Argentina confirma após 50 anos morte de Tenorinho, músico brasileiro desaparecido às vésperas de golpe militar
Parceiro de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tenorinho foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, em Buenos Aires, nas vésperas de golpe militar na Argentina
Quase 50 anos após desaparecer em Buenos Aires às vésperas do golpe militar na Argentina, o pianista Francisco Cerqueira Tenório Júnior, o Tenorinho, foi confirmado morto, informou a Embaixada do Brasil na Argentina neste sábado (13/9).
Os restos mortais do músico foram identificados após exames em um corpo encontrado em 1976.
Parceiro de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tenorinho foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, após um show lotado na área central de Buenos Aires. Ele saiu do hotel para ir à farmácia e comprar cigarro - e nunca mais foi visto.
"Nos últimos dias, graças ao trabalho da Justiça argentina na busca pela verdade sobre os desaparecidos, foi possível confirmar que o corpo de um homem encontrado em Don Torcuato em 20 de março de 1976, dois dias após o desaparecimento, era de Tenorinho", informou a Embaixada brasileira.
Don Torcuato é uma cidade da área norte da região metropolitana de Buenos Aires.
Tenorinho estava em turnê pelo Uruguai e Argentina junto a Vinicius de Moraes, Toquinho, Mutinho e Azeitona quando despareceu.
Naquele momento, como se sabe agora, interrompia-se a vida e a carreira de um dos nomes mais destacados da música instrumental brasileira, mestre na fusão de bossa nova e jazz.
Aquela época era um período de perseguições, sequestros, torturas e mortes de opositores na Argentina e no Brasil.
Mas o caso de Tenorinho sempre foi intrigante porque ele não tinha atividades políticas, segundo pessoas próximas.
Vinicius chegou a procurá-lo em hospitais e delegacias de polícia da capital argentina.
"Vinicius ainda permaneceu alguns dias na Argentina tentando esclarecer o caso e nada conseguiu", disse Toquinho em entrevista à BBC News Brasil em 2021
Toquinho disse que o pianista "era de grande talento, considerado um dos músicos mais importantes da bossa nova".
E lembrou que seu destino incerto faz parte dos versos da música Lembranças, que fez com Miltinho: "Tenório saiu sozinho na noite / Sumiu / Ninguém soube explicar".
Sequestro
O sequestro de Tenorinho ocorreu seis dias antes do golpe militar na Argentina, no dia 24 de março. Mas naquela data em que o músico saiu e não voltou, o país já vivia a tensão provocada por atos antidemocráticos contra o governo da então presidente Isabel Perón e que culminaram no golpe.
Uma das versões é a de que, barbudo, ele pode ter sido confundido com o que na época se chamava de "subversivo" - pejorativo que incluía a aparência.
Havia também a hipótese de que o sequestro pudesse ter sido ordenado pelo regime militar no Brasil.
A situação de Tenorinho está reunida em várias pastas com documentos amarelados no arquivo do Museu Sitio da Memória ESMA. Ali, no bairro portenho de Nuñez, funcionou o centro de tortura Escola de Mecânica da Marinha, durante a ditadura (1976-1983). Nas pastas estão reunidas as informações disponíveis sobre o caso.
Tenorinho, segundo a versão do repressor argentino Claudio Vallejos, teria sido sequestrado, torturado e morto ali naquele lugar.
Mas os documentos apresentados por Vallejos não foram ratificados por seus superiores.
Tenorinho deixou quatro filhos e uma esposa grávida no Brasil, em 1976.
Com reportagem de Vitor Tavares, da BBC News Brasil.