Aborto vai avançar no STF após voto de Barroso? Resultado depende do presidente do STF
Agência BBC

Aborto vai avançar no STF após voto de Barroso? Resultado depende do presidente do STF

O voto de Barroso a favor da descriminalização do aborto reacende o debate no STF, mas avanço depende do presidente da Corte e de outros ministros

pessoa passando por exame de ultrassom abdominal
Getty Images

O voto do ministro Luís Roberto Barroso a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação na véspera de sua aposentadoria reacendeu o debate sobre se o Supremo Tribunal Federal (STF) pode avançar no tema.

Apesar do gesto histórico, especialistas alertam que a ação não deve voltar rapidamente à pauta, pois depende do presidente da Corte para ser retomada e do contexto político e até religioso dos ministros.

Na noite da última sexta-feira (17/10), Barroso registrou seu voto na ADPF 442 (uma ação usada no STF para avaliar se uma lei ou norma viola princípios constitucionais), argumentando que "ninguém é a favor do aborto em si" e que a discussão central não é ser contra ou a favor, mas decidir se "a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa".

Para o ministro, o aborto deve ser tratado como questão de saúde pública. Ele acrescentou ainda: "Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo."

Mais cedo, Barroso havia solicitado formalmente que fosse aberto com urgência o julgamento virtual da ação, mas o processo foi suspenso logo após o voto, após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, que transferiu a análise para o plenário físico — onde apenas os votos de ministros aposentados são aproveitados.

"Esse movimento de levar a discussão ao Plenário físico busca dar legitimidade para uma decisão sobre um tema tão delicado. Não há prazo para o julgamento", explica Clara Borges, professora do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR.

Mesmo com o voto de Barroso registrado, isso não garante que a ação avance.

Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP, lembra que quem decide o que será colocado em pauta é o presidente do STF — hoje Edson Fachin.

Desde que a ação foi protocolada pelo PSOL, em 2017, ela nunca foi julgada no plenário físico, refletindo a dificuldade histórica da Corte em avançar em temas polêmicos que envolvem direitos reprodutivos.

"Qualquer voto favorável à descriminalização do aborto é um passo importante. Tem um peso simbólico e dá ao Congresso Nacional um recado de que as conquistas na pauta dos direitos das mulheres avançam, mesmo diante de uma maioria masculina e conservadora que ameaça esses direitos", afirma Borges.

Ela avalia que, para grande parte da sociedade, a questão não é apoiar o aborto, mas evitar que mulheres sejam presas por interromper uma gestação que não é desejada, geralmente por limitações físicas, emocionais ou financeiras.

No entanto, o tema continua polarizado. Quem se opõe à descriminalização argumenta que o direito à vida do embrião começa na concepção e sobrepõe-se à autonomia corporal da mulher.

No STF, ministros como Kássio Nunes Marques e André Mendonça já se declararam contra a ampliação do acesso ao aborto, defendendo que as três hipóteses atualmente permitidas no país são suficientes.

Especialistas lembram que, historicamente, o debate sobre aborto no Brasil é marcado por tensões entre direitos individuais e influências religiosas, com decisões do STF muitas vezes refletindo a complexa composição ideológica da Corte.

"Não há como saber se temos um ambiente institucional favorável para que o STF retome o julgamento. Trata-se de um tema que afronta crenças religiosas e morais. A discussão será apertada e o resultado é imprevisível — não haverá unanimidade", diz Borges.

Ela destaca ainda que, apesar da laicidade do Estado brasileiro, ministros com crenças religiosas mais ortodoxas tendem a se posicionar contra a descriminalização, enquanto movimentos sociais religiosos, como as Católicas pelo Direito de Decidir, são exceções favoráveis.

A descriminalização do aborto é rejeitada por 75% dos brasileiros, segundo pesquisa Ipsos-Ipec de julho de 2025, enquanto 16% apoiam. Em comparação com outros países da América Latina, o Brasil segue com uma das legislações mais restritivas sobre o tema, o que coloca o país em destaque nas discussões internacionais sobre direitos reprodutivos.

Com os votos de Barroso e da ex-ministra Rosa Weber, que também deixou registrado seu voto favorável antes de se aposentar em 2023, já são dois votos no STF a favor da descriminalização, embora a ação continue sem previsão de julgamento.

mulher com teste de gravidez positivo encostado em sua barriga
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No Brasil, atualmente o aborto é permitido apenas em casos de risco de vida da gestante, gravidez por estupro ou fetos anencéfalos

Outras ações sobre aborto

O voto de Barroso atendia à expectativa de 61 entidades e mais de 200 pessoas que enviaram uma carta ao gabinete do ministro na quarta-feira (15/10), pedindo que ele registrasse seu voto na ADPF 442 e em outras duas ações relacionadas ao aborto. Na noite de sexta-feira, o ministro votou favoravelmente, com liminar, em todas essas ações.

A ADPF 1207 prevê que outros profissionais de saúde, como enfermeiros e técnicos de enfermagem, possam participar de procedimentos de aborto legal, medida aprovada por Barroso em caráter cautelar. Já a ADPF 989 solicita que o STF crie mecanismos para assegurar o direito à interrupção da gestação nas hipóteses já permitidas pelo Código Penal (risco à vida da gestante e gravidez por estupro) e em casos de fetos anencéfalos. A liminar determina que órgãos públicos de saúde não podem dificultar a realização do aborto legal.

Barroso já havia atuado como advogado, em 2012, na ação que liberou o aborto em casos de anencefalia, e desde então defende a descriminalização do aborto. Em seminário no STJ, em 2017, disse que a criminalização "viola a autonomia e a igualdade, porque se os homens engravidassem isso já teria sido resolvido há muito tempo". No ano seguinte, em palestra no Congresso Internacional de Direito e Gênero, no FGV, reforçou que a discussão deve ser tratada pelo Judiciário, não pelo Legislativo, afirmando: "A mulher não é um útero a serviço da sociedade. Se os homens engravidassem, esse problema já teria sido resolvido."

A expectativa pelo voto de Barroso nos últimos dias era alta.

"Estamos em contagem regressiva para o último dia do ministro Barroso no STF", disse à BBC News Brasil a antropóloga Débora Diniz, pesquisadora da UnB e referência internacional na defesa dos direitos das mulheres.

Ela destacou que a história política recente da Corte atravessou grandes questões constitucionais que ele esperava enfrentar, como essas ações sobre aborto.

Antes do voto, Mauricio Dieter, professor de criminologia da USP e advogado na ação pela descriminalização do aborto, avaliava que Barroso provavelmente se manifestaria favoravelmente aos direitos reprodutivos das mulheres, coerente com sua atuação e ideologia. Apesar disso, o ministro também reconheceu que o país não está totalmente preparado para o debate, afirmando que a pauta não deve ser julgada proximamente, mas que o tema não pode ser adiado indefinidamente e que a decisão poderia ser apertada.

*Com reportagem de Marina Rossi

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