Bienal de Dança: libanês une ironia e dança para sobreviver

Em espetáculo na Bienal Sesc de Dança, libanês Bassam Abou Diab costura ironia e dança para criar técnicas de sobrevivência a bombas nas guerras de seu país

10:37 | Out. 01, 2025

Por: Miguel Araujo
Espetáculo Sob a Pele, do libanês Bassam Abou Diab, tem coreografias para sobreviver a bombas; trabalho foi apresentado na Bienal Sesc de Dança, em Campinas (SP) (foto: Juliana Hilal/Divulgação)

A passos lentos, desce os degraus com visão atenta e semblante sério. Observa quem está ao redor e analisa o ambiente. Vestido com jaqueta da Adidas e acompanhado por outros dois colegas, capta olhares curiosos. Diante disso, anuncia ao público: “Se acha que vieram ver um espetáculo de dança, estão enganados”.

Para o libanês Bassam Abou Diab, “Sob a Pele” é muito mais que um trabalho artístico: é sua experiência de vida. Testemunha de sucessivas guerras em seu país, ouviu de perto, por vários anos, o som e o impacto das bombas jogadas em seu território. Assim, desenvolveu “técnicas” de sobrevivência a partir da dança.

Com esses mecanismos de defesa coreografados, veio a missão de levar aos espectadores as sutilezas — e as mensagens explícitas — nem sempre assimiladas quanto às marcas de conflitos em sobreviventes.

Assim foi apresentado na última segunda-feira, 29, o espetáculo “Sob a Pele” na XIV Bienal Sesc de Dança.

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O Vida&Arte acompanha in loco o evento, realizado em Campinas até 5 de outubro. O festival reúne cerca de 80 atividades, entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas, com 18 países e 10 estados brasileiros.

“Sob a Pele”: coreografias de resistência em meio a guerras

Um dos países representados é exatamente o Líbano, com o trabalho de Bassam Abou Diab. Ao longo de quase 60 minutos, o artista se dirige ao público em tom de conversa, ao mesmo tempo em que mostra suas coreografias (ou “técnicas”) de sobrevivência, criadas como formas de se proteger em conflitos.

Seus movimentos são costuras de linguagens vindas da dança contemporânea, de danças folclóricas (como o dakbe) e de rituais de luto. Enquanto ensina à plateia seus métodos, seu corpo é embalado pelo tambor tocado por Ali Hout.

Apesar da temática sensível em sua essência, Diab finca o espetáculo no trânsito entre a ironia e a denúncia. O dançarino nasceu em meio a uma guerra civil no Líbano.

Para ele, o medo não era uma emergência, pois fazia parte de seu cotidiano, e sempre sentiu que seu corpo estava em estado de emergência, como se devesse esperar uma explosão a qualquer momento, como afirmou em entrevista ao Sesc.

“Sob a Pele”: ironia como mecanismo de sobrevivência

Ao relembrar o passado, o artista destaca momentos simbólicos comuns a guerras, como o envio de presentes por nações estrangeiras às pessoas enlutadas e amedrontadas pelos conflitos.

No caso de Diab, um presente foi marcante: uma jaqueta da marca Adidas. “Obrigado, União Europeia! Obrigado, Estados Unidos!”, exclama com sarcasmo.

Outro exemplo é sua "dança de comemoração" para celebrar a chegada de um par de sapatos novo.

Em uma de suas falas, Bassam comenta que crianças que perdiam a mãe costumavam ganhar presentes melhores - e às vezes ele queria estar nessa situação. O choque para o público é uma das formas de constatar o drama do cenário.

As técnicas de sobrevivência coreografadas pelo artista envolvem rolamentos sobre o solo, saltos, giros e palmas.

Em foco, seu corpo e as constantes batidas do tambor, que servem como alerta para as chegadas das bombas. Ele cai, mas se levanta em seguida, confirmando o ciclo.

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O drama de sua trajetória vem também a partir de suas palavras. Com o auxílio de um tradutor em cena (Nour Alshekh Koeder), o público conhece suas referências e fases, da adolescência à vida adulta.

Nesse sentido, o espetáculo também é construído com a plateia, que participa com palmas ritmadas, exclamações, risadas e atenção à história do artista. Entretanto, em alguns trechos a fluidez do espetáculo ficou prejudicada por erros de tradução.

Em “Sob a Pele”, Bassam Abou Diab mostra como a ironia também pode ser um mecanismo de sobrevivência e, a partir do humor, também uma forma de resistência.

De maneira envolvente, convida o público a refletir sobre os horrores da guerra e o aproxima de uma realidade que permanece em diferentes países.

Sobre a XIV Bienal Sesc de Dança

Realizada pelo Sesc São Paulo, a 14ª Bienal Sesc de Dança é promovida em Campinas (SP) até domingo, 5 de outubro. A edição celebra dez anos de história na região.

Quase 80 atividades - entre espetáculos, performances, instalações e ações formativas - compõem a programação.

O festival visa reafirmar a dança como espaço de encontro, diversidade e invenção, com danças cênicas, urbanas, populares, experimentais e comunitárias.

Dezoito países e dez estados são representados nesta edição. O Vida&Arte acompanha in loco a Bienal Sesc de Dança.

*Repórter viajou para Campinas a convite do evento