Netflix: "Vinagre de Maçã" retrata influencer que fingiu ter câncer

Netflix: "Vinagre de Maçã" retrata influencer que fingiu ter câncer

Desmascarada em 2015, australiana Belle Gibson ficou milionária dizendo ter curado câncer com "dieta saudável"; influencer lançou livro e app de receitas

Lançada pela Netflix na última quinta-feira, 6, "Vinagre de Maçã" conta a história da influencer Belle Gibson, que ganhou fama após alegar ter curado um câncer múltiplo apenas com uma "dieta saudável". Belle foi desmascarada em 2015, após ficar milionária com sua presença online e os lançamentos de um livro e um aplicativo de receitas.

Conheça a história da influencer, sua ascensão à fama e como suas mentiras foram descobertas.

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Vinagre de Maçã: quem é Belle Gibson na série da Netflix?

Belle Gibson ganhou fama no início dos anos 2010, em uma época na qual influencers digitais não eram tão onipresentes quanto hoje. A jovem alegava ter curado um câncer múltiplo — que teria, supostamente, afetado sangue, baço, útero, fígado, rins e cérebro —, em estágio terminal, usando apenas a alimentação.

Em 2013, Gibson lançou seu aplicativo de receitas para dispositivos Apple. Chamado "The Whole Pantry" ("Toda a Despensa", em tradução livre), o app foi baixado mais de 200 mil vezes só no primeiro mês. À época, ela chegou a negociar com a empresa a pré-instalação do aplicativo no lançamento do Apple Watch.

Em 2014, o "The Whole Pantry" foi transformado em um livro, lançado pela editora Penguin Books.

Em fevereiro de 2015, uma amiga de Gibson passou a ter dúvidas sobre o diagnóstico. Chanelle McAuliffe chegou a confrontar diretamente a influencer, que negou os questionamentos. McAuliffe decidiu, então, denunciar o que acreditava ser uma fraude, e buscou a polícia, um advogado e um jornalista investigativo. Nenhuma das tentativas, porém, avançou.

Promessas de doações não cumpridas levaram a outras denúncias

Dois repórteres do jornal The Age, Beau Donelly e Nick Toscano, acreditaram nas acusações de McAuliffe. No entanto, foram aconselhados por advogados a não publicar a reportagem, pois não havia provas o suficiente de que Gibson estivesse mentindo.

Outro ponto, porém, tinha evidências o bastante. A esta altura, Gibson já havia angariado mais de um milhão de dólares australianos (pouco mais de R$ 2 milhões, pela cotação da época). O valor vinha das vendas do livro, do aplicativo, e da presença virtual da influencer.

Nas redes sociais, ela ostentava uma vida glamourosa, com carro de luxo e morando em uma mansão.

A influencer havia afirmado, em diversas ocasiões, que doava parte significativa de seus rendimentos para várias instituições de caridade. Quando procuraram essas entidades, os repórteres descobriram que a imensa maioria das doações alegadas não havia sido feita.

A primeira matéria desmascarando Belle Gibson, então, focou nas falsas promessas de filantropia.

Com a revelação, mais pessoas procuraram veículos de imprensa, fornecendo as evidências que faltavam para desmentir as promessas de cura milagrosa feitas por Gibson.

Após isso, investigações descobriram que a influencer não havia mentido apenas sobre o câncer, mas também sobre diversos aspectos da própria vida e até mesmo sua idade.

Após denúncias, livro e aplicativo de influencer saíram de circulação

Entidades de defesa do consumidor e a própria imprensa passaram a questionar a Apple e Penguin Books, além de revistas que divulgaram a história de Gibson, como Elle e Cosmopolitan. A cobrança era relaciona à falta de checagem se as afirmações da influencer eram reais.

A empresa de tecnologia não chegou a se posicionar sobre o tema, mas removeu os aplicativos e cancelou a parceria para inclusão no Apple Watch. O livro foi retirado de circulação e a Penguin Books afirmou que publicou a história "de boa-fé".

O próprio prefácio do "The Whole Pantry", no entanto, pontua que Gibson foi sabatinada pela editora sobre sua história. Tanto a Elle quanto a Cosmopolitan admitiram, posteriormente, que haviam recebido denúncias indicando que as alegações da influencer eram falsas, mas que não investigaram as acusações antes de publicar o material.

"Sumiço" na internet e admissão de fraude

Na internet, as páginas do "The Whole Pantry" em diversas redes foram excluídas, tornadas privadas, ou abandonadas. Comentários questionando Gibson eram removidos, e ela parou de publicar novos conteúdos. Publicações que mencionavam o câncer ou as doações passaram a ser apagados nos perfis da influencer, e, eventualmente, todos os posts foram excluídos.

Em uma entrevista à revista The Australian Women's Weekly, em abril de 2015, Gibson admitiu ter inventado a história sobre o câncer. Ela não afirmou, porém, se arrepender do que fez, tampouco pediu desculpas pela fraude.

A influencer disse que as mentiras eram consequência de relações familiares problemáticas, especialmente com sua mãe, por quem teria sido negligenciada, junto ao irmão mais novo, desde que tinha cinco anos. No mês seguinte, a The Australian Women's Weekly entrevistou a mãe de Gibson, que negou as acusações.

Belle Gibson, de Vinagre de Maçã, acumula processos e multa milionária

Em 2016, a Penguin Books entrou em um acordo com o órgão de Defesa do Consumidor do estado australiano de Victoria, admitindo não ter checado as alegações de Gibson e pagando uma indenização de 30 mil dólares australianos (cerca de R$ 75 mil, à época).

No ano seguinte, Gibson foi considerada culpada, em uma ação cível, por não ter realizado diversas doações prometidas, inclusive uma à família de uma criança com um tumor no cérebro. Ela foi condenada a uma multa de 410 mil dólares australianos (cerca de R$ 1,02 milhão, à época).

A juíza responsável pelo processo compreendeu que as alegações de câncer feitas pela influencer eram falsas. No entanto, a magistrada pontuou que não era possível ter certeza se as afirmações haviam sido feitas com intenção fraudulenta, ou se "uma série de delírios" a teria levado a acreditar que realmente teve a doença.

Gibson nunca chegou a ser condenada criminalmente por mentir sobre seu estado de saúde, tampouco por promover supostas curas sem comprovação científica.

Gibson não compareceu a nenhuma das audiências, e enviou uma carta ao tribunal afirmando que não poderia arcar com o valor. Ela alegou ter dívidas somando 170 mil dólares australianos (aproximadamente R$ 425 mil), e apenas 5 mil dólares australianos (cerca de R$ 12,5 mil) em seu nome.

Gibson nunca pagou a multa. A polícia chegou a cumprir dois mandados de busca e apreensão na casa da influencer, em 2020 e 2021, para confiscar bens que pudessem abater parte do montante devido.

À época da primeira ação policial, considerando juros e penalidades adicionais pelo não pagamento, o valor chegava a mais de 500 mil dólares australianos (aproximadamente R$ 1,43 milhão, na cotação da época).

Vinagre de Maçã: Belle Gibson foi vista pela última vez em 2019

No dia seguinte à primeira incursão policial, um vídeo de Gibson, datado de outubro de 2019, foi publicado por um jornalista de origem etíope radicado na Austrália. Na gravação, ela alega ter sido "adotada" por imigrantes da Etiópia, com quem teria passado os quatro anos desde que sua história foi desmentida, e até mesmo trocado de nome.

A mudança teria acontecido após conhecer um grupo do povo Oromo, no qual, inicialmente, ela atuava como voluntária.

No mesmo dia, porém, o presidente da associação que representa a etnia Oromo na Austrália, Tarekegn Chimdi, afirmou que não sabia, anteriormente, quem era a influencer. Ele disse ter visto Gibson em eventos da comunidade "duas ou três vezes", e achava que ela estava apenas acompanhando alguém. Chimdi disse que Gibson não era registrada como voluntária da associação, e que a entidade realiza uma checagem de antecedentes antes de aceitar voluntários.

O vídeo foi a última aparição pública de Belle Gibson. Em 2024, o irmão dela, Nick Gibson, concedeu entrevista ao programa de TV 60 Minutes. Na conversa, ele afirma não ter relação alguma ou contato com a irmã, e acusou a influencer de ter roubado as joias da mãe, então internada em estágio terminal, em 2017.

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