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A controversa organização apoiada por EUA e Israel no centro de incidentes com morte em distribuição de comida em Gaza
Agência BBC

A controversa organização apoiada por EUA e Israel no centro de incidentes com morte em distribuição de comida em Gaza

O que sabemos sobre a controversa agência humanitária GHF, que começou a distribuir ajuda no sul de Gaza?

Palestinos fotografados carregando suprimentos de ajuda em Beit Lahia, norte de Gaza, no domingo
Reuters
Palestinos fotografados carregando suprimentos de ajuda em Beit Lahia, norte de Gaza, no domingo

O exército israelense matou pelo menos 67 pessoas que aguardavam caminhões de ajuda humanitária da ONU no norte de Gaza, informou o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA) afirmou que seu comboio de 25 caminhões "encontrou enormes multidões de civis famintos que foram alvo de tiros" logo após cruzar a fronteira com Israel e passar pelos postos de controle.

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As Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram ter "disparado tiros de advertência" para remover "uma ameaça imediata". O ministério contestou o número de mortes relatadas.

No sábado, o ministério alertou que a fome extrema estava aumentando em Gaza e que um número crescente de pessoas estava chegando às suas instalações "em estado de extrema exaustão e fadiga".

"Alertamos que centenas de pessoas cujos corpos foram definhados correm risco de morte iminente devido à fome", afirmou. A ONU também afirmou que civis em Gaza estão morrendo de fome e pediu um fluxo urgente de suprimentos essenciais.

No domingo, o ministério informou ter registrado 18 mortes "devido à fome" nas últimas 24 horas.

Muitas das vítimas do norte de Gaza foram levadas ao hospital Shifa, na Cidade de Gaza. O diretor médico do hospital, Hassan al-Shaer, disse à BBC em árabe no domingo que o hospital estava "sobrecarregado".

Do lado de fora do hospital, uma mulher disse à BBC em árabe que "toda a população está morrendo".

"Crianças estão morrendo de fome porque não têm o que comer. As pessoas estão sobrevivendo com água e sal... apenas água e sal", disse ela.

Em um balanço atualizado de mortos, a agência de defesa civil de Gaza informou que o fogo israelense matou um total de 93 pessoas e feriu dezenas em Gaza no domingo.

Oitenta pessoas foram mortas no norte de Gaza, segundo o relatório, enquanto nove pessoas foram mortas a tiros perto de um posto de atendimento em Rafah e outras quatro perto de um posto de atendimento em Khan Younis, ambos no sul de Gaza.

Na Cidade de Gaza, Qasem Abu Khater disse à agência de notícias AFP que tentou pegar um saco de farinha, mas encontrou uma multidão desesperada e "superlotação e empurrões mortais".

"Os tanques disparavam projéteis aleatoriamente contra nós e atiradores israelenses atiravam como se estivessem caçando animais em uma floresta", disse ele.

"Dezenas de pessoas foram martirizadas diante dos meus olhos e ninguém conseguiu salvar ninguém."

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU condenou a violência contra civis que buscavam ajuda como "completamente inaceitável".

Em um comunicado publicado no X, o PMA afirmou que "a desnutrição está aumentando, com 90.000 mulheres e crianças precisando urgentemente de tratamento". "Quase uma em cada três pessoas não come há dias", afirmou.

Há relatos quase diários de palestinos sendo mortos enquanto buscavam comida desde o final de maio. No sábado, pelo menos 32 pessoas foram mortas por tiros israelenses perto de dois pontos de distribuição de ajuda humanitária no sul de Gaza, segundo o ministério.

Muitos dos incidentes ocorreram perto de locais administrados pela controversa Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada pelos EUA e Israel, que utiliza empresas de segurança privadas para distribuir ajuda humanitária a partir de locais em zonas militares israelenses, mas alguns ocorreram perto de ajuda trazida pela ONU.

Mas quem é exatamente a GHF?

Um homem colando um adesivo com o logotipo da GHF em caixotes que estão em caminhão que espera para entrar em Gaza
Reuters
Caminhões transportando ajuda humanitária com a marca da GHF são vistos na passagem de Kerem Shalom entre Israel e Gaza, no lado israelense

Como a GHF planeja fornecer ajuda a Gaza?

O programa da GHF tem sido alvo de críticas e escrutínio.

O grupo, que usa agentes de segurança americanos armados, tem como objetivo substituir a Organização das Nações Unidas (ONU) como principal fornecedor de ajuda humanitária para os 2,1 milhões de habitantes em Gaza.

Pelo mecanismo da GHF, os palestinos devem coletar caixas contendo alimentos e itens básicos de higiene para suas famílias em quatro locais de distribuição no sul e no centro de Gaza.

Os locais vão estar protegidos por prestadores de serviço americanos, com soldados israelenses patrulhando os perímetros. Para ter acesso, os palestinos devem se submeter a controle de identidade e triagem por meio de biometria e reconhecimento facial para verificar se tem ou não envolvimento com o Hamas.

Mas muitos detalhes logísticos ainda não foram explicados.

Um menino cobre o rosto segurando uma panela vazia enquanto tenta coletar ajuda alimentar em Gaza no início de maio
Getty Images
Especialistas alertaram para uma situação de fome em Gaza

Por que a ONU, as agências humanitárias e o Hamas são contra esse plano?

A ONU e muitos grupos de ajuda humanitária se recusaram a cooperar com os planos da GHF, que, segundo eles, contradizem os princípios humanitários e parecem "transformar a ajuda em uma arma".

Um porta-voz da ONU afirmou que a operação da GHF era uma "distração do que é realmente necessário", e pediu a Israel que reabrisse todas as passagens.

A ONU e outras agências de ajuda humanitária insistiram que não vão cooperar com nenhum esquema que não respeite os princípios humanitários fundamentais.

Elas advertiram que o sistema da GHF vai praticamente excluir as pessoas com problemas de mobilidade, incluindo aquelas com ferimentos, deficiências e idosos, forçar mais desalojamento, expor milhares de pessoas a danos, condicionar a ajuda a objetivos políticos e militares, e estabelecer um precedente inaceitável para a prestação de ajuda humanitária no mundo todo.

Jan Egeland, secretário-geral do Conselho Norueguês para Refugiados e ex-chefe humanitário da ONU, descreveu a GHF como "militarizada, privatizada e politizada".

"As pessoas por trás dela são militares — ex-agentes da CIA, ex-agentes de segurança. Há uma empresa de segurança que vai trabalhar em estreita colaboração com uma das partes do conflito armado, as Forças de Defesa de Israel", disse ele à BBC no fim de maio. "Eles vão ter alguns centros... onde as pessoas serão selecionadas de acordo com as necessidades de um dos lados do conflito — Israel."

"Não podemos permitir que uma parte do conflito decida onde, como e quem vai receber a ajuda", acrescentou.

O Hamas advertiu os palestinos a não cooperarem com o sistema da GHF, dizendo que ele "substituiria a ordem pelo caos, imporia uma política de fome planejada aos civis palestinos, e usaria os alimentos como arma em tempos de guerra".

A declaração da GHF alega que o Hamas também fez "ameaças de morte contra grupos de ajuda humanitária que apoiam operações humanitárias nos locais de distribuição segura da GHF, além de esforços para impedir que a população de Gaza tenha acesso à ajuda nos locais".

Israel afirma que é necessária uma alternativa ao atual sistema de ajuda humanitária para impedir que o Hamas roube a ajuda, o que o grupo nega fazer.

Em um desdobramento que aumentou as suspeitas sobre a GHF, seu diretor, Jake Wood, renunciou ao cargo no fim de maio por discordar dos métodos usados pela organização.

Quem é Jake Wood e por que ele renunciou?

Wood, ex-fuzileiro naval dos EUA, disse que foi procurado para liderar a GHF devido à sua experiência em operações humanitárias. Mas ele informou que estava deixando o cargo devido ao seu desconforto com o plano apoiado por Israel.

"Como muitas outras pessoas ao redor do mundo, fiquei horrorizado e arrasado com a crise de fome em Gaza e, como líder humanitário, fui compelido a fazer o que podia para ajudar a aliviar o sofrimento", afirmou ele na declaração em que anunciou a renúncia.

Ele disse que estava "orgulhoso do trabalho que supervisionei, incluindo o desenvolvimento de um plano pragmático que poderia alimentar pessoas famintas, abordar as preocupações de segurança sobre o desvio, e complementar o trabalho de ONGs de longa data em Gaza".

Mas, segundo ele, havia ficado "claro que não é possível implementar esse plano e, ao mesmo tempo, respeitar rigorosamente os princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência, que não vou abandonar".

Em resposta, a GHF afirmou que "não seria dissuadida" pela renúncia de Wood.

O grupo disse que os críticos "que se beneficiam do status quo têm se concentrado mais em destruir isso do que em obter ajuda, com medo de que soluções novas e criativas para problemas insolúveis possam realmente dar certo".

John Acree, ex-gerente da USAID — a agência do governo dos EUA responsável pela administração da ajuda internacional — foi nomeado diretor executivo interino.

Pessoas caminhando por uma estrada empoeirada carregando caixas de ajuda humanitária de um centro da GHF no fim de maio, enquanto a fumaça sobe ao fundo
Getty Images
Palestinos receberam ajuda humanitária dos centros da GHF no fim de maio — testemunhas relataram distúrbios graves durante a distribuição da ajuda

Qual é a gravidade da situação no local?

Israel impôs um bloqueio total à ajuda humanitária para Gaza em 2 de março, e retomou sua ofensiva militar duas semanas depois, encerrando um cessar-fogo de dois meses com o Hamas.

O governo israelense disse que as medidas tinham o objetivo de pressionar o grupo armado a libertar os 58 reféns ainda mantidos em Gaza, dos quais acredita-se que 23 estejam vivos.

Em 19 de maio, o Exército israelense lançou uma ofensiva ampliada que, segundo o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, levaria as tropas a "assumir o controle de todas as áreas" de Gaza. O plano, segundo informações, incluiria a remoção completa de civis do norte e o deslocamento forçado para o sul.

Netanyahu também disse que Israel aliviaria temporariamente o bloqueio e permitiria a entrada de uma quantidade "básica" de alimentos em Gaza para evitar a fome, após pressão de aliados nos EUA.

No entanto, o chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU alertou recentemente que a ajuda era apenas uma "gota no oceano" do que era necessário no território para reverter os níveis catastróficos de fome, em meio à escassez significativa de alimentos básicos e à disparada dos preços.

Meio milhão de pessoas correm o risco de passar fome nos próximos meses, de acordo com uma avaliação da Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), apoiada pela ONU.

Israel lançou uma campanha militar em Gaza em resposta ao ataque pela fronteira do Hamas em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e outras 251 foram feitas reféns.

Pelo menos 54.056 pessoas foram mortas em Gaza desde então, de acordo com o Ministério da Saúde do território administrado pelo Hamas.

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