Síria em guerra: quem perde e quem ganha com a queda de Bashar al-Assad

Após o desfecho da guerra civil que durou 13 anos, o mundo agora assiste para ver quais os próximos passos na síria. Entenda o xadrez das potências

No último domingo, o mundo assistiu o fim regime do agora ex-ditador sírio Bashar al-Assad, depois de 13 anos de uma sangrenta guerra civil. Como uma colcha de retalhos dividida por rebeldes que dominam várias partes do território, a Síria continua a ser uma incógnita.

Mas após a deposição do ditador, não se sabe se o país vai se abrir ou se o novo governo também vai se tornar opressor. Para entender um pouco mais sobre a situação, O POVO conversou com um Luiz Philipe de Oliveira, doutor e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, e com Vladimir Feijó, graduado em Direito e Relações Internacionais e Doutor em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-Minas)

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Para Luiz Philipe, ainda é cedo para dizer quem perde e quem ganha com a queda de Assad, pois os acontecimentos ainda estão recentes, e quem, por hora, parece estar ganhando pode ser visto depois como perdedor, a depender de como será a relação desses atores com o novo governo sírio.

“Ainda é um momento muito recente pra dizer quem tá saindo ganhando ou perdendo, a gente tem na verdade um retirada da Rússia apoiando o governo sírio, o Irã perdendo um dos seus maiores apoiadores e saindo da região, e os Estados Unidos, que vão ter que tentar contar um número desconhecido de organizações pseudoterroristas, inclusive o Estado Islâmico”, explicou Philipe.

Já Vladimir Feijo considera que a queda de Assad traz a possibilidade de um governo não autoritário se consolidar no país, mas isso não quer dizer que, necessariament,e vai resultar em um regime democrático, ou mesmo estável para a população síria.

“Internamente, a queda de Assad representa a possibilidade de um regime não autoritário. Mas pelo menos no seu governo havia um estado laico, e diante de toda instabilidade e grupos armados, o perigo da população é de não conseguir implementar um regime estável e muito menos democrático”, argumentou.

Para o acadêmico, a realidade multifacetada e fragmentada da Síria pode fazer a guerra civil se prolongar o conflito se um grupo tentar se impor a outro, e lembrou os casos da Líbia, da Argélia e do Egito, onde a queda de ditadores não resultou em democracia. “As perspectivas comparadas dos diferentes países que passaram pela chamada primavera arabe de derrubada dos respectivos regimes foi de mais instabilidade a depender do país mais truculência que o regime anterior”.

Segundo explicou Vladimir, a Organização pela Libertação do Levante (HTS) tenta se mostrar palatável, porém é mais é um grupo radical, que teve ligações com a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, pela ONU, e por países europeus.

Ele também considera a queda do ditador como uma vitória para Israel sobre seu vizinho. “A queda de Assad representa um avanço de Israel sobre os seus vizinhos, redução como aqueles como parte do eixo de resistência poderiam intimidar a existência do estado judeu”.

O xadrez das potências

Para falarmos da questão Síria, é preciso entender quais interesses de outros países sobre a região. Além de Estados Unidos e da Rússia, Irã, Turquia e Arábia Saudita também têm interesses diretos no desenrolar da questão.

Analistas e até mesmo políticos, como o presidente americano Joe Biden e o presidente eleito Donald Trump, ligaram a queda de Assad a um enfraquecimento da ao envolvimento dos maiores aliados do regime de Assad em outros conflitos, Rússia na Ucrânia e o Irã no envolvimento indireto nos conflitos contra Israel.

Com a Rússia focada na guerra que iniciou em solo europeu, e dependendo até mesmo do Irã e da Coreia do Norte para seu esforço de guerra, seu escudo protetor na Síria foi tirado e o regime se tornou vulnerável.

Na contramão de muitos analistas, Luiz Philipe não considera que a queda do ditador sírio representa uma derrota para o Putin, mas que mostra que o país está focado na sua guerra contra a Ucrânia.

“A Rússia está privilegiando sua estratégia na Ucrânia. Na Síria não tinha tanto ganho estratégico, ela tava mantendo um pé na região mas nada que fosse fazer muita diferença, podendo fortalecer seus esforços somente na Ucrânia pra ela vai ser muito melhor”, argumentou Luiz Philipe.

“O apoio da Rússia é interesse em ter as bases aéreas dentro da Síria. Caso a gente ainda vá descobrir que o governo russo rifou o Assad, protegeu fisicamente mas rifou o regime permitindo a expansão desses grupos rebeldes com a condicionante que o país continue a utilizar essas bases aereas”, explicou Vladimir.

Com relação ao Irã, Luiz Philipe diz que o país recebeu um duro golpe de Israel. Porém, ele lembra, a derrota é temporária e isso não significaria que o país esteja acabado. 

“O Irã não tinha uma estrutura muito forte, ele fez o ataque a Israel várias semanas atrás, e sofreu a retaliação, mas não quer dizer que esteja acabado, eles tem uma força militar estratégica forte na região”, argumentou o pesquisador.

Nessa mesma linha, Vladimir lembra que aliados internacionais não significam uma aliança inabalável, quando uma das partes precisa se dedicar a outros interesses mais urgentes, e foi o que aconteceu com a Síria.

“Aliados internacionais não significam uma aliança militar sólida, que garantiria uma defesa conjunta. Para Irã o interesse que ele possui na Síria seria de manter um caminho terrestre, ou mesmo aéreo aberto para conseguir esta alimentar belicamente seus aliados como o Hezbollah e eventuais grupos de resistência palestina”, explicou Vladimir dando a entender a fato da queda de Assad ser uma vitória para Israel.

Já o Reino Saudita tem interesse em um governo na Síria que seja sunita, e apresente as características dos países do Golfo, religiosos mais abertos economicamente ao ocidente, e estáveis sem incidência de terrorismo. Isso ajuda a expandir a influência saudita sobre os demais países árabes da região.

Por outro lado, a Turquia também prestigia a queda do ditador, e observa qual será o tratamento dado pelo novo governo aos curdos. O país apoiou os muitos grupos rebeldes que lutaram contra o regime de Assad, diante da entrada de muitos imigrantes em seu território. Logo após a queda do ditador, o país abriu suas fronteiras para permitir o regresso de imigrantes à Síria.

Para os Estados Unidos e potências europeias, a preocupação é que a Síria se torne um regime teocrático alimentando o terrorismo, ou mesmo que a guerra civil se prolongue fazendo do país um laboratório do terror.

Vladimir também explica que a China se mantém distante da questão, essa estratégia chinesa de contestação à hegemonia dos EUA, tem um foco diferente da russa, e precisa de um ambiente estável para sua expansão econômica.

“A China não tem posição sobre a Síria, ela tem posição de estabilidade, dos preços de petróleo, e das rotas comerciais. A China se posiciona contra o anticolonialismo, o anti-imperialismo e pela autodeterminação dos povos, de defender que os sírios que definam seu próximo governo, mas ao mesmo tempo que isso não tenha ingerência externa”, destacou

Ainda segundo ele, as potências médias, como o Brasil e a Índia, também têm a preocupação de se compararem com as grandes potências. "Dessa forma, um instabilidade no Oriente Médio e a expansão do conflito israelense ou a dúvida sobre a unidade da Síria, tudo isso pode trazer riscos econômicos se rotas econômicas forem desestabilizadas”.

Isso se alinha com as posições dos dois países que pediram cautela e afirmaram acompanhar a situação. "O governo brasileiro acompanha, com preocupação, a escalada de hostilidades na Síria. Exorta todas as partes envolvidas a exercerem máxima contenção e a assegurarem a integridade da população e da infraestrutura civis", disse o Itamaraty, em nota.

Posição parecida com a da Índia. “Todas as partes para que trabalhem para preservar a unidade, a soberania e a integridade territorial da Síria” e para um “processo político pacífico e inclusivo liderado pela Síria, respeitando os interesses e aspirações de todos os setores da sociedade síria”, disse o Ministério das relações exteriores do Índia.

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