Governo britânico diz que criança brasileira de 11 anos deve retornar ao Brasil, mesmo com os pais vivendo legalmente no Reino Unido
Agência BBC

Governo britânico diz que criança brasileira de 11 anos deve retornar ao Brasil, mesmo com os pais vivendo legalmente no Reino Unido

Família brasileira no Reino Unido enfrenta impasse após o departamento de imigração negar residência permanente aos filhos por critérios que desconsideram a guarda compartilhada.

Hugo Barbosa e seus dois filhos, Luca e Guilherme
Arquivo pessoal
Após o caso ser noticiado pela imprensa, governo britânico disse que menino brasileiro pode pedir visto temporário

Após cinco anos vivendo no Reino Unido com vistos regulares, o pesquisador brasileiro Hugo Barbosa teve o pedido de residência permanente para seus filhos, de 11 e 8 anos, negado pelo governo britânico.

Na carta enviada à família, o Home Office, ministério responsável pela imigração, disse que o filho mais velho de Hugo poderia ser "processado, multado e preso" se não voltasse para o Brasil.

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Segundo o governo britânico, o pedido foi negado porque Hugo e sua ex-esposa, Ana, compartilham a guarda dos meninos. Embora ela tenha um visto de trabalho válido, ainda não tem o status de residente permanente.

Pela regra atual, as crianças só teriam direito à residência se ambos os pais já fossem residentes permanentes ou se Hugo, que já tem esse direito, tivesse a guarda exclusiva — o que não é o caso da família.

Com isso, os filhos ficam sem o direito à residência e enfrentavam, até esta quinta-feira (3/7), o risco de ter que deixar o Reino Unido, apesar de toda a vida construída ali.

Mas, em um novo desdobramento, após o caso ser noticiado na imprensa e sua repercussão, o governo britânico disse à família que poderia excepcionalmente reconsiderar a situação.

O governo manteve o posicionamento de que as crianças não se encaixam nos critérios para receber o visto definitivo, mas ofereceu a possibilidade de que ambos solicitem um novo visto temporário.

O caso

Em 2019, Hugo deixou a cidade de Rochester, em Nova York, nos Estados Unidos, pela pequena cidade de Exeter, no sudoeste da Inglaterra, para assumir um cargo como professor sênior de Ciência da Computação na universidade local.

Sua então esposa, Ana, e os dois filhos do casal, Guilherme e Luca, o acompanharam com o plano de construir uma nova vida no Reino Unido.

Hugo chegou ao país com um Tier 2 General Visa — um tipo de visto voltado a profissionais qualificados com oferta de trabalho — que mais tarde foi renomeado para Skilled Worker Visa (visto para trabalhador qualificado). Ana e os filhos foram como seus dependentes, sob as mesmas condições de imigração.

Dois anos depois, em 2021, Hugo e Ana Luiza Cabral Gouveia decidiram se separar.

No ano seguinte, ela, que trabalha como enfermeira no NHS (sistema de saúde pública do Reino Unido), solicitou seu próprio visto de trabalho (na mesma categoria), para não precisar mais estar no país como dependente dele. O pedido teve sucesso e o divórcio do casal foi oficialmente concluído em 2024.

Guilherme e Luca, hoje com 11 e 8 anos, passaram a ter duas casas, próximas uma da outra, com os pais dividindo a guarda compartilhada.

"Achávamos que essa seria a principal dificuldade para eles — se adaptar a essa nova realidade. Mas, na verdade, a maior complicação veio do ponto de vista legal, da imigração."

A vida da família se adaptou após o divórcio, mas o problema surgiu quando Hugo entrou com o pedido de residência permanente, após completar cinco anos no país — um direito previsto nas regras do visto de trabalhador qualificado.

Ele incluiu os filhos no pedido, já que também estavam no Reino Unido pelo mesmo período, mas o departamento de vistos e imigração do Home Office (o equivalente ao ministério do Interior local) recusou.

O motivo foi que, para as crianças terem direito à residência, ambos os pais precisariam já ter residência permanente.

A negativa do Home Office à residência permanente das crianças no Reino Unido

"Como a Ana só aplicou o visto dela em 2022, ela só terá direito à residência em 2027. Como não estamos mais casados e nenhum de nós tem guarda exclusiva dos meninos, eles ficaram sem direito à residência permanente."

"O critério de "responsabilidade exclusiva" é o que complica tudo. Eu nunca imaginei que isso seria um problema, justamente porque temos uma relação muito boa, amigável, e dividimos todas as responsabilidades igualmente. Mas, segundo o Home Office, se um de nós tivesse guarda exclusiva — ou seja, se o outro não tivesse nenhum contato com as crianças —, aí sim elas poderiam ter residência permanente pelo meu visto", completa.

Depois da negativa em dezembro, Hugo escreveu uma carta ao Home Office pedindo uma reconsideração com base no critério de serious or compelling reasons (razões sérias ou convincentes) para que as crianças fiquem.

Ele defendeu que voltar ao Brasil não seria viável: as crianças nunca moraram lá, não leem nem escrevem em português, e toda a vida deles está no Reino Unido.

"Anexei uma carta da escola dizendo que estão indo muito bem. O Guilherme, por exemplo, vai começar agora em setembro numa grammar school [escola pública seletiva do Reino Unido que admite alunos com base em desempenho acadêmico em exames], para a qual ele passou num processo competitivo."

A apelação foi submetida incluindo os dois meninos, e em 4 de junho, a família recebeu uma resposta — mas apenas sobre Guilherme.

A comunicação deixa claro que, como ele não tem direito à residência, ele deveria retornar ao Brasil com a família — incluindo Ana e Luca — ou poderia continuar os estudos em inglês por lá.

"Dadas as suas circunstâncias, estou convencido de que você poderia retornar ao Brasil e continuar sua educação no Brasil, onde teria a opção de frequentar uma escola de língua inglesa. Você, seu irmão e seus pais também poderiam retornar ao Brasil e continuar a vida familiar lá. Seu pai confirma que sua mãe não tem status de residente no Reino Unido, portanto sua mãe poderia escolher retornar ao Brasil e continuar a dividir a responsabilidade parental por você no Brasil", diz a comunicação do Home Office a Guilherme, feita por e-mail.

"Portanto, estou convencido de que não há razões sérias e convincentes para lhe conceder residência permanente como filho dependente de um Trabalhador Qualificado", conclui o comunicado.

A resposta do órgão esclarece que Guilherme não precisa deixar o Reino Unido "durante o período em que possam solicitar a revisão administrativa; enquanto qualquer solicitação de revisão administrativa estiver sendo analisada; caso façam um pedido de permanência no país sob outra base; ou se ainda tiverem permissão válida para entrar ou permanecer no Reino Unido."

Por outro lado, o documento alerta para as consequências de permanecer no território britânico fora dessas circunstâncias, o que inclui: "você pode ser detido; pode ser processado, multado e preso; pode ser removido e banido de retornar ao Reino Unido." Outros alertas incluem a possibilidade de conta bancária congelada, carteira de motorista e direitos de trabalho revogados — o que não se aplicaria à criança.

Na quinta-feira (3/7), a mesma resposta, negativa chegou para Luca, mas com um adendo positivo na perspectiva da família: o Home Office ofereceu a possibilidade de que ambas as crianças tenham um visto temporário, como dependentes (o mesmo status que mantinham até então).

A BBC News Brasil solicitou um posicionamento oficial do Home Office por meio de e-mail e telefone. Até o momento da publicação, o órgão não havia respondido. Caso haja manifestação, o conteúdo será incluído e a reportagem atualizada.

Ana com seus filhos, Luca e Guilherme
Arquivo pessoal
Ana tem a guarda dos filhos compartilhada com o ex-marido

'Tratados de forma injusta'

Na avaliação do advogado Edward Meade, que trabalha com temas de imigração na firma Sterling Law em Londres, o Home Office tem certa margem para exercer discricionariedade e decidir em favor dos requerentes em casos complexos — mas, segundo ele, isso não foi feito no caso da família de Hugo.

Para Meade, que não tem ligação com o caso, a família seguiu corretamente as regras, mas o sistema de imigração britânico tem deficiências importantes, especialmente na rota baseada em pontos, que não leva em consideração situações como a de relacionamentos que chegaram ao fim.

Ele explica que, como dependente, Ana teria direito à residência permanente após cinco anos no país. Mas com o fim do casamento, foi obrigada a solicitar um visto próprio, o que reiniciou esse prazo. Isso afetou diretamente os filhos do casal.

"Acho que foram tratados de forma injusta [na recusa inicial] pelo Home Office, o que mostra a falta de compaixão e consciência sobre circunstâncias reais de vida. O Hugo fez bem em tentar usar as disposições para casos excepcionais, mas o Home Office parece ter entendido que ambos os pais ainda estão envolvidos e, por isso, não viram razões sérias e convincentes para o caso."

"A carta de recusa também mostra cópias e colagens, partes duplicadas, o que indica o pouco cuidado na análise. As regras são muito rígidas e não levam em conta casos como esse. O fato de a Ana ser enfermeira sênior do NHS não teve qualquer peso, mesmo com a importância dos migrantes para o NHS."

Meade diz que não fica surpreso, porque já viu muitas recusas semelhantes.

"Esse caminho específico é bem inflexível: se o relacionamento termina, a pessoa tem que buscar outro visto, como o de trabalhador qualificado, ou mudar para outra rota. É uma grande falha das regras de imigração e da forma como o Home Office analisa os casos."

Meade esclareceu, antes do novo desdobramento do caso, que, pelas leis do país, as crianças ainda poderiam permanecer no país como dependentes, mesmo sem o direito imediato à residência permanente, mantendo um status legal semelhante ao que tinham até então. Mas a família, ao consultar diferentes advogados, não estava completamente segura da possibilidade até a nova resposta em 3 de julho.

Meade também destaca que Hugo fez o pedido de residência permanente em 9 de fevereiro de 2024, mas a decisão só saiu em 4 de junho, mais de 16 meses depois. "Normalmente, esses casos deveriam ser analisados em até seis meses. Isso é alarmante."

Ele explica que o Home Office anunciou, em maio, um white paper (documento oficial do governo que apresenta propostas de políticas públicas para consulta e debate antes de serem implementadas) que pode alterar as regras do visto de trabalhador qualificado, aumentando o tempo necessário para solicitar residência permanente de cinco para dez anos.

Isso significaria que Ana só poderia pedir residência em 2032, e os filhos teriam que manter o visto por uma década para tentar a residência pela via do tempo de permanência no país.

"Espero que essa regra não afete quem já está no Reino Unido, apenas novos solicitantes."

Controle de passaportes do departamento de imigração no aeroporto de Gatwick
BBC
Para especialista, sistema britânico tem deficiências por não levar em consideração situações como separações

O estado emocional da família

Hugo relata que, desde a decisão do Home Office, o impacto emocional na família tem sido profundo. "O primeiro desafio foi entender o que estava acontecendo. As regras de imigração são muito complexas", conta. Ele buscou orientação de um consultor de imigração e descobriu que a norma que agora afeta sua família foi criada para evitar que parentes cheguem ao Reino Unido de forma sucessiva e estratégica — como ouviu na explicação: "primeiro o pai, depois o filho, a mãe, a avó... e por aí vai".

Desde então, o desgaste tem sido constante. "Por muitos dias não consegui dormir direito. Todas as noites sonho com situações de perseguição, com os meninos sendo levados embora, chegando no aeroporto... É constante. O estresse já está afetando meu trabalho. É difícil focar em dar aulas, fazer pesquisa, preparar palestras. Continuo tentando, mas é muito desgastante."

Ana Luiza Cabral Gouveia, mãe de Guilherme e Luca, descreve o momento como "um misto de emoções".

"Primeiro veio o choque. A gente não espera por isso, nunca imaginei essa possibilidade. De repente, aconteceu. Fiquei sem chão, passei uma semana de cama, sem conseguir fazer nada. Depois, vieram o medo, a angústia e a sensação de vulnerabilidade. É muito difícil se sentir sem controle, vendo o futuro dos seus filhos sendo decidido por outras pessoas."

A família celebrou resposta de que as crianças poderiam permanecer no país legalmente com visto temporário como uma grande vitória.

"Agora o pesadelo acabou e agradecemos a todos que apoiaram a nossa família", disse Ana.

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