universidade de Cambridge e do Instituto Leibniz de História e Cultura da Europa Oriental, em Leipzig (Alemanha), preencheram uma lacuna nesse quebra-cabeça.

Eles analisaram anéis de árvores e núcleos de gelo para examinar as condições climáticas na época da Peste Negra.

As evidências indicam que a atividade vulcânica em torno de 1345 provocou quedas acentuadas de temperatura por anos consecutivos, devido à liberação de cinzas e gases que bloquearam parte da luz solar.

Isso, por sua vez, causou perdas generalizadas nas colheitas do Mediterrâneo. Para evitar a fome, cidades-estados italianas passaram a comercializar grãos com produtores ao redor do mar Negro, permitindo inadvertidamente que a bactéria se estabelecesse na Europa.

O pequeno inseto sugador de sangue, sem asas, aparece tingido de vermelho sobre fundo roxo
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Pulgas transmitiram a peste de ratos infectados para humanos

Martin Bauch, historiador de clima medieval e epidemiologia do Instituto Leibniz de História e Cultura da Europa Oriental, afirmou que os eventos climáticos se encontraram com um "sistema complexo de segurança alimentar", configurando uma "tempestade perfeita".

"Por mais de um século, essas poderosas cidades-estados italianas mantinham rotas comerciais de longa distância pelo Mediterrâneo e pelo mar Negro, criando um sistema eficiente para evitar a fome", disse ele. "Mas, no fim, isso acabou levando acidentalmente a uma catástrofe muito maior."

Os achados foram publicados na revista Communications Earth & Environment.

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