Vegetarianos, sem glúten, crudívoros: uma mesa de Natal complicada
"Há 10 anos, era improvável ter um convidado em cada 10 que consumisse alimentos sem glúten. Hoje, é muito provável ter um, até dois", assinala Xavier Terlet, presidente da XTC World Innovation, consultoria especializada no setor de alimentação.
A convivência pode ser afetada: "O namorado da minha filha não come ostras porque são animais vivos; a namorada do meu filho tem alergia a lactose; minha filha mais velha não come carne vermelha", conta Maria, uma parisiense de 50 anos que se esforça para preparar um cardápio que agrade a todos.
Do outro lado do Atlântico, esta situação já era apontada, em 2010, por uma charge da revista New Yorker, intitulada "O último Dia de Ação de Graças": uma mesa vazia, sem o tradicional peru, e rodeada de convidados, cada um com uma dieta diferente.
As restrições alimentares são mais bem aceitas pelos americanos e britânicos do que pelos franceses, para os quais o ato de compartilhar a refeição "ganha a dimensão de um ritual de comunhão", explica o sociólogo Claude Fischler na introdução do livro coletivo "Les Alimentations Particulières: Mangerons-nous Tous Encore Ensemble Demain?" (Alimentações Particulares: no futuro, comeremos todos juntos?, em tradução literal.
Estas dietas estão relacionadas, em parte, a questões de saúde. O número de pessoas que sofrem de alergia alimentar dobrou em 10 anos na Europa, atingindo mais de 17 milhões de pessoas, segundo estatísticas da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI).
Além do circulo dos que não toleram o glúten, um público mais amplo adotou a exclusão desta mistura de proteínas presentes em cereais como o trigo. Os adeptos garantem que ganharam bem-estar e energia com o regime, popularizado por famosos, como o tenista Novak Djokovic.
Os distribuidores se lançaram no filão do sem glúten, com marcas dedicadas especialmente a este setor, cujas vendas não param de aumentar (%2b42% em 2014 na França, segundo a consultoria IRI). Também melhorou a qualidade da oferta. "Antes, os produtos sem glúten ou sem lactose eram destinados aos doentes, era uma proposta cara e sem graça. Agora, são muito melhores", aponta Terlet.
Alimentado pelo medo de alimentos nocivos e transgênicos, o bio segue de vento em popa. Foi adotado pelos supermercados, em setores dedicados ao gênero que os urbanos adoram. A alimentação vegetariana, elogiada por Gwyneth Paltrow e Stella McCartney, libertou-se da imagem austera. Os "veggie burgers" são muito populares, principalmente em Nova York, onde um deles acaba de ser coroado como o melhor do mundo pela revista masculina "GQ".
A alta gastronomia não fica atrás. O chef Alain Ducasse propõe há mais de um ano no Plaza Athénée de Paris seu menu "naturalidade", em que a carne cede lugar a um trio de peixes, legumes e cereais. Juntamente com os vegetarianos, apareceram os consumidores ocasionais de carne, que apostam na qualidade, mais do que na quantidade.
Impulsionadas pela tendência "verde" e "saudável", as cantinas vegetarianas e lojas de sucos detox invadiram os bairros da moda de San Francisco, Londres e Sydney. Como "La Guinguette d'Angèle", um serviço de catering orgânico e sem glúten lançado em 2012 por Angèle Ferreux-Maeght, que se tornou a cantina preferida do mundo da moda em Paris, com sua proposta de chips de repolho, ceviche e saladas.
"Em Paris, havia pequenos restaurantes macrobióticos, mas ninguém levava o namorado", lembra, rindo, esta loura, 27, fanática por produtos naturais, que montou um balcão de produtos perto do bairro central de Les Halles.
A fórmula também seduz em Dubai, onde o café do "Comptoir 102" - sem açúcar, laticínios, vegano, orgânico, com alimentos crus e opção sem glúten -, da francesa Emma Sawko, teve grande sucesso. Ela se prepara para abrir lojas de sucos e 'smoothies' em Dubai e Paris.
AFP