Rapper de Juazeiro do Norte lança EP sobre luto, ego e sensibilidade

Diniz, artista cearense de Juazeiro do Norte, lança clipes e EP de rap "Amortesalva" sobre amor e morte, luto e sensibilidade

16:22 | Nov. 28, 2025

Por: Julia Vasconcelos/ Especial para O POVO
Rapper cearense Diniz lança EP e videoclipes sobre experiências pessoais (foto: Divulgação/ Francisco Luiz)

Em cinco músicas, Diniz vai da crítica ao luto, passando ainda pelos desassossegos da vida de artista e reflexões sobre vulnerabilidade. Mesmo versando sobre temas distintos, o lançamento do artista cearense é conectado por uma marca autobiográfica do início ao fim.

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Com a proposta de ser um ponto de encontro entre luto e sensibilidade, amor e morte, a semente para o EP "Amortesalva" começou com uma pichação que já não existe mais. Em João Cabral, bairro onde vive Isaque Jerônimo Diniz, em Juazeiro do Norte, a palavra-frase no muro já branco permaneceu inscrita na mente do artista.

"Ins-piração", última faixa do EP, foi a primeira música a nascer. "Se passar por aqui, não esquece desse MC", diz em um trecho da letra endereçada à inspiração. E sua prece foi ouvida. "Aquela sonoridade desbloqueou um loop criativo que acabou desaguando no álbum", conta Diniz.

Ele enviou a melodia para Kyouku, nome artístico do produtor musical Kauê dos Santos Silva, que assina a produção de todas as faixas do trabalho. Daí, juntos, eles construíram o instrumental de "Ins-piração". Para "MiniPekka", "Gana", "Ofidioglota" e "Carta pra Francisco", o processo foi diferente.

Kyouku já tinha os beats prontos. Rejeitados por um artista de São Paulo, que buscava uma sonoridade diferente, só encontraram propósito na caneta de um caririense. "A minha parceria com o Kyouku é absurda. Ele é um gênio musical. Numa terça-feira qualquer, de madrugada, ele me mandou os beats. Naquele mesmo dia, escrevi três músicas", lembra. 

A despedida de um primo, um pedido de casamento, uma treta boba com outros artistas independentes, a síndrome do impostor e até um flow improvisado em uma batalha de rima foram gatilhos criativos para o novo trabalho, lançado nesta sexta-feira, 28, nos streamings de áudio.

Vulnerabilidade, ego e gana

Das experiências e sentimentos pessoais é que Diniz sustenta sua música. "É onde eu consigo acessar coisas que ainda não consigo organizar dentro de mim", define. Em "Ofidioglota", segunda faixa de "Amortesalva", ele pergunta: "qual é o problema de eu assumir meus sentimentos?".

Se "ninjas usam máscara pra esconder o sentimento", como canta já no primeiro verso, ele abre mão de assumir o papel de guerreiro espião no EP, embora reconheça a dificuldade. "Essa música fala de sentimentos reprimidos, de como é pesado lidar consigo mesmo sendo homem, negro e periférico. A gente cresce sendo visto como violento, bruto e superficial", afirma.

"É mais fácil derrotar a Jörmungand do que assumir vulnerabilidade", brinca, referindo-se a um réptil gigante da mitologia nórdica. Fascinado pela simbologia e estética das serpentes, falar a língua das cobras - como designa o termo "ofidioglota" - lhe parece um desafio menor frente ao ato de expor as próprias fragilidades e sensibilidade.

Ainda assim, "Carta pra Francisco" não nega que ele conseguiu. Na quarta faixa de "Amortesalva", Diniz usa a música para desabafar e comunicar-se com o falecido avô. Ele não esconde a admiração pelo pai de sua mãe nem se furta de falar da culpa pela relação em vida.

"Não tive tempo de te dar orgulho, mas sobrou tempo pra eu te dar desgosto", canta. E também reconhece o valor do seu "exemplo de homem" expressando gratidão: "Palavra final em tudo, responsabilidade de carregar o mundo. Você demorou a sua vida inteira, mas cê aprendeu a ser gentil com todo mundo", declara em outra estrofe. 

"Eu ainda não processei completamente a perda do meu pai. Ele foi esfaqueado na minha frente no aniversário dele, em 2011. 'Carta pra Francisco' virou uma despedida para essa figura paterna que meu avô representava para mim", explica.

Ensinado a engolir o choro e continuar a briga, Diniz defende que "o capitalismo funciona como uma máquina de moer gente, e esse ideal do homem provedor, invencível e resolutivo só mantém essa máquina girando".

Vivendo no meio do rap e das batalhas de rima, ele assume que o movimento também tem sua contribuição para a construção da "casca" da dureza, já que, para os MC's, "qualquer fragilidade vira munição contra o teu ego". E ele mostra isso em "MiniPekka", que soa como uma diss (crítica a outro artista em forma de música) em versos como "'cê' já pode vir, não me pega. Seu flow é ruim, métrica 'peba'".

Além de cantor e compositor, Diniz é MC de batalha de rima, produtor do Duelo de MC's Estadual do Ceará e fundador da Batalha da Cascavel. Fora a dedicação à arte e à cultura, ele ainda bate ponto de segunda a sexta em uma empresa de representação comercial, onde trabalha como auxiliar administrativo para pagar as contas.

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Feito de maneira independente, o EP "Amortesalva" foi gravado no quarto de Kyouku enquanto o produtor musical cuidava do irmão e fazia o almoço. "Zero dinheiro, muito conhecimento e muita vontade", resume Diniz, que também lançará videoclipes no dia 13 de dezembro, um sábado, com produção da Studios Farol.

Desdobrando-se para manter as muitas atividades, Isaque Jerônimo Diniz canaliza a energia que carrega desde a infância na arte e na produção cultural, mesmo sem receber retorno financeiro com o rap. Afinal, como deixa claro no EP: "Não faço isso aqui por grana, e sim por gana".

"Sempre fui criativo, expansivo, hiperativo. Quando criança, terminava as tarefas rápido e ia atormentar os outros falando qualquer coisa", afirma. Dos anos pueris, ele se mantém tendo muito a dizer. "Minha mãe falou para eu ficar calado quando eu não tiver nada para falar, por isso que eu faço hiato, passo anos sem lançar", diz em "MiniPekka", faixa de abertura do EP.

Diniz garante, no entanto, que o tempo entre um lançamento e outro não se deve à falta de conteúdo. De tempo para produzir, por outro lado, sim. "A agenda pra fazer algo que não paga, só pelo rap, é um obstáculo grande", argumenta, apontando também a vida corrida de Kyouku, Rafael Ferreira e Dhennesys, amigos envolvidos na produção.

Para ele, esse tempo acaba servindo como sinônimo de "pesquisa, amadurecimento e lapidação tanto artística quanto pessoal". "Não quero ser o artista que mais lança. Quero ser o artista que mais acerta. Prefiro ser um sniper do que uma metralhadora", pontua.

EP "Amortesalva"

Videoclipes

  • Quando: sábado, 13 de dezembro, às 12 horas
  • Onde assistir: YouTube @Diniz088